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Zarif do Irã enlouquece Trump!

O ministro de Relações Exteriores do Irã fala magnífico inglês, sabe esgrimir tuítos e debate e zomba em inglês num à vontade impressionante

por MK Bhadrakumar | Asia Times

Tlaxcala - 4 de agosto, 2019

http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26716

Num momento em que o governo Trump conversa até com o secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia, Nikolai Patrushev, o qual, tecnicamente, está sob sanções dos EUA desde abril de 2018, é importante compreender adequadamente o significado mais profundo do gesto de Washington, que acaba de sancionar o ministro de Relações Exteriores do Irã Mohammad Javad Zarif.

Como o secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo tenta explicar o movimento de despachar Zarif pros quintos da perdição? Em declaração na 4ª-feira, Pompeo atribuiu a Zarif os seguintes pecados: a) Zarif “agiu sob ordens do Supremo Líder”; b) Zarif recebeu orientação do Supremo Líder e seu gabinete”; c) Zarif foi “instrumento chave para a implantação de políticas do Aiatolá Khamenei na região e em todo o mundo”; d) e Zarif tem sido “alto funcionário e apologista do regime” do governo iraniano e é “há anos cúmplice dessas atividades malignas.”

Basicamente, os grunhidos de Pompeo resumem-se ao seguinte: Zarif é funcionário público iraniano disciplinado e leal, que respeita o sistema iraniano de governo fundamentado no conceito de velayat-e faqih, ou “governo regido por jurista islâmico”.

E quando teria isso virado pecado?! Qualquer ministro de Relações Exteriores faz o que o mandem fazer – também Pompeo. Pompeo não tem nenhuma garantia de que esteja fazendo o seu serviço ao gosto do próprio líder supremo, o presidente Donald Trump. E Trump, verdade seja dita, não perdoa deslealdades. Perguntem a James Mattis ou Rex Tillerson.

Onde está o problema?

O establishment dos EUA sabe muito bem como opera o conceito de velayat-e faqih, como se forma a alquimia do poder político no Irã, e como opera o processo de tomada de decisões. Até Trump sabe!

Por isso Trump tentou chegar ao Supremo Líder Ali Khamenei, e foi devidamente despachado. Assim sendo, onde está o problema?

Dito em poucas palavras: o problema é Zarif em pessoa, ele mesmo. O governo Trump está tentando desesperadamente pôr fim aos contatos de Zarif com a elite norte-americana. Zarif viveu e trabalhou durante vários anos nos EUA, desde os 17 anos – como aluno de ginásio, de universidade e diplomata de carreira, e chegou a representante do Irã nos EUA de 2002 a 2007.

Também manteve contato muito próximo com a academia e os círculos intelectuais nos EUA, como professor e editor de periódicos acadêmicos em Teerã e é autor de incontáveis ensaios sobre desarmamento, direitos humanos e Direito Internacional, e conflitos regionais.

Na verdade, o que enlouquece o governo Trump é que Zarif é ator importante de uma vastíssima rede de trabalho com intelectuais norte-americanos, políticos, think-tankistas e gente de mídia – grupo diversificado que reúne Joe Biden, John Kerry, Nancy Pelosi, Chuck Hagel, Nicholas Kristof, Thomas Pickering, James Dobbins e Christiane Amanpour.

Zarif assumiu com seriedade máxima o serviço que lhe coube. Fala magnífico inglês, sabe esgrimir tuítos e debate e zomba em inglês num à vontade impressionante. É ministro que supera em muito toda a equipe norte-americana da política externa e de segurança.

Contatos nos EUA

As visitas de Zarif a New York – ostensivamente para participar de eventos na ONU – cada vez mais se tornaram um pesadelo para o governo Trump, porque é quando Zarif aciona sua rede e faz circular amplamente a narrativa iraniana. Trump não esquece que Zarif teve reuniões com Kerry, o ex-secretário de Estado que negociou o acordo nuclear iraniano de 2015.

Aí está o busílis. Ao impor sanções a Zarif, os EUA passam a poder negar-lhe visto de entrada no país e tornar ilegal – passível de processo legal – qualquer contato dele com cidadãos norte-americanos.

De fato, Trump cuidou de garantir que Zarif não vá a New York de agora até as eleições de novembro de 2020, de modo a impedir que os adversários e críticos da candidatura Trump não ouçam de viva voz a narrativa iraniana.

A evidência de que o Irã está vencendo a guerra de informação enfurece Trump. E muito o preocupa que, de agora até novembro de 2020, a campanha de reeleição seja apanhada em alguma armadilha. Para qualquer observador de longo prazo do impasse EUA-Irã, é óbvio que aconteceu mudança de dimensões oceânicas nos discursos norte-americanos sobre o Irã.

Há um corpo de opinião influente e sempre crescente nos EUA hoje que discorda da estratégia de Trump, de “pressão máxima”. Esse eleitorado argumenta racionalmente que Trump não deveria ter derrubado o acordo nuclear de 2015.

Assim também há hoje compreensão muito mais clara quanto ao Irã e às políticas iranianas, na opinião norte-americana bem informada, que busca melhor equilíbrio para lidar com o nacionalismo persa por trás do verniz do islamismo.

A parte surpreendente é que esse despertar de lucidez aconteceu apesar dos esforços hercúleos do lobby israelense para demonizar o Irã e inflar todas e quaisquer visões contrárias na mídia, nos think-tanks e universidades – e no Capitólio.

Trump não dá bom exemplo

O ardil de Trump funcionará? Pouco provável. O ponto é que é impossível conter Zarif. Ele continuará a forçar, ridicularizar, humilhar e destroçar as políticas de Trump para o Irã. Ainda pior que isso, Zarif já enfiou uma faca no coração da “Equipe B” que comanda as políticas dos EUA para o Irã.

As sanções de Trump contra Zarif não serão bom exemplo para qualquer outro país que tenha relações diplomáticas com o Irã. Porque fato é que Trump terá de lidar com Zarif, goste ou não goste dele.

A melhor via para conter Zarif seria escolher a dedo um secretário de Estado que tivesse recursos intelectuais e dinâmica pessoal. Perfeita mediocridade como Pompeo não tem qualquer chance no confronto com Zarif e perderá todas.

Em 2001, Zarif foi o principal representante na Conferência de Bonn, que reuniu atores regionais logo depois de os EUA terem invadido o Afeganistão e derrubado o governo dos Talibã. Seu contraparte norte-americano naquele evento, James Dobbins – que depois seria nomeado enviado especial de Obama ao Afeganistão – escreveu ensaio memorável, intitulado “Negotiating with Iran: Reflections from Personal Experience” [Negociar com o Irã: Reflexões de Experiência Pessoal], que publicou no Washington Quarterly sobre a erudição, a inteligência e o charme de Zarif – e sobre seu pragmatismo, que ajudou os dois bem apetrechados diplomatas a rascunhar “durante o café da manhã com bolos”, um acordo que levou à substituição do governo da Aliança do Norte em Cabul, por uma acomodação temporária, apoiada pelos EUA, sob comando de Hamid Karzai.

O ex-presidente afegão Burhanuddin Rabbani observou amargurado naquele momento que tinha esperanças de que aquela tivesse sido a última vez em que uma potência estrangeira dava ordens aos afegãos.

Agora, Washington sancionou o homem que teve papel crucialmente decisivo naquela transição em Cabul, que levou à instalação de um regime cliente dos EUA no Hindu Kush. Quanta gratidão!

Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga

Melkulangara Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Deccan Herald e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante comunista do Kerala.

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