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As explosões que abalaram a Arábia Saudita

As maiores instalações de petróleo do mundo estão em chamas e os EUA têm as mãos amarradas. Como os rebeldes do Iêmen, massacrados há anos, vingaram-se e sacudiram o xadrez político de uma das regiões mais explosivas do planeta

por Pepe Escobar | The Vineyard of the Saker

Outras Palavras - 19 de setembro, 2019

https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/as-explosoes-que-abalaram-a-arabia-saudita/


Operários contêm explosão em campos de petróleo no Kuwait, após a guerra de 1991. Agora, os EUA gostariam de agir contra o Irã – mas perderam tanto as condições morais quanto o poder bélico. Imagem: Sebastião Salgado

Somos os Houthis e estamos entrando em cena. Com o ataque espetacular às duas maiores refinarias de petróleo sauditas, em Abqaiq, os houthis do Iêmen sacudiram o xadrez político no Sudeste da Ásia e foram tão longe que introduziram uma dimensão totalmente nova: a possibilidade de tirar do poder a Casa de Saud, [dinastia monárquica saudita].

Contra-ataque é uma merda. Os houthis – xiitas zaidistas do norte do Iêmen e os wahhabistas sauditas estão há muito na garganta uns dos outros. O livro Tribes and Politics in Yemen, de Marieke Brandt, é essencial para compreender a complexidade estonteante das tribos Houthis. Além disso, ele situa o conflito no sul da Península Árabe além de uma mera guerra por procuração entre o Irã e a Arábia Saudita.

Ainda assim, é sempre importante considerar que os xiitas árabes da Província Oriental [da Arábia Saudita], que trabalham nas instalações de petróleo deste país são aliados naturais dos houthis em combate contra Riad.

A surpreendente capacidade houthi – de enxames de drones a ataques com mísseis balísticos – ampliou-se de modo notável no último ano. Não foi por acidente que a União de Emirados Árabes percebeu para que lado sopravam os ventos geopolíticos e geoeconômicos: Abu Dhab retirou-se da guerra absurda do príncipe saudita Mohammad bin Salman contra o Iêmen e está engajada agora no que descreve como uma estratégia de paz.

Mesmo antes de Abqaiq, ou houthis já haviam tramado alguns ataques contra instalações petrolíferas sauditas, além de ataques aos aeroportos de Dubai e Abu Dhabi. No início de julho, o Centro de Comando de Operações do Iêmen exibiu fartamente, em Sana’a [a capital do país] seu amplo acervo de drones e mísseis, balísticos e alados.

A situação chegou a um ponto em que há, no Golfo Pérsico, conversa constante sobre um cenário espetacular: os houthis investindo numa louca corrida através do deserto para capturar Meca e medina, em conjunção com uma revolta maciça dos xiitas no cinturão de óleo do Oriente. Não é mais algo impossível. Coisas estranhas aconteceram no Oriente Médio. Basta lembrar que os sauditas não são capazes sequer de vencer uma rixa de bar – e por isso, dependem tanto de mercenários.

O Orientalismo ataca outra vez

O refrão das agências norte-americanas, segundo o qual os houthis são incapazes de tais ataques sofisticados trai os piores traços de orientalismo e do complexo e carga de superioridade do homem branco. As únicas partes de mísseis exibidas pelos sauditas até agora vêm de um míssil de cruzeiro yemeni Quds1. Segundo o general-brigadeiro Yahya Saree, porta-voz das Forças Armadas Yemenis, sediadas em Sana’a, “o sistema Quds provou sua grande capacidade de atingir seus alvos e despistar os sistemas de interceptação inimigos”.


Esta imagem de visão geral de satélite do governo dos EUA mostra danos à infraestrutura de petróleo / gás dos ataques de drones no fim de semana em Abqaiq.

As forças armadas houthis assumiram a responsabilidade por Abqaiq: “Esta operação é uma das maiores executadas por nossas forças no interior da Arábia Saudita e seguiu-se a uma operação acurada de inteligência, monitoramento avançado e cooperação de homens livres e honrados no interior do reino [saudita]”.

Repare no conceito chave: “cooperação” no interior da Arábia Saudita – que poderia incluir todo o espectro de iemenitas na Província Oriental xiita.

Ainda mais relevante é o fato de que montanhas de equipamento norte-americano instaladas no interior e exterior da Arábia Saudita – satélites, o sistema de vigilância AWACS, mísseis Patriot, drones, navios de guerra, jatos – não viram nada, ou pelo menos não o fizeram a tempo. O avistamento, por um caçador de pássaros no Kuwait, de três drones supostamente dirigidos à Arábia Saudita é apresentado como “prova”. Sinal da imagem embaraçosa de que um enxame de drones – de onde quer que tenha vindo – voando sem obstáculos, por horas, sobre o território saudita…

Funcionários norte-americanos admitem abertamente que agora tudo o que importa está ao alcance dos 1500 km de alcance do novo drone UAV-X dos houthis: campos de petróleo da Arábia Saudita, um usina nuclear ainda em construção nos Emirados e o mega-aeroporto de Dubai.

Minhas conversações com fontes em Teerã, nos dois últimos anos, deixaram-se seguro de que os novos drones e mísseis houthis são, em essência, cópias de designs iranianos, montados no próprio Iêmen com apoio crucial de engenheiros do Hezbollah.

As agências norte-americanas insistem que 17 drones e mísseis de cruzeiro foram lançados de modo combinado, a partir do sul do Irã. Mas radares Patriot teriam captado suas trajetórias e os derrubado. Até agora, nenhum registro de sua trajetória foi revelado. Especialistas em temas militares em geral concordam que o radar dos mísseis Patriot é bom, mas sua taxa de êxito é controversa, para dizer o mínimo. O importante, mais uma vez, é que os houthis foram capazes de construir mísseis ofensivos. E sua acurácia em Abqaiq é excepcional.

No momento, parece que o vencedor da guerra da Arábia Saudita, apoiada pelos EUA e Reino Unido, contra a população civil iemenita – este conflito que começou em março de 2015 e gerou uma crise humanitária considerada pela ONU como de bíblicas proporções – não é o príncipe coroado, conhecido pelas iniciais MBS.

Ouçam o general

As torres de estabilização de petróleo cru em Abqaiq – muitas delas – foram alvos específicos, junto com tanques de armazenamento de gás natural. Fontes do Golfo Pérsico contam que a reparação e ou reconstrução pode levar meses. Até Riyad admitiu o mesmo.

Culpar cegamente o Irã, sem provas, não ajuda. Teerã conta com grandes grupos de pensamento estratégico. Eles não precisam nem querem explodir o Sudeste Asiático, algo que poderiam fazer. Os generais da Guarda Revolucionária do Irã disseram muitas vezes, de forma aberta, que estão prontos para a guerra.

O professor Mohammad Marandi, da Universidade de Teerã, que tem relações muito próximas com o ministério das Relações Exteriores, é claríssimo: “[O ataque] Não partiu do Irã. Se tivesse partido, seria muito embaraçoso para os norte-americanos, porque mostraria que são incapazes de detectar um grande número de drones e mísseis iranianos. Não faz sentido.”

Marandi acrescenta: “As defesas aéreas sauditas não estão equipadas para defender o país do Iêmen, mas do Irã. Os iemenitas estão se tornando cada vez melhores. Desenvolvem tecnologia de drones e mísseis há quatro anos e meio. Foi um alvo muito fácil.

Um alvo fácil e desprotegido. Os sistemas US PAC-2 e PAC-3, instalados na Arábia Saudita, estão todos orientados para o leste, na direção do Irã. Nem Washington, nem Riyad sabe com segurança de onde vieram os mísseis ou enxames de drones.

Os leitores deveriam prestar muita atenção à entrevista arrasadora com o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da Força Aérea dos Guradas Revolucionários Islâmicos, do Irã. Feita em farsi (com legendas em inglês), ela foi concedida ao intelectual iraniano Nader Talebzadeh, que está sob sanções norte-americanas. Inclui questões sugeridas por mim e pelos analistas norte-americanos Phil Giraldi e Michal Maloof, em quem confio.

Ao explicar a autossuficiência do Irã em defesa, Hijazadeh parece um ator muito racional. A linha básica: “Nossa interpretação é que nem os políticos norte-americanos, nem nossos governantes querem uma guerra. Se um incidente como o ocorrido com o drone [refere-se, aqui ao RQ-4N, derrubado pelo Irã em junho] ocorrer, ou se sobrevier um mal entendido, e se isso conduzir a uma guerra em larga escala, é outro assunto. Nesse caso, estaremos sempre preparados.”

Ao responder a uma de minhas perguntas, sobre que mensagem os Gurdas Revolucionários querem deixar, especialmente aos Estados Unidos, Hajizadeh não economiza palavras: “Além das bases norte-americanas em várias regiões, como o Afeganistão, o Iraque, o Kuwait, os Emirados e o Qatar, são nossos alvos todos os navios, até uma distância de 2 mil km. Nós os monitoramos constantemente. Eles pensam que se se afastarem 400 km, estarão fora de nosso alcance. Onde quer que estejam, basta uma fagulha. Nós atingimos seus navios, suas bases aéreas, suas tropas.

Compres seu S-400 ou mais

No front energético Teerã tem jogado com muito precisão, mesmo pressionada. Vende carregamentos de petróleo, desligando os transponders de seus petroleiros quando eles deixam seus portos e transferindo o petróleo em mar, de petroleiro para petroleiro, à noite, pagando um pouco para recarimbar a carga como se tivesse origem outros produtores. Confirmei isso há semanas com os traders do Golfo Pérsico em quem confio – e todos o confirmam. O Irã pode continuar nesta toada para sempre.

O governo Trump, é claro, sabe. Mas o fato é que olha de lado. Para dizer em poucas palavras: foi pego numa armadilha por sua loucura total, ao se retirar do acordo nuclear internacional com o Irã. Busca uma saída para salvar a face. A chanceler alemã Angela Merkel advertiu-o com todas as palavras: Washington precisa voltar ao acordo que renegou, antes que seja tarde demais.

E aqui chegamos ao ponto de arrepiar os cabelos.

O ataque a Abqaiq mostra que toda a produção de petróleo do Oriente Médio, de mais de 18 milhões de barris por dia – incluindo o Kuwait, o Qatar, os Emirados Árabes e a Arábia Saudita – pode ser facilmente atingida. A defesa adequada contra drones e mísseis é zero. Aqui entra a Rússia.

Eis o que ocorreu na entrevista coletiva após o encontro de cúpula de Ancara sobre a Síria, que reuniu esta semana os presidentes Putin, da Rússia, Rouhani, do Irã e Erdogan, da Turquia.

Pergunta: A Rússia abastecerá a Arábia Saudita com qualquer apoio para restaurar sua infraestrutura?

Putin: Sobre este tema, está escrito também no Corão que todo tipo de violência é ilegítimo, exceto para proteger o próprio povo. Se for para proteger a Arábia Saudita e seu povo, estamos prontos a oferecer a assistência necessária. Os líderes políticos da Arábia Saudita precisam tomar uma decisão sábia, como tomaram o Irã ao comprar o sistema de defesa contra mísseis [russo] S-300, e o presidente Recep Tayyip Erdogan, quando comprou o último sistema S-400. Eles ofereceriam proteção confiável para todos os equipamentos de infraestrutura sauditas.

Hassan Rouhani: Então, eles precisam comprar o S-300 ou o S-400?

Putin: Cabe a eles decidir (risos).

Em The Transformation of War, Martin van Creveld previu que todo o complexo industrial, militar e de segurança desabaria, quando ficasse claro que a maior parte de suas armas é inútil contra oponentes assimétricos de quarta geração. Não há dúvidas de que todo o Sul Global está observando – e de que captou a mensagem.

Guerra híbrida, reloaded

E agora entramos em uma dimensão inteiramente nova da guerra híbrida assimétrica.

Na hipótese horrível de que Washington decidisse atacar o Irã, animada pelos suspeitos neocons de sempre, o Pentágono jamais poderia esperar atingir todos os drones do Irã e ou do Iêmen. Os EUA poderiam esperar, certamente, uma guerra até o fim. E nesse caso nenhum navio cruzaria o Estreito de Ormuz. Todos sabemos as consequências.

O que nos remete à Grande Surpresa. A verdadeira razão por que não haveria navios atravessando o Estreito de Ormuz é que não haveria petróleo para bombear no Golfo Pérsico. Os campos petrolíferos, tendo sido bombardeados, estariam em chamas.

E então voltamos à linha básica real, traçada não apenas por Moscou e Pequim mas também por Paris e Berlim. Donald Trump apostou por muito tempo – e perdeu. É preciso encontrar uma saída que lhe salve a face. Se o Partido da Guerra permitir.

Tradução: Antonio Martins

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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