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A guerra esquecida da América com o México

A guerra de expansão da América no México, apoiada pelos jornais e políticos, tem repercussões até aos dias de hoje.

por Shane Quinn | The Duran

NO WAR NO NATO - 3 de dezembro, 2017

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Reflectindo sobre a sua vida ao morrer de cancro na garganta, em 1885, o antigo Presidente dos EUA, Ulysses S. Grant disse que a guerra mexicano-americana foi “a guerra mais perversa da História. “Eu considerava o mesmo nessa época, quando era jovem, só não tive coragem moral suficiente para renunciar ”.

Grant teve a experiência em primeira mão porque lutou na Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), na ocasião, como oficial subalterno nos seus 20 e poucos anos. Cerca de duas décadas depois, destacou-se como uma das figuras mais importantes durante a Guerra Civil Americana – como Comandante Geral, o seu poderoso Exército da União, finalmente, esmagou os Confederados com poucos recursos.

Grant tornar-se-ia um presidente americano de dois mandatos (1869-1877), assumindo inicialmente o cargo com relutância. “Fui forçado a sê-lo, embora não quisesse”, como referiu quando escreveu a William Sherman, um colega do Exército da União, durante a guerra civil.

Apesar do envolvimento em vários conflitos, a Guerra Mexicano-Americana aterrorizou Grant até ao fim. “Tive horror à Guerra Mexicana e sempre acreditei que, da nossa parte, era muito injusto. A maldade estava na condução da guerra. Não tínhamos o direito de reivindicar nada ao México. O Texas não era nosso para além do rio Nueces, e ainda assim pressionamos até ao Rio Grande e atravessamos. Envergonho-me do meu país quando penso nessa invasão”.

Hoje, o que chama a atenção nos pontos de vista de Grant, é quão notavelmente sinceros eles são. Seria impensável, nos séculos seguintes, que os presidentes dos Estados Unidos proferirem-se dúvidas éticas sobre os ataques à Coreia, ao Vietnam, ao Afeganistão ou ao Iraque – apesar de ter havido muito maior destruição e perda de vidas.

A derrota do México robusteceu a expansão do tamanho territorial dos EUA em quase 25%. O Texas havia sido inicialmente desanexado do México em 1845, um estado quase três vezes maior do que a Grã-Bretanha.

O governo mexicano recusou reconhecer a incorporação ilegal do Texas no terreno americano. Em Maio do ano seguinte (1846), os EUA declararam guerra ao vizinho do sul. O Presidente dos EUA, James K. Polk, utilizou o pretexto de que as forças mexicanas atacantes haviam “ultrapassado a fronteira dos Estados Unidos [no Texas], invadido nosso território e derramado sangue americano em solo americano”.

Na verdade, o “solo americano” era o solo mexicano anexado para se tornar parte dos EUA. Os norte-americanos aguardavam uma artimanha em que poderiam atacar o México sem causar alvoroço popular indesejado, permitindo aos Estados Unidos conseguir mais vantagens na terra mexicana.

Desde então, houve pouca exigência da parte dos líderes democráticos para que os EUA devolvam os territórios roubados ao México – ou, pelo menos, para reconhecerem que foi infligido a esse país, uma injustiça grosseira.

Pelo contrário, ouvimos lamentos hipócritas sobre a “anexação” da Crimeia pela Rússia em 2014 – uma região que foi inicialmente parte da Rússia (de 1783 a 1917) e depois, mais tarde, sob a égide da URSS (1917-1991).

O principal objectivo da guerra de conquista da América sobre o México, foi ganhar o monopólio da produção do algodão. No século XIX, o algodão era tão vital como hoje é o petróleo, e também representava uma mercadoria fundamental da indústria esclavagista. O controlo do algodão “traria a Inglaterra a seus pés”. O Presidente Polk reconheceu-o abertamente, assim como o seu antecessor imediato, o antigo Presidente John Tyler.

De facto, Tyler declarou sobre a anexação do Texas, em 1845, “Ao assegurar o monopólio factível da planta de algodão”, os Estados Unidos haviam adquirido “uma influência maior sobre os acontecimentos mundiais do que se tivesse utilizado exércitos por mais fortes que eles fossem, ou forças navais por mais numerosas que as mesmas fossem”.

Tyler continuou: “Esse monopólio, agora garantido, coloca todas as outras nações aos nossos pés. Um embargo durante apenas um ano produziria, na Europa, mais sofrimento do que uma guerra de cinquenta anos. Duvido que a Grã-Bretanha possa evitar convulsões ”.

A vitória americana sobre o México, em Fevereiro de 1848, conduziu ao Tratado de Guadalupe Hidalgo. Viu os EUA apoderarem-se não apenas do Texas, no México, mas também da Califórnia, metade do Novo México, a maior parte do Arizona, Nevada e Utah, juntamente com partes do Wyoming e do Colorado. Muitas dessas áreas eram ricas em algodão, o que significa que as conquistas foram uma apoderação de terras desmedida, cujas repercussões duram até ao dia actual.

De acordo com os tempos modernos, a Free Press defendeu as intervenções ilegais da América. James Gordon Bennett – editor e fundador do New York Herald – o jornal mais vendido dos EUA, nessa época, considerando correcto, escreveu que a Grã-Bretanha estava “completamente amarrada e algemada com cordas de algodão. Uma alavanca com a qual podemos controlar de maneira bem sucedida”, o principal rival dos EUA. Nem uma palavra sobre as acções injustificadas, infligidas contra o México.

De facto, Bennett tinha esperança que o destino dos mexicanos seria “semelhante ao dos índios deste país – a raça será extinta, antes deste século terminar”. Ele escreveu sobre a “imbecilidade e degradação do povo mexicano”.

Bennett foi uma das principais figuras da História da imprensa americana e sentiu que “a ideia de fusão [das raças] tinha sido sempre intolerável para a raça anglo-saxónica neste continente”.

O editor do Cincinnati Herald descreveu os mexicanos como “raças mestiças degradadas”, como os nativos americanos. O editor do Augusta Daily Chronicle, na Geórgia, fez um aviso prévio, em 1846, de que atacar o México provavelmente revelaria “uma mistura repugnante, consistindo numa mistura de negros e rancheiros, mestiços e índios, apenas alguns castelhanos [espanhóis]”.

Em 1845, James Buchanan, futuro presidente dos EUA, insistiu que “a nossa raça de homens nunca pode ser submetida à raça mexicana, imbecil e indolente”. O Senador Sam Houston do Texas foi ainda mais longe, dizendo, em 1848, que “os mexicanos não são melhores que os índios, e não vejo razão para, agora, não continuarmos no mesmo caminho e apoderarmo-nos das suas terras [todo o México]”.

Walt Whitman, famoso jornalista e poeta da América, perguntou: “O que é que tem o México, miserável e ineficiente … a ver com a grande missão de povoar o Novo Mundo com uma raça nobre?”

Com essas atitudes predominantes, era esperada uma vitória rápida e fácil sobre o México. No entanto, foi mais do que surpreendendo para o super confiante adversário americano, ver como o exército mexicano lutou bravamente. O conflito durou quase dois anos, antes que o peso das forças superiores dos EUA fosse finalmente fosse sentido.

Após a derrota do México, foi imposta uma nova fronteira artificial que permaneceu bastante aberta. Aqueles que desejavam atravessá-la para visitar parentes ou envolver-se no comércio, consideraram-na um assunto simples. Ou seja, até à década de 1990, quando o governo Clinton começou a fortalecer e militarizar a fronteira mexicana.

George W. Bush então expandiu agressivamente as iniciativas de Clinton ao longo da fronteira – sob os pretextos de proteger os EUA de imigrantes ilegais, terroristas ou traficantes de drogas.

Os benefícios territoriais sobre o México foram em grande parte apagados da memória, apesar de terem ocorrido descontraidamente, nos últimos 200 anos. Parece plausível que muitos americanos que vivem no Texas ou na Califórnia, possam não estar cientes de que estão sentados em terra mexicana ocupada.

O escritor e orador americano, Ralph Waldo Emerson, disse: “Realmente não importa por que meios o México é ocupado, pois contribui para a missão de ‘civilizar o mundo’ e, a longo prazo, será esquecido” .

No entanto, a ocupação não foi esquecida pelos mexicanos. Em abril deste ano (2017), o antigo candidato presidencial do México, Cuauhtemoc Cardenas, instou o seu governo a mover uma acção contra os Estados Unidos no Tribunal Internacional de Justiça, para obter reparações e indemnização.

Um advogado que trabalha para Cardenas, disse: “Vamos tornar esta acção num caso forte e difícil, porque estamos com a razão do nosso lado. Eles estiveram em território mexicano, numa invasão militar ”. Suspeita-se que Ulysses S. Grant estaria a apoiá-los.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

Shane Quinn é licenciado em jornalismo (com honras). Escreve principalmente sobre assuntos estrangeiros, tendo sido inspirado por autores como Noam Chomsky. Quinn é colaborador frequente da Global Research.

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