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Império do caos vai com tudo na guerra híbrida

A política externa do governo Trump pode ser facilmente desconstruída como uma fusão entre a Família Soprano e as comédias de fim de noite

por Pepe Escobar | Consortium News

Carta Maior - 5 de abril, 2019

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Poder-e-ContraPoder/Imperio-do-caos-vai-com-tudo-na-guerra-hibrida/55/43788

 
30 de março de 2019, "Information Clearing House" - Esta é a Era da Angústia? A Era da Estupidez? A Era da Guerra Híbrida? Ou todas as alternativas anteriores estão corretas?

Com o populismo de direita aprendendo a usar algoritmos, inteligência artificial e convergência de mídia, o Império do Caos, em paralelo, está dando início a guerras completamente híbridas e semióticas.

A guerra global contra o terror (GWOT) de Dick Cheney está de volta, transformada em um vira-lata híbrido.

Mas a GWOT não seria a GWOT sem um espantalho no Oeste Selvagem. Aí entra Hamza bin Laden, filho de Osama. No mesmo dia em que o Departamento de Estado anunciou uma recompensa de 1 milhão de dólares por sua cabeça, o chamado “Comitê de Sanções ao Estado Islâmico e Al-Qaeda do Conselho de Segurança da ONU” declarou que Hamza é o próximo líder da al-Qaeda.

Desde janeiro de 2017, Hamza tem sido um Terrorista Global Especialmente Designado pelo Departamento de Estado — no mesmo nível de seu pai morto, lá pelo começo dos anos 2000. A comunidade de inteligência de Washington “acredita” que Hamza reside “na região afegã-paquistanesa”.

Lembrem-se de que essas são as mesmas pessoas que “acreditavam” que o ex-líder do Talibã Mullah Omar residia em Quetta, Baluchistão, quando na verdade ele estava acomodado em segurança somente a alguns quilômetros de distância de uma enorme base militar dos EUA em Zabol, Afeganistão.

Levando-se em consideração que a Jabhat al-Nusra, ou a al-Qaeda da Síria, para todos os efeitos práticos, foi definida como nada mais que “rebeldes moderados” pela comunidade de inteligência de Washington, é seguro inferir que o novo espantalho Hamza também é “moderado”.  E mesmo assim ele é mais perigoso que o desaparecido falso Califa Abu Baqr al-Baghdadi. Isso sim é um exemplo de mestre de comunicação tipo guerrilha.

Mostre-me o panorama geral

Pode-se defender fortemente a ideia de que o Império do Caos atualmente não tem aliados; está essencialmente envolto por uma série de vassalos, marionetes e elites traidoras intermediárias professando diversos graus de — algumas vezes relutante — obediência.

A política externa do governo Trump pode ser facilmente desconstruída como uma junção entre a Família Soprano e comédias de fim de noite — como em todo o episódio de realizar uma mudança de regime por parte do Departamento de Estado/CIA com o experimento de laboratório “Cara Qualquer” como presidente da Venezuela. O lendário crítico cultural Walter Benjamin teria chamado isso de “estetização da política” (transformar a política em arte), como ele disse sobre os nazistas, mas desta vez é a versão “desenho animado”.

Para aprofundar a confusão conceitual, apesar de incontáveis artimanhas do tipo “uma oferta que não se pode recusar” realizadas por malucos como John Bolton e Mike Pompeo, há a seguinte pequena informação alarmante. O ex-diplomata iraniano Amir Moussavi revelou que o próprio Trump demandou uma visita a Teerã, e foi diligentemente rejeitado. “Dois países europeus, dois árabes e um do sudeste asiático” estavam mediando uma série de mensagens veiculadas por Trump e seu genro Jared “da Arábia” Kushner, de acordo com Moussavi.

Há um método para esta loucura? Uma tentativa de uma narrativa geral seria algo como o seguinte: o ISIS/Daesh pode ter sido deixado de lado — por enquanto; eles não são mais úteis, e portanto os EUA devem lutar contra o “mal” maior: Teerã. A GWOT foi reavivada, e apesar de Hamza bin Laden ter sido designado o novo Califa, a GWOT foi deslocada para o Irã.

Quando misturamos isso com o recente confronto entre Índia e Paquistão, uma mensagem mais ampla emerge. Não há absolutamente nenhum interesse por parte do primeiro-ministro Imran Kahn, do exército paquistanês e da inteligência paquistanesa, ISI, de lançar um ataque à Índia na Caxemira. O Paquistão estava prestes a ficar sem dinheiro e ser impulsionado pelos EUA, através da Arábia Saudita com 20 bilhões de dólares e um empréstimo do FMI.

Ao mesmo tempo, houve dois ataques terroristas quase simultâneos lançados do Paquistão — contra o Irã e contra a Índia no meio de fevereiro. Ainda não há provas concretas, mas estes ataques podem ter sido manipulados por uma agência de inteligência estrangeira. O enigma de "cui bono" é qual país lucraria imensamente por uma guerra entre o Paquistão e o Irã e/ou entre o Paquistão e a Índia.
O ponto central é: escondendo-se nas sombras da negação plausível — de acordo com a premissa de que o que entendemos como realidade é nada mais que a percepção pura — o Império do Caos recorrerá ao caos da guerra híbrida tipo luta-livre para evitar “perder” o cerne da Eurásia.

Mostre-me quantos planos híbridos você tem

O que se aplica ao cerne, é claro, também se aplica à periferia.

O caso da Venezuela mostra que o cenário de “todas as opções estão disponíveis” foi de fato abortado pela Rússia, resumido em um impressionante briefing por Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, e então subsequentemente detalhado pelo ministro russo de Relações Exteriores Sergey Lavrov.

Encontrando-se com o ministro chinês de Relações Exteriores Wang Yi e o ministro indiano de Relações Exteriores Sushma Swaraj em um encontro crucial do RIC (parte do BRICS) na China, Lavrov disse: “A Rússia mantém uma atenção especial em tentativas descaradas dos EUA de criar um pretexto artificial para uma intervenção militar na Venezuela… A real implementação destas ameaças se efetua na preparação de equipamentos militares e no treinamento de Forças Especiais [dos EUA].”

Lavrov explicou como Washington estava empolgado em comprar morteiros e sistemas portáteis de defesa aérea “em um país do leste europeu, e levando-os mais próximos da Venezuela por uma linha aérea de um regime que é…quase completamente obediente a Washington no espaço pós-soviético.”

A tentativa dos EUA de mudar o regime da Venezuela até o momento tem sido mal-sucedida em muitos aspectos. O plano A — uma clássica revolução colorida — fracassou miseravelmente, em parte por causa de uma falta de inteligência local decente. O plano B foi uma versão leve de imperialismo humanitário, com uma ressurreição da abominável responsabilidade de proteger (R2P) testada na Líbia; ele também fracassou, especialmente quando a fábula estadunidense de que o governo venezuelano tinha queimado caminhões de ajuda humanitária nas fronteiras com a Colômbia foi comprovada como sendo mentirosa, exposta ainda mais pelo The New York Times.

O Plano C foi uma clássica técnica de Guerra Híbrida: um ataque cibernético, repleto de reaparição do Nitro Zeus, que desligou 80% da eletricidade da Venezuela.

Esse plano já tinha sido exposto pela WikiLeaks, através de um memorando de 2010 referente a uma fraude de revolução colorida baseada em Belgrado que ajudou a treinar o autoproclamado “presidente” Cara Qualquer, quando ele era simplesmente conhecido como Juan Guaidó. O memorando vazado dizia que atacar a matriz energética venezuelana seria um “evento divisor de águas” que “provavelmente teria o impacto de galvanizar o descontentamento público de uma forma que nenhum grupo de oposição poderia sonhar em alcançar.”

Mas mesmo isso não foi suficiente.

Isso nos leva ao Plano D — que essencialmente é tentar matar de fome a população venezuelana através de sanções adicionais violentamente letais. A Síria e o Irã quando sancionados não colapsaram. Mesmo impulsionando uma miríade de elites de intermediação agregadas no grupo Lima, os defensores do excepcionalismo devem ter que enfrentar o fato de que implementar a doutrina Monroe essencialmente para conter a influência da China no jovem século XXI não é nenhum “mamão com açúcar”.

O plano E — extremo — seria uma ação militar dos EUA, que Bolton não tirará do leque de opções.

Mostre-me o caminho para o próximo jogo de guerra

Portanto, onde toda essa miríade de armamentização da teoria do caos nos deixa? Em nenhum lugar, se ela não seguir o dinheiro. Elites locais de intermediação devem ser suntuosamente recompensadas, caso contrário fica-se preso em um território pantanoso híbrido. Esse foi o caso do Brasil — e é por isso que o caso de guerra híbrida mais sofisticado da história tem sido até o momento um sucesso.

Em 2013, Edward Snowden e a WikiLeaks revelaram como a NSA estava espionando a gigante de energia brasileira Petrobrás e o governo de Dilma Rousseff desde 2010. Depois disso, um complexo golpe contínuo judicial-empresarial-político-financeiro-midiático acabou alcançando seus dois principais objetivos; em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, e em 2018, com Lula sendo jogado na cadeia.

Agora vem a peça discutivelmente mais picante do quebra-cabeça. A Petrobras deveria pagar 853 milhões de dólares ao Departamento de Justiça dos EUA para não ir a julgamento por crimes de que tinha sido acusada nos EUA. Mas depois, um acordo suspeito foi feito segundo o qual a multa foi transferida para um fundo brasileiro desde que a Petrobras se comprometa a transmitir informações confidenciais sobre seus negócios ao governo dos Estados Unidos.

A guerra híbrida contra o Brasil, que é um membro do BRICS, funcionou perfeitamente, mas tentá-la novamente contra a superpotência nuclear Rússia é um jogo completamente diferente. Analistas dos EUA, em um outro caso de comunicação tipo guerrilha, até acusaram a própria Rússia de implementar uma guerra híbrida — um conceito na verdade inventado nos EUA dentro de um contexto de contraterrorismo, aplicado durante a ocupação do Iraque e depois espalhado pelo espectro da revolução colorida, e aparecendo, entre outros locais, em um artigo de coautoria do ex-chefe do Pentágono James “Cachorro-Louco” Mattis em 2005 quando ele era um mero tenente-general.

Em uma conferência recente sobre a estratégia militar da Rússia, o Chefe da Equipe Geral General Valery Gerasimov salientou que as forças armadas russas devem aumentar tanto em seu potencial “clássico” quanto “assimétrico”. Nos EUA isso é interpretado como técnicas de subversão/propaganda de guerra híbrida assim como as aplicadas na Ucrânia e no, em grande parte desmascarado, Rússia-gate. Em vez disso, os estrategistas russos se referem a essas técnicas como “abordagem complexa” e “guerra de nova geração”.

A RAND Corporation de Santa Monica ainda continua com os bons e velhos cenários de guerra quente. Eles têm feitos simulações de jogos de guerra “Red on Blue” desde 1952 — fazendo o modelo de como “ameaças existenciais” proverbiais podem usar estratégias assimétricas. O último Red on Blue não foi exatamente formidável. O analista da RAND David Ochmanek notoriamente disse que com o Blue representando o atual potencial militar dos EUA e o Red representando a Rússia-China em uma guerra convencional, “o Blue é completamente destruído”.

Nada disso convencerá o funcionário público do Império do Caos General Joseph Dunford, membro do Conselho de Chefes de Equipe, que recentemente disse ao Comitê do Senado de Serviços Militares que o Pentágono continua a recusar uma estratégia nuclear de “não ser o primeiro a usar”. O aspirante a Dr. Strangelove na verdade acredita que os EUA podem começar uma guerra nuclear e se safar.

Isso sim é uma Era da Estupidez Híbrida acabando com estilo.

Pepe Escobar, um veterano jornalista brasileiro, é o principal correspondente do Times da Ásia sediado em Hong Kong. Seu último livro é “2030”.

*Publicado originalmente no consortiumnews.com | Tradução: equipe Carta Maior


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