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Enquanto os EUA incrementam a força militar, o Irão manifesta liderança com diplomacia regional

Os EUA esforçam-se por incendiar ainda mais o Médio Oriente, apontando agora ao Irão. E esta nação milenar responde de forma responsável, com iniciativas diplomáticas junto dos países vizinhos, todos eles directamente afectados tanto pelos efeitos das sanções económicas como por uma ameaça militar que viria ainda aumentar o caos, a insegurança e a instabilidade na região

por Finian Cunningham | RT

ODiario.info - 5 de junho, 2019

https://www.odiario.info/enquanto-os-eua-incrementam-a-forca/

Quando for escrita a história do actual impasse EUA-Irão no Golfo Pérsico, os futuros estudiosos poderão registar como foi Teerão quem salvou o dia de uma guerra em grande escala graças à forma diplomaticamente responsável como se dirigiu aos vizinhos regionais.

Este fim de semana deparou-se com as habituais irresponsáveis vacilações americanas a resultarem em ainda maior potência militar a ser implantada no Médio Oriente, onde as tropas dos EUA já somam cerca de 70.000. O presidente Donald Trump enviou mais esquadrões de aviões de combate, navios de guerra e mísseis, que ele diz serem para “proteção” contra as supostas ameaças iranianas. Despachou também 7.000 milhões de dólares em vendas de armas para a Arábia Saudita invocando “uma emergência”. Teerão condenou a mais recente escalada de forças dos EUA como “altamente perigosa”.

Ao mesmo tempo, e em contraste, os diplomatas iranianos empreenderam um circuito regional apelando a que todos os países cooperassem para manter a segurança mútua. O ministro das Relações Exteriores do Irão, Mohammad Javad Zarif, quando visitava o Iraque, instou todos os países do Golfo Pérsico a formarem um pacto de não-agressão. Anteriormente, Zarif levou também a sua mensagem ao Paquistão. Ao mesmo tempo, o vice-ministro das Relações Exteriores do Irão, Abbas Araghchi, está esta semana a visitar o Kuwait, Omã e o Catar propondo o mesmo entendimento.

As aberturas diplomáticas do Irão podem constituir um marco na evolução deste processo. Será que nações que anteriormente viram distorcidas as relações bilaterais com o Irão pelas tensões religiosas sunitas-xiitas poderão deixar de lado as divisões sectárias e trabalhar juntas para preservar a paz na região? Se puderem estar à altura da ocasião, a solidariedade resultante seria um duro golpe para o domínio de Washington no Médio Oriente, onde os norte-americanos têm tentado isolar o Irão dos seus vizinhos com repetidas e geralmente infundadas alegações de “agressão” pelo Irão e “interpostos xiitas”. Essencialmente, tácticas de dividir para reinar.

Um sinal da potencial nova cooperação regional surgiu durante a visita de Zarif ao Iraque no fim de semana. O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul Mahdi, referiu especificamente que o Iraque estava com o Irão perante a intimidação militar norte-americana. Bagdad alertou na semana passada para que não permitirá que as forças dos EUA usem o seu território para qualquer ataque ao Irão.

A liderança iraquiana enfatizou também que as sanções de Washington contra o Irão prejudicaram a economia do Iraque. Foi ainda apontado que o desenvolvimento económico entre os dois países vizinhos é inevitável e não pode ser detido pela pressão dos EUA sobre Bagdad para isolar Teerão.

O Iraque partilha laços estreitos com o Irão através da adesão popular ao islamismo xiita. Mas os laços culturais e políticos são muito maiores do que a religião. Já em 2014 o Irão ajudou o Iraque a conter uma ameaça à sua segurança nacional por parte de grupos terroristas ligados à Al Qaeda. O Irão conseguiu-o através do apoio a vários grupos de milícias xiitas. Essas milícias populares tornaram-se uma parte indispensável da relativamente restaurada situação de segurança do Iraque. Outros países da região tomaram nota de como o Irão salvou o Iraque do caos - caos que a invasão norte-americana e uma década de ocupação do país desde 2003 desencadearam em grande parte.

O Irão partilha milénios de laços históricos com outros países vizinhos. A divisão teológica entre sunitas e xiitas remonta aos primeiros dias do Islão no século VII. Mas foi só recentemente que a divisão se tornou um tóxico cisma sectário, muitas vezes com violência interna. Para muitos muçulmanos, a dicotomia sectária é lamentável e deve ser deplorada, considerando todos os membros do Islão como irmãos e irmãs, independentemente da identidade formal sunita ou xiita. Observadores do Médio Oriente apontam que o sectarismo tóxico aumentou após a revolução iraniana em 1979, quando as forças dos EUA foram expulsas do Irão, juntamente com o ditador fantoche de Washington, o Xá. Foram Washington e o seu regime clientelar sunita na Arábia Saudita que, como forma de reverter a revolução iraniana, fomentaram as tensões e antipatias em relação ao islamismo xiita. A versão wahhabita do Islão mantida pelos governantes sauditas é distinta de outros ramos sunitas, na medida em que difama os xiitas como “infiéis” que deveriam ser mortos. É em parte por isso que a guerra de propaganda norte-americana contra o Irão encontrou um instrumento tão útil nos autocratas sauditas.

No entanto, apesar da constante propaganda conduzida pelos EUA para demonizar o Irão como um “patrocinador do terror”, as relações regionais não foram envenenadas de forma irreparável. O Irão tem mantido, por exemplo, boas relações com o Kuwait, Omã e Catar. Os laços de negócios e familiares iranianos estão há muito inseridos nas sociedades do Golfo Pérsico, com a notável excepção da Arábia Saudita, cujos governantes fundamentalistas e suas crenças de culto Wahhabi encaram o Irão como um inimigo.

O bloqueio contra o Qatar por parte das nações do Golfo lideradas pela Arábia Saudita, que foi lançado em 2017 - e está em curso, embora diluindo-se na ineficácia - deveu-se às alegações dos monarcas sauditas de que Doha “estava muito perto do Irão”. A administração Trump apoiou inteiramente a hostilidade conduzida pela Arábia Saudita em relação ao Qatar, na base da sua mentalidade instintiva de confrontar o Irão. No entanto, a Casa Branca tem desde então defendido discretamente que as nações do Golfo normalizem relações, percebendo que o impacto económico do bloqueio liderado pelos sauditas no Catar causou muita perturbação e é contraproducente. Esse é um caso clássico de como a obsessão norte-americana e saudita com o Irão apenas serviu para dificultar as economias e relações regionais, o que não é do interesse real da região.

A região do Médio Oriente, com a sua ancestral sabedoria histórica, deve perceber que séculos de herança islâmica comum transcendem as décadas recentes de conflito sectário baseado numa divisão entre sunitas e xiitas que foi agudizada por egoístas razões geopolíticas. Os países da região devem certamente perceber agora que o impostor desestabilizador não é o Irão - que conferiu milénios de influência benigna - mas é antes Washington. A devastação e o trauma que Washington infligiu no Médio Oriente estão aí para todos verem. Das suas ilegais guerras e invasões, ao incendiar de tensões sectárias e ao patrocínio de cultos terroristas para actuarem como garras para mudanças de regime. Sem mencionar a desprezível supressão dos direitos nacionais palestinianos pelo apoio um regime de ocupação ilegal israelita, com décadas de apoio militar maciço e domínio político dúplice. A Síria - uma nação de multi-religiões e culturas - foi quase destruída pelos EUA e seus sectários regimes coniventes e clientelares. Foi o Irão, juntamente com a Rússia, quem interveio para salvar a Síria da desgraça iminente. O Irão realizou uma missão semelhante no Iraque.

É por isso que os actuais apelos do Irão à cooperação regional e solidariedade entre todas as nações - independentemente de rótulos sunitas ou xiitas - pode ser a iniciativa salvadora no perigoso impasse com os EUA. Se suficientes países se juntarem ao eixo antiguerra Iraque-Irão surgido esta semana, então as ambições norte-americanas de incitar ao conflito podem ser decisivamente bloqueadas. O Iraque e o Irão - dois países que entraram em guerra na década de 1980 em grande parte estimulados por intrigas norte-americanas para derrotar a revolução iraniana - estão agora a demonstrar uma potencial nova realidade de solidariedade no Médio Oriente.

Além disso, uma recém-descoberta solidariedade regional baseada não em filiação religiosa partidária, mas sim em interesses compartilhados de vizinhança poderia constituir um positivo afastamento da perniciosa interferência dos EUA que há muito prejudica o Médio Oriente.

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Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.

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