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O big business volta a atacar: a luta de classes a partir de cima

Por James Petras | The Unz Review

Resistir.info - 9 de Novembro, 2018

https://www.resistir.info/petras/petras_24out18_p.html


Obra de Leopoldo Méndez

Banqueiros, elites da indústria agrícola, grandes empresários comerciais, patrões da indústria, do imobiliário e dos seguros e seus consultores financeiros, membros de elite da “classe dominante”, desencadearam um ataque em grande escala aos salários e ordenados privados e públicos dos trabalhadores e dos empresários médios (os membros das “classes populares”). O ataque visa o rendimento, as pensões, os planos de saúde, as condições do trabalho, a segurança de emprego, as rendas, as hipotecas, os custos da educação, os impostos, corroendo a família e a coesão familiar.

Os grandes negócios têm enfraquecido ou abolido organizações políticas e sociais que questionam a distribuição do rendimento e dos lucros e influenciam as taxas do rendimento laboral. Em resumo, as classes dirigentes intensificaram a exploração e a opressão, numa “luta de classe” travada a partir de cima.

Vamos identificar os meios, os métodos e as condições sociopolíticas que têm feito avançar a luta de classes travada a partir de cima e, em contrapartida, têm invertido e enfraquecido a luta de classe travada a partir de baixo.

Contexto histórico

A luta de classe é o principal determinante dos avanços e recuos dos interesses da classe capitalista. Na sequência da II Guerra Mundial, as classes populares conseguiram avanços continuados nos rendimentos, no nível de vida e na representação a nível do local de trabalho. Mas na última década do século XX, o equilíbrio do poder entre a classe dirigente e as classes populares começou a mudar, à medida que o novo paradigma de desenvolvimento “neoliberal” se tornou predominante.

Primeiro, e sobretudo, o estado deixou de negociar e de conciliar as relações entre dirigentes e a classe trabalhadora: o estado concentrou-se em desregular a economia, em reduzir os impostos das empresas, e em eliminar o papel da mão-de-obra na política e na divisão de lucros e receitas.

A concentração do poder do estado e do rendimento não foi contestada e não foi uniforme em todas as regiões e em todos os países. Além disso, as tendências contra-cíclicas, refletindo as mudanças no equilíbrio da luta de classes impediram um processo linear. Na Europa, as classes dirigentes dos países nórdicos e ocidentais avançaram com a privatização das empresas públicas, reduziram os custos e os benefícios da segurança social e pilharam os recursos ultramarinos, mas não conseguiram eliminar o sistema de segurança social financiado pelo Estado. Na América Latina, o avanço e o recuo do poder, do rendimento e da segurança social das classes populares variaram, em correlação com os resultados da luta da classe e do estado.

Nos Estados Unidos, a classe dominante conquistou o total controlo do estado, dos postos de trabalho e da distribuição dos gastos sociais.

Em resumo, no final do século XX, a classe dominante avançou, assumindo-se como papel dominante na luta de classe.

Apesar disso, a luta de classe a partir de baixo manteve a sua presença e, nalguns locais, nomeadamente na América Latina, as classes populares conseguiram assegurar uma quota-parte do poder do Estado – pelo menos temporariamente.

Poder popular: Contestação da luta de classe a partir de cima

A América Latina é um excelente exemplo da trajetória desigual da luta de classes.

Entre o fim da II Guerra Mundial e o final dos anos 40, as classes populares conseguiram assegurar direitos democráticos, reformas populistas e organização social. A Guatemala, a Argentina, o Uruguai, o Brasil, o México e a Venezuela estiveram entre os principais exemplos. No início dos anos 50, com o início da “guerra fria” imperialista dos EUA, em colaboração com as classes dominantes regionais, foi lançada uma violenta guerra de classe a partir de cima, que assumiu a forma de golpes militares na Guatemala, no Peru, na Argentina, na Venezuela e no Brasil. A luta de classe populista foi derrotada pelos dirigentes militares e empresários, apoiados pelos EUA os quais, temporariamente, impuseram economias de exportação agro-mineral para os EUA.

Os anos 50 foram a “época dourada” para o avanço das multinacionais norte-americanas e para alianças militares regionais concebidas pelo Pentágono. Mas a luta de classe dos de baixo ascendeu outra vez e manifestou-se no crescimento de uma crescente coligação industrializante nacional populista. Por sua vez, o êxito do regime socialista cubano e seus apoiantes nos movimentos sociais revolucionários, no resto da América Latina, perdurou até os anos 60.

A revolta revolucionária da classe popular do início dos anos 60 foi abafada pela tomada de poder da classe dominante apoiada por golpes militares promovidos pelos EUA, entre 1964 e 1976, que derrubaram os regimes e as instituições das classes populares no Brasil (1964), na Bolívia (1970), no Chile (1973), na Argentina (1976), no Peru (1973) e noutros locais.

As crises económicas do início dos anos 80 reduziram o papel dos militares e levaram a uma “transição negociada” em que a classe dominante avançou com um programa neoliberal em troca da participação eleitoral, sob a tutela dos militares e dos EUA.

Na falta de um domínio militar direto, a luta da classe dominante conseguiu atenuar a luta das classes populares, cooptando as elites políticas do centro esquerda. A classe dominante não conseguiu instituir uma hegemonia nas classes populares, mesmo quando avançou com o seu programa neoliberal.

Com a chegada do século XXI, iniciou-se um novo ciclo na luta de classes a partir de baixo. Cruzaram-se três acontecimentos: as crises mundiais de 2000 desencadearam colapsos financeiros regionais que, por sua vez, levaram ao colapso de indústrias e a um desemprego maciço, que intensificou a ação direta das massas e a rejeição dos regimes neoliberais. Durante toda a primeira década do século XXI, o neoliberalismo bateu em retirada. A luta das classes populares e o recrudescimento dos movimentos sociais desalojou os regimes neoliberais mas foi incapaz de substituir as classes dominantes. Em vez disso, o poder foi assumido por regimes eleitorais híbridos de centro-esquerda.

A nova configuração de poder incorporou movimentos sociais populares, partidos de centro-esquerda e elites empresariais neoliberais. Durante a década seguinte, a aliança entre classes avançou, em grande parte graças ao boom das exportações de commodities que financiou programas de segurança social, aumentou o emprego, implementou programas de redução de pobreza e aumentou os investimentos em infraestruturas. Regimes pós-neoliberais cooptaram os líderes das classes populares, substituíram elites políticas da classe dominante, mas não desalojaram as posições estruturais estratégicas da classe empresarial dominante.

O recrudescimento da luta da classe popular foi contido e isolado pela elite política centro-esquerda, enquanto a classe dominante aguardava, fazendo negócios para assegurar lucrativos contratos com o estado, através de subornos aos dirigentes de centro-esquerda, aliados à elite política conservadora.

O fim da explosão de bens de consumo, forçou o centro-esquerda a restringir os seus programas de segurança social e de infraestruturas e fraturou a aliança entre grandes empresários e as elites políticas centro-esquerda. A subsequente recessão económica facilitou o regresso da elite política neoliberal ao poder.

A classe dirigente dos grandes empresários aprendeu a lição da sua experiência anterior com regimes neoliberais fracos e conciliadores. Procuraram líderes políticos autoritários e, se possível, demagogos inflamados que pudessem desmantelar as organizações populares e esvaziar programas de segurança social populares e as instituições democráticas, que anteriormente haviam bloqueado a consolidação da Nova Ordem neoliberal.

A Nova Ordem neoliberal

A “Nova Ordem” neoliberal difere substancialmente do passado em vários aspetos significativos.

Os primeiros programas neoliberais da Nova Ordem baseavam-se em líderes fortemente repressivos – não dependiam apenas da “disciplina de mercado” e dos programas promovidos pelo estado. Os regimes políticos autoritários instituíram um enquadramento para a finança, protegem e promovem a consolidação de mudanças sistémicas neoliberais.

Em segundo lugar, a ascendência política da Nova Ordem dependeia de uma coligação de elites da classe dominante, de grupos conservadores de classe média alta e de grupos profissionais e de classes médias baixas, com medo de insegurança pessoal e económica e do colapso da antiga ordem social.

Em terceiro lugar, a Nova Ordem era liderada por um grupo demagógico que apelava à intervenção política direta, composto por militares e funcionários da polícia, na reforma ou em atividade, apoiados por milícias armadas de latifundiários, marginais combatentes de rua (gangsters privados) dispostos a intimidar trabalhadores de esquerda, camponeses sem terra e sindicalistas desempregados.

Em quarto lugar, as elites da Nova Ordem mobilizavam a base de massas de fundamentalistas religiosos, visando “grupos marginais” (“gays”, pessoas de cor, feministas, imigrantes, etc) que eram descritos como inimigos da família, da nação e da religião.

Em quinto lugar, a Nova Ordem desviava o descontentamento para a corrupção de esquerda, a imoralidade e a incapacidade de combater o crime nas ruas.

A Nova Ordem assenta nas elites neoliberais que se perpetuam, destruindo as instituições políticas, sociais e económicas e as regras da anterior ordem eleitoral (a “democracia”).

Numa palavra, a luta de classes liderada pelos grandes negócios não estava interessada em “reformas” do mercado livre, mas pretende tudo – poder, lucros e privilégios – sem obrigações, sem regulamentações, sem compromissos.

O futuro da “Nova Ordem” neoliberal

A Nova Ordem autoritária conquistou poderosos patronos em dirigentes como os presidente Trump dos EUA e Jair Bolsonaro do Brasil. Eles têm aliados neoliberais na Argentina, na América Central, na Europa, na Ásia e no Médio Oriente. Adotaram uma poderosa mensagem de intimidação político-militar dos aliados tradicionais, de guerra económica contra competidores dinâmicos e uma visão glorificada de grandiosidade nacional para a massa dos seus seguidores.

Inicialmente, as elites de negócios prosperam, as ações sobem, os impostos baixam e os subsídios estatais alimentam a euforia e a esperança das massas de que “a sua vez está a chegar”. Os lucros e a polícia defendem “a lei e a ordem”, relacionam a elite de negócios com a classe média abastada.

As classes populares combativas estão desmoralizadas e desorientadas por líderes fracassados e pelo recuo dos movimentos sociais e dos sindicatos em relação à luta de classe.

Em contraste, a aliança internacional dos neoliberais autoritários dos grandes negócios tem uma visão de poder nacional, regional e global.

No entanto, o seu avanço está condicionado à dinâmica do crescimento económico e à ultrapassagem das crises económicas cíclicas; à subversão da luta de classe dos de baixo; à procura de adversários substitutos, à medida que os anteriores perdem credibilidade perante apelos mistificadores.

A corrupção de agitadores da classe média em ascensão desiludirá os seus seguidores voluntários. A repressão arbitrária policial e militar estende-se habitualmente à extorsão e intimidação para além das favelas da droga e atingindo as vizinhanças das classes médias e trabalhadoras.

A Nova Ordem autoritária habitualmente começa a declinar através do “apodrecimento interno” – a especulação desenfreada e o abuso laboral flagrante.

A retórica direitista vira-se contra si mesma quando os seus seguidores se envolvem em distinções odiosas. A classe dominante tenta esconder as suas tropas de choque autoritárias e substitui-las por tecnocratas, partidários do mercado livre, e maleáveis políticos burgueses. A esquerda e o centro-esquerda procuram atrair uma nova geração de seguidores nos protestos de rua e procuram formar alianças com políticos oportunistas facilmente disponíveis. Vai-se formando um novo ciclo político – mas surgirá uma nova luta de classe popular?

Tradução de Margarida Ferreira

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James Petras é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque. É autor de 64 livros publicados em 29 línguas, e mais de 560 artigos em jornais da especialidade, incluindo o American Sociological Review, British Journal of Sociology, Social Research, Journal of Contemporary Asia, e o Journal of Peasant Studies. Já publicou mais de 2000 artigos. O seu último livro é War Crimes in Gaza and the Zionist Fifth Column in America.

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