"Em meu trabalho com os réus (nos Julgamentos de Nuremberg dos nazistas após a Segunda Guerra Mundial) eu estava buscando a natureza do mal e agora acho que cheguei perto de defini-lo. A falta de empatia. É a única característica que conecta todos os réus, uma incapacidade genuína de se colocar no lugar do outro. O mal, eu penso, é a ausência de empatia."
Capitão G. M. Gilbert, psicólogo do Exército dos EUA, autor de Nuremberg Diary
Em setembro de 1995, eu trabalhava para a Comissão Especial das Nações Unidas (UNSCOM), encarregada de eliminar as armas de destruição em massa do Iraque. Eu era o principal elo entre a UNSCOM e a inteligência israelense na época e fazia viagens frequentes a Israel, que podiam durar entre alguns dias e algumas semanas. Durante uma dessas visitas, convidei minha esposa Marina para se juntar a mim no fim de semana. Marina é uma devota cristã ortodoxa georgiana e ficou encantada com a oportunidade de ver a Terra Santa pessoalmente. Caminhamos pela "Via Dolorosa" (o "caminho da dor") em Jerusalém, traçando a jornada de Jesus até sua crucificação. Mergulhamos os nossos pés no Rio Jordão, no local onde se dizia que João havia batizado Jesus. Fizemos um tour pelo Mar da Galileia, visitando os diversos locais do ministério de Jesus conforme registrado na Bíblia.
Todas essas experiências ressoaram profundamente conosco.Mas foi a visita de minha esposa ao Yad Vashem, o Centro Mundial de Lembrança do Holocausto, localizado no Monte Herzl, em Jerusalém Ocidental, que causou a impressão mais profunda. Foi lá que Marina se deparou com fotografias de algumas das crianças vítimas do Holocausto. Marina havia dado à luz nossas filhas gêmeas em fevereiro de 1993, e na época de sua visita a Yad Vashem, nossas meninas tinham 2 anos e meio—mesma idade de algumas das crianças nas fotografias expostas no centro. Marina viu nossas filhas nos olhos dessas crianças e imediatamente desabou em lágrimas.Ela foi tomada pela empatia.
No verão de 1997, eu me vi em Bagdá à frente de uma equipe de inspeção cujo propósito era confrontar o governo iraquiano com suas informações inconsistentes e muitas vezes contraditórias sobre a disposição de materiais relacionados a armas de destruição em massa no verão de 1991. Munido de relatórios de desertores e imagens de satélite, eu havia sido capaz de encontrar depósitos de equipamentos de produção de mísseis não contabilizados e desfazer a fraude de altos funcionários iraquianos que havia servido como base para sua narrativa por mais de seis anos consecutivos. Minha equipe de inspeção não era muito popular entre o círculo íntimo do presidente iraquiano Saddam Hussein. Como forma de pressionar a mim e à minha equipe, o governo iraquiano transmitia trechos de vídeo de nossa inspeção, acusando-nos de trabalhar para a CIA e nos culpando pelo sofrimento contínuo do povo iraquiano devido às sanções ocidentais. Isso resultou em várias ameaças de morte e pelo menos uma tentativa de assassinato contra mim e minha equipe por civis iraquianos indignados que levaram as acusações do governo iraquiano a sério.
Em vez de recuar ou se esconder, minha equipe e eu adotamos a abordagem oposta—tornamos nossa presença no Iraque o mais visível possível, como parte da minha abordagem “Alpha Dog” para inspecionar, que nos fazia literalmente “marcar os muros” do Iraque para deixar nossa marca e garantir que os iraquianos soubessem quem estava no comando quando se tratava da implementação de nosso mandato.
À noite, quando as inspeções terminavam, e enquanto as “notícias” de nossos esforços eram transmitidas na televisão iraquiana, minha equipe e eu dirigíamos até o centro da cidade em nossos onipresentes SUVs Nissan Patrol brancos, com as letras “ONU” pintadas nas laterais e nossas marcações táticas exibidas nos tetos e capôs com fita adesiva cinza (essas eram as designações da equipe para cada veículo—A-1 para “Alpha One”, etc. Meu veículo estava marcado com um “W” para “Whiskey”). Estacionávamos ao lado da estrada, perto do restaurante que havíamos escolhido para jantar naquela noite, e entrávamos com toda a arrogância de John Wayne e seus cowboys (na verdade, o chefe da Missão Humanitária da ONU no Iraque havia recentemente nos chamado de “cowboys” em uma entrevista que deu para o Le Monde. Decidimos que o título, que era para ser um insulto, nos caía muito bem).Uma noite, enquanto estávamos em um restaurante popular de frango assado, a televisão começou a exibir uma “notícia especial” que me atacava diretamente. Os inspetores e eu observamos a multidão enquanto eles assistiam à tela de TV, onde nossas fotos eram exibidas junto com uma narrativa contínua de nossos muitos “crimes”. O clima no restaurante escureceu consideravelmente, e alguém sugeriu que saíssemos enquanto ainda podíamos.“Não,” eu contra-argumentei. “Pagamos por esta refeição, e vamos aproveitá-la. Que se danem essas pessoas.”Eu não estava disposto a mostrar fraqueza. Havíamos acabado de passar o dia estacionados do lado de fora da sede da inteligência iraquiana, com nossa entrada bloqueada por guardas armados. Em determinado momento, fomos conduzidos para dentro do posto de guarda enquanto a polícia desarmava um homem que passava com um AK-47 carregado, com a intenção de atirar em mim e nos inspetores.Mal esses palavras saíram da minha boca, vi uma mulher se levantar de sua mesa à nossa frente. Ela estava vestida com um vestido preto, com um xale preto cobrindo sua cabeça. Alguém à mesa dela tentou puxá-la de volta para o seu assento, mas ela os repreendeu, e eles soltaram seu braço. Ela se virou e caminhou em direção à minha mesa, seus olhos fixos nos meus.“Chefe,” disse um dos inspetores, um soldado britânico calejado. “Ela está vindo.”“Eu a enfrento,” respondi. Observei-a atentamente enquanto ela se aproximava, meu olhar variando entre seus olhos e suas mãos, tentando discernir sua intenção. Eu ainda não havia chegado a uma conclusão quando ela parou, ficando em pé sobre mim enquanto eu estava sentado ali, limpando a gordura de frango do rosto com um guardanapo.
“Você é Scott Ritter?,” ela perguntou, a voz tremendo de emoção.“Sim, senhora,” eu disse, levantando-me.“E estes são seus homens? Seus inspetores?”“Sim, senhora,” respondi.“Eu vejo você na televisão todos os dias. Dizem que é você a quem devo culpar pela morte dos meus filhos.”“Sim, senhora,” eu gaguejei, sem saber o que mais dizer.“Querem que eu te odeie.”“Sim, senhora.”Ela me olhou fixamente, com lágrimas se formando nos olhos. Suas mãos estavam envoltas em seu xale, e de repente uma delas se esticou. Se fosse uma faca, ela teria me esfaqueado. Mas era apenas sua mão, que ela colocou em meu braço.“Você está fazendo o seu trabalho,” ela disse. “Eu sei disso. Sei que no seu coração você não quer me fazer mal. Sei que no seu coração você não queria que meu filho morresse.”Lágrimas começaram a escorrer por sua face.“Eu sei que você é filho de alguém. Que todos vocês,” disse, gesticulando para os homens durões sentados ao redor da mesa, “têm mães que os amam, assim como eu amei meu filho.”Ela olhou para mim. “Eu vou rezar pela sua segurança, para que você termine seu trabalho, e que as sanções sejam levantadas, para que outras mães não percam seus filhos para a doença.”Ela apertou meu braço e se virou, indo de volta para sua mesa, onde se sentou e afundou a cabeça nos braços da senhora ao seu lado, soluçando.Olhei para a minha refeição inacabada, já sem fome.“Vamos,” disse eu, a raiva e a arrogância que definiam o tom de minha voz anteriormente desaparecendo.Saímos, cada um de nós enfiando a mão no bolso para deixar a maior gorjeta possível, como se estivéssemos tentando expiar nossos pecados comprando perdão.A multidão no restaurante nos deixou sair sem incidentes.Enquanto eu estava sentado na Nissan Patrol, voltando para o prédio da nossa sede onde eu terminaria o relatório diário de inspeção, ainda podia sentir o aperto da senhora em meu braço, onde ela me apertou.Tentei entender por que ela fez o que fez.Ela tinha todo o direito de nos odiar. Sei que, se eu me encontrasse cara a cara com o homem responsável pela morte de meus filhos, o encontro não seria descrito como pacífico.Mas ela escolheu a paz.Ela fez isso de maneira bem pública, me destacando para todo o restaurante ver.Eu me pergunto o que teria acontecido se ela não tivesse se levantado.Se ela não tivesse me confrontado.O que a multidão teria feito? Eu já havia sido pego em várias situações públicas, incluindo um restaurante, quando o clima da multidão se azedava. As coisas ficavam muito feias, muito rápido.Mas a intervenção dela evitou isso.Ela interveio para nos proteger.Porque ela era uma mãe.E ela sabia que nós também tínhamos mães.Ela foi tomada pela empatia.
Este ano, tive a oportunidade de visitar a região do Donbass, na Rússia, incluindo a cidade de Lugansk. Antigo território da Ucrânia, essas áreas se viram imersas na turbulência que tomou a Ucrânia após a ascensão ao poder em Kiev de nacionalistas ucranianos anti-russos, após a revolta Maidan orquestrada pelos EUA em fevereiro de 2014. A população de língua russa do Donbass se rebelou contra os novos nacionalistas ucranianos, que tentaram impor uma espécie de genocídio cultural ao proibir a língua russa, a religião, a cultura e a história. A revolta que se seguiu durou quase oito anos, culminando na intervenção militar russa na Ucrânia e na subsequente anexação de quatro antigas regiões ucranianas, ou oblasts, incluindo as duas — Donetsk e Lugansk — que juntas formam o Donbass.
Enquanto estava em Lugansk, fui levado a um memorial dedicado às crianças de Lugansk que pereceram nos combates que vêm acontecendo desde 2014. Quando o monumento foi instalado, em 2017, havia 33 anjos representados, um para cada criança de Lugansk que havia morrido nos combates. Desde então, mais 35 crianças de Lugansk pereceram, elevando o número total de mortos para 68.
O que mais me impressionou ao visitar o memorial foi como a vida de cada criança ressoava com os cidadãos de Lugansk, como se todos na cidade reivindicassem as crianças perdidas como se fossem suas próprias. Já tinha testemunhado esse fenômeno antes. Em 2000, visitei o Iraque com o propósito de filmar um documentário sobre a UNSCOM e o desarmamento do Iraque. Enquanto estava lá, visitei o local da Escola Primária Martyr’s Place, onde, na manhã de 13 de outubro de 1987, um ataque com mísseis SCUD iranianos matou 22 crianças e feriu mais de 160 outras enquanto se reuniam no pátio da escola para começar o dia. Na entrada do pátio havia um memorial representando 22 anjos de bronze subindo ao céu.
Na época da minha visita a Bagdá, cerca de 13 anos após o ataque, os moradores do bairro ao redor da escola ainda estavam emocionados com a perda de vidas entre as crianças. "Eles seriam jovens adultos hoje", disse um homem idoso. "Estariam começando as suas vidas."
É a perda das crianças que atinge uma comunidade com mais força. Seja em Lugansk, Bagdá, ou Ma’alot, uma cidade em Israel onde, em maio de 1974, militantes palestinos ocuparam a escola primária Netiv Meir, onde mantiveram cerca de 115 pessoas como reféns, 105 das quais eram crianças. O exército israelense invadiu o edifício, matando os três militantes palestinos e 31 reféns, 22 dos quais eram crianças. Os israelenses ainda falavam de Ma’alot quando eu visitei em 1995, cerca de 21 anos depois.
Algumas coisas não podem ser esquecidas.
E mesmo que eu não tenha sido testemunha de nenhum desses eventos, como pai de filhas gêmeas, senti a dor daqueles que perderam seus pequenos como se as vidas perdidas fossem meu próprio sangue e carne.
Porque eu tinha empatia.
Se a falta de empatia é a característica principal do mal, então a capacidade de empatizar deve ser a marca registrada do bem.
Nesta época de Natal, o mundo se encontra imerso em conflitos, com tragédias se desenrolando diante de nossos olhos diariamente.
Não seríamos humanos se começássemos a nos tornar imunes ao horror, nossos sentidos sobrecarregados pelas cenas repetitivas de morte e destruição com as quais somos constantemente confrontados. Estando fisicamente separados da violência, temos a opção de ignorar as imagens e sons desagradáveis do sofrimento humano.
Afinal, quantas vezes podemos ver o corpo dilacerado e sem vida de uma criança retirado dos escombros de Gaza e Beirute?
Ou dos destroços de casas na Ucrânia e na Rússia?
O excesso de tragédias sem sentido leva ao entorpecimento da nossa alma, ao endurecimento do nosso coração, à diminuição da nossa humanidade.
Mas devemos resistir, por nenhum outro motivo senão para garantir que aquelas jovens vidas perdidas não tenham perecido em vão.
Devemos aprender e lembrar os nomes daqueles que pereceram, não para servir como combustível para a fornalha do ódio que leva alguém a buscar vingança, mas porque temos o dever, como seres humanos, de nos colocar no lugar daqueles que perderam seus entes queridos na guerra, de sentir sua dor, de entender sua perda, para que saibamos da importância de tentar pôr fim à violência que tirou essas vidas.
A guerra nunca é a solução.
A paz sempre é a resposta.
Frequentemente penso sobre meu encontro com a mãe iraquiana no restaurante em Bagdá. Foi um momento feio na minha vida, quando fui tomado por um senso de dever que obscureceu a minha própria humanidade. Estava tão focado na tarefa em mãos — desarmar o Iraque — que esqueci que havia um custo humano associado ao meu trabalho e ao dos meus inspetores.
Já contei a história desse encontro algumas vezes, mas sempre omiti uma parte da história, porque a memória dela ainda rasga meu coração até hoje.
Após a senhora apertar meu braço e começar a se virar, estendi a mão e coloquei-a sobre seu ombro. Ela se virou e me olhou.
"Qual era o nome de sua filha?" perguntei.
Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela sorriu levemente antes de responder. "Zaynab", disse ela.
"Zaynab", repeti. "É um nome bonito."
"Ela era uma criança linda", respondeu a mãe.
Não conto essa parte da história porque ela tira a força da persona de durão, Alpha Dog, que eu havia desenvolvido naquele momento.
Porque quando ela virou e se afastou, ela me deixou de pé, sozinho, chorando.
Mas devemos enfrentar essas coisas.
Zaynab estaria em seus 20 e poucos anos hoje, idade suficiente para ter encontrado o amor, se casado e começado a sua própria família.
Mas isso não aconteceu.
Devemos lembrar de Zaynab, assim como devemos lembrar de cada criança cuja vida foi tirada deste mundo muito cedo.
Devemos nos solidarizar com aqueles que perderam seus entes queridos devido às guerras insensatas travadas pelos homens.
Devemos garantir que as crianças que estão vivas hoje tenham a chance de crescer e criar as suas próprias famílias.
Caso contrário, nos tornamos as ferramentas do mal, se não o mal em si.
Feliz Natal.
Scott Ritter é Ex-inspetor de armas da ONU, ex-oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, autor e analista.
https://www.brasil247.com/blog/em-busca-de-empatia