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Não queremos que nossas ilhas sejam usadas para matar pessoas

Do outro lado do Pacífico, comunidades indígenas lideram uma luta crescente por soberania e contra o legado do colonialismo ocidental na região, incluindo o ataque aos direitos dos maoris em Aotearoa e a presença militar dos EUA e da França na Oceania.

por Vijay Prashad (pt-BR)

thetricontinental.org - 7 de novembro, 2024

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Oriwa Tahupotiki Haddon (Ngati Ruanui), Reconstrução da assinatura do Tratado de Waitangi, c. 1940.

Queridas amigas e amigos,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Nas últimas semanas, estive viajando por Aotearoa (Nova Zelândia) e pela Austrália a convite de grupos como Te Kuaka, Red Ant e o Partido Comunista da Austrália. Ambos os países foram moldados pelo colonialismo britânico, marcado pelo deslocamento violento das comunidades nativas e pelo roubo de suas terras. Hoje, à medida que se tornam parte da militarização do Pacífico liderada pelos EUA, suas populações nativas lutam para defender suas terras e seus modos de vida.

Em 6 de fevereiro de 1840, o Te Tiriti o Waitangi (Tratado de Waitangi) foi assinado por representantes da Coroa Britânica e dos grupos maoris de Aotearoa. O tratado (que não tem nenhum similar na Austrália) alegava que “protegeria ativamente os maoris no uso de suas terras, pescarias, florestas e outras posses preciosas” e “garantiria que ambas as partes [do tratado] viveriam juntas pacificamente e desenvolveriam a Nova Zelândia em parceria”. Enquanto estava em Aotearoa, fiquei sabendo que o novo governo de coalizão busca “reinterpretar” o Tratado de Waitangi para reverter as proteções às famílias maori. Isso inclui iniciativas de encolhimento, como a Autoridade de Saúde Maori (Te Aka Whai Ora) e programas que promovem o uso do idioma maori (Te Reo Maori) em instituições públicas. A luta contra esses cortes incentivou não apenas as comunidades maori, mas também grande parte da população que não quer viver em uma sociedade que viola tratados. Quando a senadora aborígine australiana Lidia Thorpe interrompeu a visita do monarca britânico Charles ao parlamento do país no mês passado, ela ecoou um sentimento que se espalha por todo o Pacífico, gritando, enquanto era arrastada para fora por seguranças: “Vocês cometeram genocídio contra nosso povo. Devolva-nos nossa terra! Deem-nos o que nos roubaram – nossos ossos, nossos crânios, nossos bebês, nosso povo. (…) Queremos um tratado neste país. (…) Você não é meu rei. Você não é nosso rei”.

Com ou sem um tratado, tanto Aotearoa quanto a Austrália têm visto uma onda de lutas por soberania nas ilhas do Pacífico, com base em um legado de séculos. Esses movimentos por soberania começaram agora a se voltar para a enorme presença militar dos EUA no Oceano Pacífico, que visam uma ameaça ilusória da China. O secretário da Força Aérea dos EUA, Frank Kendall, falando em uma convenção da Associação das Forças Aéreas e Espaciais de setembro de 2024 sobre a China e o Indo-Pacífico, representou bem essa posição quando disse: “A China não é uma ameaça futura. A China é uma ameaça hoje”. A prova disso, segundo Kendall, é que a China está desenvolvendo suas capacidades operacionais para impedir que os Estados Unidos projetem seu poder na região oeste do Oceano Pacífico. Para Kendall, o problema não é o fato de a China ser uma ameaça para outros países do Leste Asiático e do Pacífico Sul, mas sim o fato de ela estar impedindo que os EUA desempenhem um papel de liderança na região e nas águas circundantes – incluindo aquelas fora dos limites territoriais da China, onde os EUA realizaram exercícios conjuntos de “liberdade de navegação” com seus aliados. “Não estou dizendo que a guerra no Pacífico é iminente ou inevitável”, continuou Kendall. “Não é. Mas estou dizendo que a probabilidade está aumentando e continuará aumentando”.

Em 1951, em meio à Revolução Chinesa (1949) e à guerra dos EUA na Coreia (1950-1953), o conselheiro sênior de política externa dos EUA e mais tarde Secretário de Estado, John Foster Dulles, ajudou a formular vários tratados importantes, como o Tratado de Segurança da Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos (ANZUS) de 1951, que tirou a Austrália e a Nova Zelândia da influência britânica e as colocou nos planos de guerra dos EUA, e o Tratado de Paz de São Francisco de 1951, que encerrou a ocupação formal do Japão pelos EUA. Esses acordos – parte da estratégia agressiva dos EUA na região – vieram junto com a ocupação americana de várias nações insulares no Pacífico, onde os EUA já haviam estabelecido instalações militares, incluindo portos e campos de aviação: Havaí (desde 1898), Guam (desde 1898) e Samoa (desde 1900). A partir dessa realidade, que se estendia do Japão a Aotearoa, Dulles desenvolveu a “estratégia da cadeia de ilhas”, uma estratégia de contenção que estabeleceria uma presença militar em três “cadeias de ilhas” que se estendiam para fora da China para atuar como um perímetro agressivo e impedir que qualquer outra potência além dos EUA comandasse o Oceano Pacífico.

Com o tempo, essas três cadeias de ilhas se tornaram fortalezas para a projeção do poder dos EUA, com cerca de quatrocentas bases na região estabelecidas para manter os recursos militares dos EUA, do Alasca ao sul da Austrália. Apesar de ter assinado vários tratados para desmilitarizar a região (como o Tratado de Pacífico Sul Livre de Armas Nucleares, também conhecido como Tratado de Rarotonga em 1986), os Estados Unidos movimentaram recursos militares letais, inclusive armas nucleares, pela região para a projeção de ameaças contra a China, a Coreia do Norte, a Rússia e o Vietnã (em diferentes momentos e com diferentes intensidades). Essa “estratégia de cadeia de ilhas” inclui instalações militares em postos avançados coloniais franceses, como Wallis e Futuna, Nova Caledônia e Polinésia Francesa. Os EUA também têm acordos militares com os Estados Federados da Micronésia, as Ilhas Marshall e Palau.

Embora algumas dessas nações das ilhas do Pacífico sejam usadas como bases para a projeção de poder dos EUA e da França contra a China, outras foram usadas como locais de testes nucleares. Entre 1946 e 1958, os EUA realizaram sessenta e sete testes nucleares nas Ilhas Marshall. Um deles, realizado no Atol de Bikini, detonou uma arma termonuclear mil vezes mais potente do que as bombas nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Darlene Keju Johnson, que tinha apenas três anos de idade na época da detonação do Atol de Bikini e foi uma das primeiras mulheres marshallesas a falar publicamente sobre os testes nucleares nas ilhas, resumiu o sentimento dos habitantes das ilhas em um de seus discursos: “Não queremos que nossas ilhas sejam usadas para matar pessoas. O ponto principal é que queremos viver em paz”.

No entanto, apesar da resistência de pessoas como Keju Johnson (que se tornou diretora do Ministério da Saúde das Ilhas Marshall), os EUA têm aumentado sua atividade militar no Pacífico nos últimos quinze anos, recusando-se a fechar bases, abrindo novas bases e expandindo outras para aumentar sua capacidade militar. Na Austrália, sem nenhum debate público real, o governo decidiu complementar o financiamento dos EUA para expandir a pista de pouso da Base Aérea de Tindal, em Darwin, para que ela pudesse abrigar bombardeiros B-52 e B-1 dos EUA com capacidade nuclear. Ela também decidiu expandir instalações de submarinos de Garden Island para Rockingham e construir uma nova instalação de radar de alta tecnologia para comunicações no espaço profundo em Exmouth. Essas expansões vieram na esteira do acordo entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos (AUKUS) em 2021, o que permitiu que os EUA e o Reino Unido coordenassem totalmente suas estratégias. A parceria também deixou de lado os fabricantes franceses que até então forneciam à Austrália submarinos movidos a diesel e garantiu que a Austrália comprasse submarinos movidos a energia nuclear do Reino Unido e dos EUA. Eventualmente, a Austrália fornecerá seus próprios submarinos para as missões que os EUA e o Reino Unido estão realizando nas águas ao redor da China.

Nos últimos anos, os EUA também procuraram atrair o Canadá, a França e a Alemanha para o projeto dos EUA no Pacífico por meio da Estratégia de Parceria do Pacífico dos EUA para as Ilhas do Pacífico (2022) e a Parceria para o Pacífico Azul (2022). Em 2021, na Cúpula França-Oceania, houve um compromisso de reengajamento com o Pacífico, com a França trazendo novos recursos militares para a Nova Caledônia e a Polinésia Francesa. Os EUA e a França também iniciaram um diálogo sobre a coordenação de suas atividades militares contra a China no Pacífico.

No entanto, essas parcerias são apenas parte das ambições dos EUA na região. Os EUA também estão abrindo novas bases nas ilhas do norte das Filipinas – a primeira expansão desse tipo no país desde o início da década de 1990 – enquanto intensificando suas vendas de armas com Taiwan, a quem está fornecendo tecnologia militar letal (incluindo sistemas de defesa antimísseis e tanques destinados a impedir um ataque militar chinês). Enquanto isso, os EUA melhoraram sua coordenação com as forças armadas do Japão, decidindo estabelecer quartéis-generais de forças conjuntas, o que significa que a estrutura de comando das tropas dos EUA no Japão e na Coreia do Sul será controlada de forma autônoma pela estrutura de comando dos EUA nesses dois países asiáticos (e não por ordens de Washington).

No entanto, o projeto de guerra entre os EUA e a Europa não está indo tão bem quanto o previsto. Movimentos de protesto nas Ilhas Salomão (2021) e na Nova Caledônia (2024), liderados por comunidades que não estão mais dispostas a se submeter ao neocolonialismo, foram um choque para os EUA e seus aliados. Não será fácil para eles construir sua cadeia de ilhas no Pacífico.

Cordialmente,

Vijay

Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano, diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

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