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Trump ordena retirada de tropas na Síria

por M.K. Bhadrakumar | Indian Punchline

Resistir.info - 7 de outubro, 2019

https://www.resistir.info/moriente/bhadrakumar_07out19.html


Curdos sírios protestam contra a ameaça de invasão militar turca junto a um veículo blindado dos EUA, província de Hasakeh, 6 de outubro, 2019

O presidente dos EUA, Donald Trump, não é conhecido por praticar judo. No entanto, pode ter aprendido algumas técnicas de judo com o seu colega russo Vladimir Putin, que é faixa negra. Mas o que Trump acabou de fazer ao presidente da Turquia, Recep Erdogan, é claramente do conceito da física do judo.

Aproveitar o ímpeto do oponente é uma técnica inteligente do judo. Se ele o atacar e você apenas permanecer ali, ele irá derrubá-lo. Mas a velocidade que ele está a ganhar pode ser simplesmente usada contra ele, puxando-o, o que fará com que ele se desconcerte. Você pode poupar muito tempo e energia se puder tirar proveito do ímpeto do seu oponente.

Erdogan tem ameaçado ruidosamente invadir a Síria e dizimar os curdos sírios alinhados com os militares dos EUA que estão abrigados nas regiões do norte que fazem fronteira com a Turquia. No ano passado, aproximadamente, os EUA tentaram por sua vez pacificar Erdogan, apaziguá-lo, persuadi-lo e por vezes até a ameaçá-lo para não lançar uma incursão no norte da Síria, a leste do Eufrates, onde ainda existem bolsões residuais do ISIS e onde milhares de combatentes do ISIS estão internados em campos sob a vigilância da milícia curda, seu inimigo implacável.

No sábado, Erdogan perdeu a calma e apresentou um cronograma. Ameaçou que se os EUA não atendessem às suas exigências para limpar o "corredor terrorista" ao longo da fronteira da Turquia com a Síria, nem cumprissem o acordo para estabelecer uma "zona segura" no norte da Síria, tomará o assunto nas suas mãos e lançará uma invasão unilateral a leste do Eufrates" tão logo como hoje ou amanhã".

Nas palavras de Erdogan: "Concluímos nossos preparativos e o plano de acção, as instruções necessárias foram dadas. Talvez seja hoje ou amanhã o momento de abrir caminho aos esforços de paz os quais estão estabelecidos e o processo para isso foi iniciado. Vamos executar uma operação terrestre e aérea".

Trump falou imediatamente com Erdogan e, no final do domingo, o secretário de imprensa da Casa Branca emitiu uma declaração, tomando nota da determinação da Turquia de avançar "com sua operação planeada há muito no norte da Síria".

A declaração deixou claro que os EUA "não apoiarão ou se envolverão na operação (turca)" e que o contingente militar dos EUA no norte da Síria "não permanecerá mais na área imediata (da incursão turca)". Acrescentou que "A Turquia agora será responsável por todos os combatentes do ISIS na área capturados nos últimos dois anos após a derrota do "Califado" territorial pelos Estados Unidos".

Até que ponto Trump e Erdogan chegaram a um entendimento ainda não está claro. O mostrador turco afirmou que Erdogan visitará Trump em Novembro.

De qualquer forma, Trump não quer que as tropas dos EUA sejam apanhadas num fogo cruzado entre os turcos e os curdos na Síria. Numa série de tweets, ele voltou ao refrão de que os EUA não tinham motivos para permanecer militarmente envolvidos na Síria. Trump tuitou:

"Supunha-se que os Estados Unidos ficassem na Síria por 30 dias, isso foi há muitos anos atrás. Ficámos e nos aprofundámos cada vez mais na batalha, sem objectivo à vista. Quando cheguei a Washington, o ISIS actuava desenfreadamente na área. Derrotámos rapidamente 100% do califado do ISIS, incluindo a captura de milhares dos seus combatentes, vindos principalmente da Europa. Mas a Europa não os queria de volta, eles disseram-nos para mantê-los nos EUA! Eu disse: "NÃO, nós lhes fizemos um grande favor e agora querem que nós os mantenhamos nas prisões dos EUA a um custo tremendo. Eles são vosso para serem julgados". "Eles mais uma vez disseram "NÃO", pensando como de costume que os EUA são sempre os "otários", na NATO, no Comércio, em tudo".

"Os curdos combateram connosco, mas receberam enormes quantias de dinheiro e equipamentos para isso. Eles têm combatido a Turquia há décadas. Adiei esse combate durante quase três anos, mas já é tempo de sairmos destas ridículas Guerras Infindáveis, muitas delas tribais, e trazer nossos soldados para casa. COMBATEREMOS ONDE ISSO FOR PRECISO PARA NOSSO BENEFÍCIO E SÓ COMBATEREMOS PARA VENCER. A Turquia, Europa, Síria, Irão, Iraque, Rússia e curdos terão agora de resolver a situação, e o que é que querem fazer com os combatentes do ISIS capturados na sua "vizinhança". Todos eles odeiam o ISIS, são inimigos há anos. Estamos a 7000 milhas [11265 km] de distância e esmagaremos o ISIS outra vez se chegarem perto de nós!"

Entretanto, a RT citou fontes curdas no sentido de que a retirada militar dos EUA de partes do leste da Síria já está em curso. Assim, nasce uma beleza terrível – Trump finalmente está a conseguir a retirada de tropas da Síria.

Este espantoso desenvolvimento obriga todos os protagonistas a correrem como uma galinha sem cabeça. A primeira reacção do Kremlin revela um sentimento de desconforto de que o caprichoso presidente turco possa agora se tornar uma dor de cabeça para a Rússia. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, recusou-se a ser arrastado a uma discussão sobre a inesperada decisão de Trump – "não cabe a nós decidir o que é este sinal". Ele repetiu suavemente a posição da Rússia de que "todas as tropas estrangeiras presentes ilegalmente na Síria devem abandonar o país".

A situação da Rússia é compreensível. Enquanto Erdogan estava em quezílias com os EUA, Moscovo poderia recuar e ter um prazer indirecto e aproveitar-se disso. Mas agora Trump jogou a toalha, sinalizando que está farto das birras de Erdogan.

Em princípio, a Rússia deveria saudar a retirada dos EUA. Mas se a Turquia se mover para o norte da Síria, isto abrirá uma caixa de Pandora – certamente Damasco se oporá; o Irão já advertiu a Turquia contra uma invasão e ofereceu-se como medianeiro com os curdos; a milícia curda resistirá às forças armadas turcas; Damasco pode aproveitar a oportunidade para lançar uma ofensiva a fim de retirar o controle de Idlib, no Noroeste da Síria, das mãos de grupos islâmicos radicais (os quais são apoiados pela Turquia).

A Rússia pode encontrar-se na posição pouco invejável de ser o broker em todas essas frentes. Sem dúvida, uma invasão turca da Síria neste momento complicará infinitamente os movimentos delicados de Moscovo no tabuleiro de xadrez diplomático na busca de um entendimento na Síria.

Ser árbitro e protagonista ao mesmo tempo é uma situação impossível, mesmo para a diplomacia russa. Obviamente, não se pode excluir que os militares turcos fiquem afundados num atoleiro no Norte da Síria.

Trump também enfrentará um bocado de críticas de vários lados. Os curdos têm um lobby na Beltway e haverá críticas de que Trump está a lançar os aliados curdos para debaixo de um autocarro e isso desgastará a credibilidade dos EUA como um aliado confiável no Médio Oriente.

Uma secção poderosa dentro do Pentágono e do sistema de inteligência dos EUA encara a Síria através do prisma da Guerra Fria e acredita que uma presença militar americana aberta na Síria é um imperativo estratégico, dadas as bases militares russas naquele país. Este ponto de vista terá ressonância entre a elite política, os think tanks e os media críticos de Trump.

Pelo contrário, Trump pode apostar na óptica de sua decisão – que está a finalizar o envolvimento dos EUA numa guerra no Médio Oriente que não diz respeito directamente aos interesses americanos. A opinião pública interna é a favor disso.

Em termos gerais, a retirada dos EUA da Síria tem implicações profundas para a região. Israel ficará ainda mais dependente da benevolência russa. A Rússia advertiu Israel contra desestabilizar a situação síria. Se os turcos forem recalcitrantes, o eixo russo-turco-iraniano na Síria deparar-se-á com uma morte súbita.

Peskov disse que Putin ainda não teve qualquer contacto com Erdogan. A decisão de Trump deixa Erdogan absolutamente livre para ordenar às tropas que invadam a Síria. Mas ele também estará a mover-se dentro do vácuo criado pela retirada dos EUA em territórios hostis. É improvável que a NATO fique ao lado da Turquia nesta aventura arriscada.


A zona segura proposta pela Turquia no Nordeste da Síria

De facto, a Turquia está em esplêndido isolamento. Ela não pode deixar de ser tomada pela angústia – sentindo-se como que presa num infinito pesadelo de Sísifo. A Turquia junta-se à Arábia Saudita como mais um anjo caído na Beltway.

No fundamental, estes desenvolvimentos significam que o recuo dos EUA no Médio Oriente está a acelerar-se. Trump deixou bem claro que não tem intenção de entrar em guerra com o Irão para proteger a Arábia Saudita. Agora, sua decisão sobre a Síria provocará inquietação na mente saudita de que ele possa adoptar uma abordagem semelhante à guerra no Iémen em algum momento muito em breve.

O grande quadro é que os estados regionais estão a ser pressionados a resolver suas diferenças e disputas através das suas próprias iniciativas. O que na verdade é uma coisa boa a acontecer. Há sinais de que os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita estão a procurar um modus vivendi com o Irão.

Certamente, durante sua visita à Arábia Saudita no fim de semana, Putin irá insistir no conceito russo de uma arquitectura de segurança colectiva na região do Golfo Pérsico. Em comentários recentes, Putin sugeriu que a Rússia e os EUA, juntamente com alguns outros países tais como a Índia, poderiam ser "observadores" num mecanismo de segurança colectiva inclusivo entre os Estados do Golfo Pérsico.

Melkulangara Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Deccan Herald e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante comunista do Kerala.

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