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O que está por trás da guerra de Israel contra a UNRWA?

por Ramzy Baroud (pt-BR)

MEMO - 23 de julho, 2024

https://www.monitordooriente.com/20240723-o-que-esta-por-tras-da-guerra-de-israel-contra-a-unrwa/

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Funcionários da UNRWA e palestinos inspecionam uma escola danificada depois que caças israelenses atingiram a escola da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), matando e ferindo muitas pessoas no Campo de Refugiados de Nuseirat, em Deir al-Balah, Gaza, em 15 de julho de 2024 [Ashraf Amra/Anadolu Agency]

Atacar uma escola durante uma guerra poderia ser justificado como um erro, ou pelo menos argumentado como tal. Mas atacar mais de 120 escolas e matar e ferir milhares de civis que estavam abrigados nelas só pode ser intencional, sendo cada ataque um crime de guerra horrível por si só.

Entre 7 de outubro do ano passado e 18 de julho, Israel fez exatamente isso, atacando com total impunidade a infraestrutura da ONU na Faixa de Gaza sitiada, incluindo escolas e centros médicos. De acordo com as estimativas da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), pelo menos 561 palestinos deslocados internamente e abrigados em prédios da UNRWA foram mortos e 1.768 ficaram feridos desde o início da guerra de Israel. Em apenas dez dias, entre 8 e 18 de julho, pelo menos seis escolas da UNRWA que serviam como abrigos improvisados para palestinos deslocados foram atacadas pelo exército israelense, resultando na morte e no ferimento de centenas de pessoas.

Historicamente, as organizações ligadas à ONU têm sido mais ou menos imunes ao impacto das guerras. O privilégio de serem pessoas neutras e alheias a qualquer conflito permitiu que as pessoas afiliadas a essas organizações cumprissem suas obrigações sem grandes obstáculos. A guerra israelense contra os palestinos em Gaza, no entanto, é a principal exceção entre todos os conflitos modernos. De acordo com fontes da ONU, 274 trabalhadores humanitários e mais de 500 profissionais de saúde ligados à organização internacional foram mortos pelas forças de ocupação israelenses.

Esses números são consistentes com todas as outras estatísticas produzidas pelo genocídio israelense em curso em Gaza. De fato, nenhuma categoria de pessoas foi poupada: nem médicos, nem trabalhadores da defesa civil, prefeitos ou mesmo policiais de trânsito, muito menos crianças, mulheres e idosos.

Ficou óbvio, desde o início da guerra, que Israel queria criminalizar todos os palestinos.

Não apenas aqueles afiliados ao Hamas ou a outros grupos, mas também a população civil e qualquer organização internacional que viesse em seu auxílio. Culpar e desumanizar toda a Faixa de Gaza foi e continua sendo parte da estratégia de Israel, que permite que seu exército opere sem nenhuma restrição e sem o mínimo de limite moral ou respeito à lei internacional.

No entanto, os ataques israelenses a todas as instituições da ONU, em particular à UNRWA, a agência responsável pelo bem-estar dos refugiados palestinos de Gaza, têm um propósito diferente da mera “punição coletiva”. Israel não tenta mascarar ou justificar seus ataques à agência, como fez durante as guerras anteriores em Gaza. Dessa vez, a guerra israelense foi acompanhada, desde o início, pela acusação bizarra de que os funcionários da UNRWA haviam participado da incursão transfronteiriça do Hamas e de outros grupos palestinos em 7 de outubro.

Sem fornecer nenhuma prova, Tel Aviv lançou uma campanha internacional de difamação contra a agência da ONU que, há décadas, fornece serviços educacionais, médicos e humanitários essenciais a milhões de refugiados palestinos, não apenas na Palestina ocupada, mas também em campos de refugiados na Síria, Jordânia e Líbano. Infelizmente, e de forma reveladora, alguns governos ocidentais, e até mesmo não ocidentais, atenderam ao apelo israelense para punir a UNRWA, retendo fundos extremamente necessários, cuja urgência não se deveu apenas ao impacto direto da guerra israelense, mas também à fome aguda resultante da guerra. A UNRWA depende quase que inteiramente dessas doações voluntárias dos países membros da ONU.

É verdade que alguns governos acabaram retomando o financiamento da agência, mas essa ação só foi tomada quando muitos danos já haviam sido causados. Além disso, a maioria dos governos ocidentais, se não todos, não tomou nenhuma medida contra Israel por seu ataque contínuo às instalações da UNRWA e, portanto, pela morte de centenas de palestinos inocentes no processo.

Essa atitude descompromissada encorajou Israel a ponto de, apenas nesta semana, o Knesset (parlamento) israelense aprovar a primeira leitura de um projeto de lei para designar a UNRWA como uma “organização terrorista”. Em 18 de julho, o porta-voz israelense David Mencer acusou o Comissário Geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, de ser um “simpatizante do terrorismo”.

O ódio de Israel pela UNRWA, no entanto, vem de muito antes da guerra atual.

Durante anos, sucessivos governos israelenses, principalmente com a ajuda do governo de Donald Trump nos EUA, tentaram fechar completamente a agência.

Jared Kushner, ex-conselheiro de Trump para o Oriente Médio, disse em janeiro de 2018 que era “importante ter um esforço honesto e sincero para acabar com a UNRWA”. Para ele, o desmantelamento da agência significava a erradicação do legítimo Direito de Retorno dos refugiados palestinos.

Na verdade, a questão não é apenas a UNRWA, mas o papel histórico que a agência desempenhou como um lembrete da situação de milhões de refugiados palestinos na Palestina ocupada, no Oriente Médio e em todo o mundo.

A UNRWA foi criada por meio da Resolução 302 (IV) da Assembleia Geral de 8 de dezembro de 1949. A fundação da UNRWA ocorreu um ano após a aprovação da Resolução 194 da ONU, que concedeu aos refugiados palestinos o direito de “voltar para suas casas”. Embora a missão da UNRWA tenha se transformado em um mandato permanente de fato (embora tenha de ser renovado periodicamente), já que os refugiados palestinos não receberam o direito de retornar, o papel da agência continua sendo tão importante quanto era décadas atrás.

Como Kushner e outros não conseguiram fechar a UNRWA, o governo israelense aproveitou a guerra em Gaza para tentar fazer isso. De acordo com a “lógica” israelense, sem uma agência da ONU especificamente para refugiados palestinos, não deve haver mais refugiados palestinos, de modo que a questão do retorno deles perderia sua principal plataforma legal e acabaria desaparecendo. Isso daria a Israel o espaço e a vantagem para “resolver” o problema dos refugiados da maneira que achar melhor, especialmente se tiver o apoio total de Washington.

Não se deve permitir que Israel desmantele a UNRWA nem que ignore a luta geracional dos refugiados palestinos, que é o cerne da luta palestina por justiça e liberdade. A comunidade internacional deve desafiar a difamação da UNRWA por parte de Israel e insistir na centralidade do Direito de Retorno dos refugiados palestinos. Sem ele, nenhuma paz real será possíve

Ramzy Baroud, nascido num campo de refugiados em Gaza e vivendo em Seattle (EUA), é jornalista, autor e editor de The Palestine Chronicle. Ele é o autor de The Second Palestinian Intifada: A Chronicle of a People’s Struggle e My Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold Story (Pluto Press, London). Seu livro mais recente é The Last Earth: A Palestinian Story [A última terra: uma história palestina] (Pluto Press, London) e está concluindo o próximo livro, These Chains Will Be Broken: Palestinian Stories of Struggle and Defiance in Israeli Prisons’ [Esses grilhões serão quebrados: histórias palestinas de luta e desafio em prisões israelenses] (Clarity Press, Atlanta). Baroud é Ph.D. em Estudos Palestinos, da University of Exeter.

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