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EUA omnipresentes em todos os grandes projectos da UE

Como qualquer gangster, se não pagamos a bem, alguém nos faz pagar a mal. Von der Leyen está cá para o garantir.

por Hugo Dionísio (PT)

Strategic Culture Foundation - 10 de novembro, 2024

https://strategic-culture.su/news/2024/11/10/eua-omnipresentes-em-todos-os-grandes-projectos-da-ue/

E eis que, subitamente, a comunicação social mainstream parece ter acordado para a vida e, finalmente, constatou que a Comissão Europeia, chefiada por Ursula Von Der Leyen, quando se refere aos tais “valores” da sua Europa, está, afinal, a falar dos valores que atribui, benevolamente, ás famílias europeias bilionárias. Diz o The Guardian que a sua “investigação” revelou que 17 bilionários, listados pela Forbes, constam como beneficiários finais de projectos no valor de 3.3 mil milhões de euros.

Vá-se lá saber o porquê da demora em constatar uma realidade que se repete ininterruptamente há dezenas de anos. Uma realidade que se desenrola ao mesmo ritmo que aumentam os sem abrigos, a crise na habitação, saúde e educação, a guerra e a instabilidade social. Mas ainda mais inexplicável é o confinamento desta “investigação” ao sector agrícola e aos projectos ligados à política agrícola comum. Afinal, sendo mau, uma vez que os pequenos agricultores passam uma crise sem precedentes, mesmo assim, estamos a falar de dinheiro para produzir alimento. Ora, casos existem, muito mais danosos e óbvios, aos quaiss, como veremos, o The Guardian e a comunicação social mainstream, fazem vista grossa.

Na verdade, as grandes corporações detentoras da comunicação social mainstream, das redes sociais e dos recursos financeiros, financiando as campanhas eleitorais, que se vão sucedendo no âmbito de um processo democrático absolutamente falacioso, do qual as próximas eleições nos EUA são o último dos paradigmas, não apenas conseguem que os governos, sempre domesticados, lhes baixem os impostos, como ainda logram obter mais perdões, isenções fiscais, e ainda o acesso aos fundos públicos para investimento. Uma espécie de “socialismo dos ricos”, em que o estado socializa os custos e os riscos e privatiza os lucros.

O Banco Europeu de Investimento, no seu último “Investment Survey 2004”, demonstra como se passa uma parte importante desta transferência. Entre o 1.º trimestre de 2020 e o 1.º de 2024, o investimento corporativo apenas cresceu positivamente durante 1 trimestre (o 3.º trimestre de 2023); em todos os restantes, apenas houve crescimento positivo nos trimestres em que se deu um reforço do investimento realizado pelo estado e pelas famílias. Apesar das centenas de milhares de milhões de euros que a EU destina para projectos de empresas privadas, no 1.º trimestre de 2024, o investimento corporativo evoluiu negativamente. Ou seja, o dinheiro que “investimos” nestes seres privilegiados, não está a alavancar o investimento, mas, sim, a alavancar a acumulação.

E se olharmos para o lado da acumulação, encontraremos muitas das respostas, nomeadamente, a forma como um país estrangeiro suga muitos dos recursos por nós produzidos. A guerra da Ucrânia tem aqui um papel absolutamente fundamental, como catalisador do crescimento do investimento público e da transferência de rendimento para as grandes corporações e, através destas, para as famílias mais ricas. Daí que as elites oligárquicas ocidentais sintam um desespero brutal na necessidade de manutenção do conflito na Ucrânia. Mesmo os EUA, como veremos, ficam com a sua parte, apesar do investimento continuar a ser suportado quase exclusivamente pela EU.

Vejamos o que se passa, por exemplo, com o Fundo Europeu para a Defesa, que constitui uma fonte inestimável de dinheiro para as maiores corporações e multibilionários do ocidente. Vejamos o caso da alemã RHEINMETALL WAFFE MUNITION GMBH, a qual, durante a segunda guerra mundial, cresceu e engordou à custa da destruição da europa e do mundo, prepara-se, no século XXI, para repetir a dose. Mas, desta feita, reparte o bolo com os amigos do costume.

A RHEINMETALL WAFFE MUNITION GMBH é coordenadora e beneficiária de 6 grandes programas de “investimento” em capacidade militar instalada (pólvora, propelentes, munições 155 mm, camuflagem, transporte blindados, protecção de infraestruturas). Só no projecto para aumento de produção de cartuchos de 155mm, esta empresa garante 20.560.755,45€. Ou seja, nós, europeus, pagamos as máquinas e eles ficam com os lucros da venda das munições. No final, morrem mais russos, ucranianos e todos ficamos mais pobres, arriscando uma guerra mundial.

Um simples olhar para a estrutura de capital da Rheinmetall e faz-se luz: Blackrock, UBS, Fidelity ou Goldman Sachs, todos comem do bolo, garantindo as condições políticas e financeiras alinhadas para a alavancagem dos lucros e da concentração da riqueza. A conclusão só pode ser uma, é a de que eles estão por todo o lado e toda a economia conflui, como um grande sifão, para os bolsos de um punhado de privilegiados, pelos quais todos temos de sofrer.

Outro dos grandes comensais deste imenso banquete que são os fundos comunitários, para as empresas, é a também alemã OHB SYSTEM AG, que recebeu 90.000.000,00€ para a construção de um sistema de alerta para ataque por mísseis, a partir do espaço. Se por aqui percebemos porque razão foi lançado o alerta, nunca confirmado, de que a Rússia estaria a desenvolver sistemas de mísseis no espaço, a verdade é que a mensagem foi recebida por quem haveria de ser e, não muito tempo depois, a Comissão Europeia de Ursula Von Der Leyen estava a cumprir o que dela se esperava, aprovando o que fosse necessário ser aprovado.

Um olhar para a estrutura accionista da OHB, que é uma empresa multibilionária na área aeroespacial, e percebemos o porquê de tal facilidade na entrega do nosso dinheiro. Para um The Guardian que estava tão preocupado com os fundos para a agricultura, até custa a perceber como deixou esta passar em claro: 65,4% da OHB pertencem à família Fuchs, uma das famílias mais ricas da Alemanha e do mundo. Uma vez mais, como uma organização mafiosa, os amigos do costume ganham a sua parte, através de um fundo sedeado no Luxemburgo (Orchid Lux HoldCo S.a. r.l.), mas que se percebe ser uma fachada de interesses norte americanos, mas com morada de contacto em Nova Iorque.

Já para a Itália, a comissão de Von Der Leuyen financiou um projecto ligado a “sistemas de propulsão para domínio aéreo”, que atribui 56.202.596,26€ à GE AVIO SRL, uma empresa privada, conhecida como AVIO AERO, ligada ao sector aeroespacial, mas fazendo parte do grupo General Eletric Company, da sua divisão aeroespacial.

Mesmo a maioritariamente pública AIRBUS DEFENCE AND SPACE SAS, não escapa à regra. Sendo outra dos habitués dos fundos comunitários ligados à guerra e à investigação, desenvolve 134 projectos que falam por si, financiados em milhares de milhões de euros em investimentos. Da investigação, ao digital, passando pela defesa, energia atómica e espaço, os impostos dos trabalhadores europeus são os grandes alimentadores deste gigante corporativo. Uma consulta ao portal EU Funding & Tenders, é suficiente para desiludir muitos dos crentes na capacidade de inovação própria das grandes corporações ocidentais. Valha-nos que esta é pública e os seus lucros, são menos impostos que pagamos. Mas existe sempre um “mas”.

A AIRBUS, cuja parte pública ainda é considerável, tem, contudo, entre os investidores privados, nomes como: Vanguard, Goldman Sachs, Fidelity, UBS e uma diversidade de trusts detidos por empresas americanas e não só. Ou seja, a AIRBUS mantém-se pública permitindo a sucção de resultados pela oligarquia, principalmente estado-unidense.

Bem sei que se tratam de investimentos a realizar no espaço europeu, criando empregos e competências para os trabalhadores europeus. Contudo, não posso deixar de identificar um conjunto de circunstâncias padronizadas que tornam tudo isto imensamente suspeito.

Sem fazer uma busca exaustiva, em todos os grandes projectos que consultei, encontrei capitais norte-americanos de alguma forma envolvidos, colocando-se então a seguinte questão: porque razão os grandes investimentos públicos europeus envolvem, sempre, de alguma forma, directa ou indirectamente, capitais estado-unidenses?

Outra questão que surge, na decorrência desta, é a seguinte: em que medida os riscos identificados pelos EUA (risco de “invasão russa”; o risco de “ataque no espaço sideral pela Rússia”; o risco relacionado com as relações comerciais com a República Popular da China) influenciam: primeiro, a criação de necessidades de investimento público e a criação das estruturas empresariais de resposta; segundo, a susceptibilidade de aprovação desses projectos pela Comissão europeia.

Por fim, se a resposta para a presença de capitais norte-americanos por toda a indústria de defesa – e indústria estratégica – da União Europeia, é a de que o mercado é livre e, como tal, os capitais de Wallstreet têm direito de entrar nas estruturas de capital das corporações europeias, então, onde fica a independência e autonomia que Mario Draghi e Ursula Von Der Leyen advogaram para a europa.

É que não podemos deixar de pensar que será muito difícil à Europa Comunitária – e respectivos estados membros – conseguir almejar a tal independência e autonomia estratégicas, estando o seu complexo militar-industrial e complexo industrial estratégico, tão suportados ou influenciados por capitais estrangeiros.

Mais acresce que, numa pura lógica de “deRisking”, tão usada como pretexto para o desacoplamento em relação á economia chinesa, não veja a EU de Von Der Leyen qualquer risco nas características corporativas do complexo industrial europeu, principalmente o que tem a ver com aspectos estratégicos da defesa, vigilância e capacidade de resposta.

Para além do cheiro mafioso que tal influência traz consigo, indiciando a existência de uma lógica que aponta para o desenvolvimento de determinados empreendimentos, em espaço europeu, apenas porque os EUA comem uma parte, ou indiciando que a benevolência política dos financiamentos europeus está, em muito, ligada a essa dupla característica, presença de capitais americanos e projectos que respondam a riscos identificados pela casa branca, esta realidade demonstra, ainda, a falta de qualquer traço de seriedade pela actual estrutura de poder na EU.

Então, no meio de tanto risco, não vê a EU qualquer risco para as empresas europeias, na utilização, pelos EUA, de leis como o “Trade with the enemy act” (Lei do negócio com o inimigo)? Não bastaria o caso da ASML, fabricante de impressoras EUV e DUV de semicondutores, impedida de vender parte importante da sua produção para a China, apenas e só, por ordem dos EUA? Criando graves problemas à economia dos Países Baixos? Tudo porque estes têm relações de capital e propriedade industrial com a ASML, uma empresa que é o que é hoje, essencialmente à custa de fundos comunitários?

E é assim que se apanham as mentiras e as falácias. Então, neste caso, já não existe risco de dependência e submissão estratégica a interesses alheios? Neste caso, Ursula Von Der Leyen já considera que a dependência não faz mal? Será assim, ou será porque, as respostas que Ursula von Der Leyen vai criando no espaço europeu, visam, não responder a necessidades dos povos europeus, mas a necessidades dos EUA, num total, dependente, estratégico e criminoso alinhamento com as políticas da Casa Branca?

Hoje, Von Der Leyen não garante apenas a continuidade dos riscos que alimenta com o seu extremismo. Garante também que esses riscos constituem o pretexto ideal, para que se negue um futuro às próximas gerações europeias. Porque razão a imprensa mainstream não viu nada disto?

Vejam a sua estrutura de capital, e depois falamos. Como qualquer gangster, se não pagamos a bem, alguém nos faz pagar a mal. Von der Leyen está cá para o garantir.

Hugo Dionísio é advogado português, investigador e analista de geopolítica. É cofundador da Multipolar TV e desenvolve atividade como ativista dos direitos humanos e dos direitos sociais enquanto membro da Direção da Associação Portuguesa dos Advogados Democráticos.

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