Turquia é um nodo chave nas emergentes Novas Rotas da Seda, ou “Iniciativa Cinturão e Estrada”. Erdogan é mestre na arte de vender a Turquia como o mais importante entroncamento no qual se cruzam Oriente e Ocidente. Também manifestou muito interesse em se unir à Organização de Cooperação de Xangai (OCX), liderada por Rússia-China, cuja reunião anual de cúpula aconteceu em Bishkek, uns poucos dias antes de Osaka.
Paralelamente, contra o inferno e o mar alto – das ameaças de mais sanções pelo Congresso dos EUA, aos avisos da OTAN – Erdogan jamais arredou pé da decisão de Ancara de comprar sistemas russos S-400s de mísseis de defesa, contrato de $2,5 bilhões, segundo Sergei Chemezov, da Rostec.
Os S-400s começaram a ser embarcados para a Turquia já essa semana. Segundo o ministro de Defesa da Turquia, Hulusi Akar, começarão a ser montados em outubro. Para furiosa ira de Washington, Turquia é o primeiro estado membro da NATO a comprar S-400s.
Xi, ao dar boas-vindas a Erdogan em Beijing, reforçou a mensagem que burilaram, ele e Putin, nos encontros anteriores que tiveram em São Petersburgo, Bishkek e Osaka: China e Turquia devem “promover uma ordem mundial multilateral, cujo núcleo seja a ONU, sistema regido pela lei internacional.”
Erdogan, por sua vez, reforçou o encanto –, de coluna assinada no Global Times elogiando uma visão comum de futuro, até profundar-se em alguns detalhes. Seu objetivo e consolidar os investimentos chineses em múltiplas áreas na Turquia, direta ou indiretamente relacionados a Iniciativa Cinturão e Estrada.
Sem se intimidar ante o dossiê uigur, extremamente sensível, Erdogan realizou com destreza uma pirueta. Deixou de lado as acusações do próprio Ministério de Relações Exteriores da Turquia, para o qual se praticam “tortura e lavagem cerebral” nos campos de detenção uigures e comentou que os uigures “vivem felizes” na China. “É fato que os povos da região chinesa de Xinjiang vivem felizes no desenvolvimento e na prosperidade da China. A Turquia não permite que seja quem for promova a desarmonia no relacionamento Turquia-China.”
É ainda mais surpreendente, se se considera que na década passada o próprio Erdogan acusou Beijing, de genocídio. E num caso famoso, em 2015, centenas de uigures já em vias de serem deportados da Tailândia de volta à China, terminaram, depois de muito barulho, sendo reassentados na Turquia.
A neocaravana geopolítica
Erdogan parece ter finalmente entendido que as Novas Rotas da Seda são a versão 2.0 digital das Antigas Rotas da Seda cujas caravanas conectavam o Império do Meio, pelo comércio, a incontáveis terras do Islã – da Indonésia à Turquia, do Irã ao Paquistão.
Antes do século 16, a principal linha de comunicação que atravessava a Eurásia não era marítima, mas uma cadeia de estepes e desertos do Sahara à Mongólia, como Arnold Toynbee tão maravilhosamente constatou. Andando pela trilha, encontraria mercadores, missionários, viajantes, intelectuais, por todo o caminho, até Turco-mongóis da Ásia Central migrando para o Oriente Médio e o Mediterrâneo. Todos esses formaram a matéria-prima da troca e da interconexão culturais entre Europa e Ásia – que ultrapassava em muito a descontinuidade geográfica.
Pode-se dizer que Erdogan consegue agora interpretar as novas folhas de chá. A parceria estratégica Rússia-China – diretamente envolvida em conectar Cinturão e Estrada e a União Econômica Eurasiana e, também, o Corredor de Transporte Internacional Norte-Sul – considera Turquia e Irã nodos chaves de interconexão, absolutamente indispensáveis para o processo de múltiplas camadas superpostas da integração da Eurásia.
Um novo eixo geopolítico e econômico Turquia-Irã-Qatar vai-se constituindo lenta mas ininterruptamente no Sudoeste da Ásia, ainda mais conectado a Rússia-China. O impulso é a integração da Eurásia, visível, por exemplo, num frenesi de construção de ferrovias concebidas para conectar as Novas Rotas da Seda ao corredor de transporte Rússia-Irã, ao Mediterrâneo Oriental e ao Mar Vermelho e, para leste, do corredor Irã-Paquistão até o Corredor Econômico China-Paquistão, um dos destaques de Cinturão e Estrada.
Tudo isso apoiado sobre acordos interligados de cooperação nos transportes que envolvem Turquia-Irã-Qatar e Irã-Iraque-Síria.
O resultado final não só consolida o Irã como nodo chave de conectividade de Cinturão e Estrada e parceiro estratégico da China, mas também consolida, por contiguidade, a Turquia – a ponte para a Europa.
Dado que Xinjiang é o nodo chave na China Ocidental, que se conecta com vários corredores da Iniciativa Cinturão e Estrada, Erdogan teve de encontrar um meio de campo – minimizando no processo, em grande medidas, onda de desinformação e a sinofobia inflada pelo ocidente. Pode-se dizer que, ao aplicar o pensamento de Xi Jinping, Erdogan optou por privilegiar o entendimento cultural e as trocas cara a cara, acima de uma batalha ideológica.
Pronto para mediar
Com seu sucesso na corte do Rei Dragão, Erdogan sente-se agora suficientemente fortalecido para oferecer seus serviços de mediador entre Teerã e o governo Trump – aceitando a sugestão do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, no G20.
Erdogan não se teria apresentado, se a questão já não tivesse sido discutida previamente com Rússia e China – as quais, detalhe crucialmente importante, são membros signatários do Acordo Nuclear do Irã (o “Plano Amplo de Ação Conjunta”, ing. Joint Comprehensive Plan Of Action (JCPOA).
Fácil ver como Rússia e China devem considerar a Turquia o mediador perfeito: vizinho do Irã, proverbial ponte entre o Oriente e o Ocidente, e membro da OTAN. A Turquia é certamente muito mais representativa que o grupo UE-3 (França, Reino Unido e Alemanha).
Trump parece querer impor – ou pelo menos dá a impressão de querer impor um JCPOA 2.0 sem assinatura de Obama. A parceria Rússia-China pode facilmente expor o blefe dos EUA, tão logo o assunto seja discutido com Teerã, oferecendo uma nova mesa de negociações que inclua a Turquia. Ainda que permaneça o inefetivo – em todos os sentidos – grupo UE-3, haveria contrapeso real, sob a forma de Rússia, China e Turquia.
De todos esses importantes movimentos no tabuleiro de xadrez geopolítico, uma motivação destaca-se entre os atores protagonistas: a integração da Eurásia não pode avançar significativamente, sem enfrentar a obsessão de Trump por sanções.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..
http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26488