Porque o competidor efetivo já emergiu, de corpo inteiro: a parceria estratégica Rússia-China.
Na 4ª-feira, Xi disse que aquela era sua oitava viagem à Rússia desde 2013 – quando foram anunciadas as Novas Rotas da Seda, ou “Iniciativa Cinturão e Estrada” (ICE). Acrescentou que, desde então, ele e Putin já se reuniram “quase trinta vezes”.
Na série de acordos assinados por Putin e Xi, um se destaca: o que trata do movimento para desenvolver comércio bilateral e pagamentos transfronteiras, a ser feito em rublos e yuan, deixando de lado o EUA-dólar. Ou, como disse Putin, diplomaticamente, “Rússia e China visam a desenvolver a prática das “compensações em moedas nacionais”.
É crucial lembrar que a questão é discutida em profundidade, no nível dos BRICS – especificamente pela parceria estratégica Rússia-China – desde meados da década dos 2000s.
Vastas porções do Sul Global prestaram máxima atenção. As compensações, na balança de pagamentos em todo o mundo sem dúvida caminha para adotar cada vez mais amplamente, a prática de usar também outras moedas, não só o rublo e o yuan.
Depois do encontro bilateral, Xi alertou que “atualmente, a situação internacional experimenta mudanças profundas, sem precedentes nos séculos passados. Paz e desenvolvimento ainda são as tendências do tempo, mas o protecionismo, o unilateralismo, políticas crescentes de poder e hegemonismo estão levantando a cabeça.”
É dizer pouco. A Rússia enfrenta duríssimas sanções dos EUA. A China, uma guerra comercial de vida ou morte. A parceria estratégica Rússia-China é a bête noire da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA.
Total sincronia
Geopoliticamente, Rússia-China estão em total sincronia. Sobre a Síria, e a necessidade de impedir que jihadistas “rebeldes moderados” migrem para Xinjiang, Ásia Central e para o Cáucaso. Sobre a necessidade de preservar o Plano de Ação JCPOA, conhecido como “Acordo Nuclear para o Irã”. Sobre a necessidade de resolver a charada da península coreana. Sobre a necessidade de apoiar a Venezuela – com cooperação militar e ajuda humanitária.
Elemento crucial, decisivo, também estão em sincronia quanto o apoio total de Putin à Iniciativa Cinturão e Estrada, e ao movimento para fundir os projetos da ICE e da União Econômica Eurasiana. Essa conexão pode solidificar o objetivo de Moscou, que trabalha para configurar a Rússia como ponte terrestre eurasiana chave.
Faz todo o sentido que Putin e Xi, além de assinar acordos, tenham tanto o que discutir em Moscou.
E tudo isso aconteceu antes de Putin e Xi reunirem-se com os presidentes de mais de 50 empresas russas e 60 chinesas que participavam do 2º Fórum Rússia-China de Energia, organizado pela Rosneft e pela Corporação Nacional de Petróleo Chinesa [China National Petroleum Corp, CNPC]. E antes do muito aguardado discurso de Putin sobre o turbulento atual tabuleiro de xadrez geopolítico, ao lado de Xi, na 6a-feira, na sessão plenária do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo [St. Petersburg International Economic Forum (SPIEF)].
São Petersburgo
O Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo é o principal fórum anual de negócios da Rússia. É absolutamente impossível compreender os meandros e detalhes da complexa maquinaria da progressiva integração da Eurásia, sem assistir ou acompanhar os debates e discussões que acontecem no SPIEF.
2019 é, em muitos aspectos, Ano de Viver Perigosamente [ing. The Year of Living Dangerously]. O tabuleiro de xadrez está totalmente monopolizado pelo confronto entre os EUA e Rússia-China – com uma casquinha de flerte entre o governo Trump e uma estratégia de “Nixon reverso”, que tenta separar Rússia e China. Claro que faz todo o sentido que Xi seja convidado de honra no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, 2019. E é só o primeiro, de três reuniões cruciais Putin-Xi, que acontecerão esse mês.
Semana que vem os dois se reúnem novamente em Bishkek para a cúpula anual da Organização de Cooperação de Xangai – quando os tópicos que discutiram em Moscou e em São Petersburgo serão partilhados com as nações da Ásia Central e do Sul, inclusive com um observador importantíssimo, presente à reunião da Organização de Cooperação de Xangai: o Irã.
Pode-se dizer que a questão chave em Bishkek será como Putin e Xi tratarão Modi da Índia, país membro dos BRICS e que acaba de alcançar vitória eleitoral e sonha com ganhar papel de astro principal na estratégia de Washington para o Indo-Pacífico – que, na essência, é outro mecanismo para “conter a China”.
E dia 28 de junho, Xi e Putin outra vez estarão juntos em Osaka – com outros membros dos BRICS – para a cúpula do G20.
A reunião de São Petersburgo esse ano foi palco de discussões absolutamente essenciais em torno da integração da Eurásia. Várias dessas questões são simplesmente ignoradas no Ocidente. Adiante, só uns poucos exemplos dos painéis e reuniões que merecem exame acurado, de perto:
• Os desafios de transporte que os países membros da Organização de Cooperação de Xangai enfrentam, objeto de um painel do qual participam o secretário-geral da Organização de Cooperação de Xangai, Vladimir Norov, com excelente intervenção do presidente global de infraestrutura da KPMG, Richard Threlfall;
• Um painel sobre energia do qual participam o principal executivo da Rosneft, Igor Sechin; o ministro das Finanças do Qatar, Ali Shareef al-Emadi; Robert Dudley, principal executivo da British Petroleum; e o presidente de projetos globais da ExxonMobil, Neil Duffin;
• Discussão da mudança de paradigma em curso na ordem econômica global, da qual participam o vice-ministro de Desenvolvimento Econômico da Rússia Timur Maksimov; o presidente de Economia dos Mercados Emergentes e Estratégia do Bank of America Merrill Lynch; e o extremamente bem articulado secretário de finanças de Hong Kong, Paul Chan;
• Um amplo painel de discussões sobre business/investimento em toda a Eurásia, do qual participam o presidente do conselho de negócios da União Econômica Eurasiana (UEE), Viktor Khristenko; o presidente do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento Eurasiano, Andrey Belyaninov; o vice-primeiro-ministro da Rússia, Anton Siluanov; e o presidente do Conselho de Analistas do Sberbank, Yaroslav Lissovolik;
• Todas as questões de negócios que giram em torno da parceria estratégica Rússia-China, e levam a projetos conjuntos de grande escala de infraestrutura, energia e alta tecnologia, para cuja discussão reúnem-se presidentes e altos executivos das maiores empresas chinesas e russas.
As reuniões Putin-Xi, as discussões em São Petersburgo, e a reunião da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, semana que vem, articulam, em menos de dez dias, todo o mapa do caminho para o futuro da integração da Eurásia. Sobre todas essas realidades em movimento paira a principal mudança de paradigma (econômico): o caso das várias nações que ultimam os preparativos para escapar de vez do EUA-dólar, como moeda mundial de reserva.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
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Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..
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http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26230