Guerra silenciosa EUA x Irã está sendo convertida num “levante iraquiano”
por Elijah J. Magnier | ejmagnier.com
Comunidad Saker Latinoamérica - 11 de outubro, 2019
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Os últimos quatro dias mostraram que a guerra EUA x Irã está afetando brutalmente toda a região. É agora evidente no Iraque, onde já houve mais de 105 pessoas mortas e milhares de feridos no curso de manifestações que tomaram a capital e as cidades xiitas do sul, incluindo Amara, Nasririyeh, Basrah, Najaf e Karbalaa. Manifestações similares podem irromper em Beirute e em outras cidades libaneses dadas as semelhanças nas condições econômicas nos dois países. A situação econômica crítica no Oriente Médio oferece campo fértil para levantes que levam ao caos generalizado.
O Iraque tem status especial, dada sua posição, desde a ocupação pelos EUA, em 2003, como país aliado do Irã e dos EUA. O primeiro-ministro Adel Abdel Mahdi até agora já se armou com o artigo 8 da Constituição, tentando manter o Iraque como ponto de equilíbrio entre todos os países aliados e vizinhos, e para impedir que a Mesopotâmia converta-se em campo de batalha de lutas entre os EUA e Irã ou Arábia Saudita e Irã.
Não obstantes os esforços de funcionários de Bagdá, a deterioração da situação econômica doméstica no Iraque empurrou o país para situação comparável à dos países do Oriente Médio que foram feridos pela chamada “Primavera Árabe.
Alimentados por dificuldades muito reais, dentre as quais a falta de oportunidades de trabalho e a corrupção severa, os levantes domésticos são manipulados por agentes estrangeiros, cujo objetivo é derrubar o governo [ing. regime change]; esses esforços estão em andamento na Síria desde 2011. Bagdá crê que países estrangeiros e regionais extraíram vantagens das justas demandas da população para implementar a própria agenda, com consequências desastrosas para os países em questão.
Fontes no gabinete do primeiro-ministro do Iraque disseram que “as recentes manifestações já estavam planejadas há alguns meses. Bagdá trabalhava para melhorar a situação no país, sobretudo porque as demandas da população são legítimas. O primeiro-ministro herdou o sistema corrupto que se desenvolve desde 2003; centenas de bilhões de dólares foram desviados para o bolso de políticos corruptos. Acima de tudo, a guerra ao terror não só consumiu todos os recursos do país, mas também forçou o Iraque a tomar empréstimos de bilhões de dólares para reconstruir as forças de segurança e outras necessidades básicas.”
“As recentes manifestações deveriam ser pacíficas e legítimas, porque as pessoas têm direito de expressar o próprio descontentamento, suas preocupações e frustração. Contudo, o curso dos eventos mostraram objetivo diferente: 16 membros das forças de segurança foram mortos, além de dezenas de civis e muitas instalações do Estado e de partidos políticos foram incendiados e completamente destruídos. Esse tipo de comportamento desviou os sofrimentos do povo e lhes deu curso desastroso: criaram o caos no país. Quem se beneficia do desmonte no Iraque?”
A agitação nas cidades iraquianas coincide com o fracassado atentado contra Soleimani do Irã. As fontes creem que “a tentativa de matar o comandante da Brigada Quds do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana, Qassem Soleimani, não é coincidência, e está relacionada aos eventos no Iraque”.
“Soleimani estava no Iraque durante a seleção dos líderes chaves do país. É figura de grande influência; como os norte-americanos também têm gente sua. Se Soleimani fosse removido, os que talvez estejam por trás dos recentes tumultos talvez acreditassem que criariam um possível golpe de estado levado adiante pelos militares ou estimulado por forças estrangeiras, nesse caso a Arábia Saudita e os EUA. Matar Soleimani, na mente de atores estrangeiros, poderia levar ao caos, o que por sua vez poderia levar a uma redução na influência do Irã no Iraque” – disseram as fontes.
As recentes decisões de Abdel Mahdi tornaram-no extremamente impopular com os EUA. Mahdi declarou Israel responsável pela destruição de cinco depósitos das forças de segurança do Iraque, Hashd al-Shaabi, e pelo assassinato de um comandante nas fronteiras Iraque-Síria. Foi quem abriu a passagem em al-Qaem entre Iraque e Síria, para grandes desprazer da embaixada dos EUA em Bagdá, cujos funcionários manifestaram o próprio incômodo aos funcionários iraquianos. Mahdi manifestou disposição para comprar os S-400s e outros equipamentos militares da Rússia. Abdel Mahdi firmou acordos com a China para reconstruir infraestrutura essencial em troca de petróleo; firmou acordo de $284 milhões de eletricidade com uma empresa alemã, não com empresa dos EUA. O primeiro-ministro iraquiano recusou-se a obedecer às sanções impostas pelos EUA e continua a comprar eletricidade do Irã; e tem permitido a continuidade do comércio que está trazendo grandes quantidades de moedas estrangeiras e dando novo alento à economia do Irã. Para completar, Abdel Mahdi rejeitou o “Acordo do Século” proposto pelos EUA: está tentando fazer a mediação entre Irã e Arábia Saudita e, portanto, está expondo a própria intenção de manter o Iraque bem longe dos objetivos e das políticas dos EUA no Oriente Médio.
Funcionários dos EUA manifestaram total desacordo em relação à política de Abdel Mahdi, para muitos funcionários iraquianos. Os norte-americanos entendem que o próprio fracasso, ao não conseguir capturar o Iraque como país de vanguarda contra o Irã, foi vitória para Teerã. Mas o primeiro-ministro do Iraque não tem qualquer objetivo nessa direção. Mahdi está tentando genuinamente manter-se distante da guerra EUA-Irã, mas enfrenta dificuldades crescentes.
Abdel Mahdi assumiu o governo quando a economia iraquiana viva em estado de catástrofe. Está lutando, no primeiro ano de governo – sabendo-se que as reservas iraquianas são consideradas a quarta maior reserva de petróleo no mundo. Isso, enquanto ¼ dos mais de 40 milhões de cidadãos do Iraque vivem em estado de miséria.
O Marjaiya [Corpo supremo dos aiatolás no xiismo] em Najaf interveio para acalmar a situação, mostrando capacidade para controlar a multidão. Seu representante em Karbalaa Sayyed Ahmad al-Safi enfatiza a importância de combater a corrupção e de criar comissão independente, para repor o país ‘nos trilhos’. Al-Safi disse que é necessário iniciar reformas sérias e convocou o Parlamento, especialmente “a maior coalizão”, para que assuma as próprias responsabilidades.
O maior grupo parlamentar é controlado por Sayyed Moqtada al-Sadr, com 53 votos no Parlamento. Moqtada declarou – ao contrário do que desejava o Marjaiya – a suspensão de seu grupo, em vez de assumir as próprias responsabilidades. Moqtada está convocando eleições antecipadas – nas quais ninguém espera que consiga eleger mais de 12-15 deputados. Al-Sadr, que visita a Arábia Sudita e o Irã sem objetivos estratégicos, tenta também assumir as rédeas dos protestos, de modo a conseguir arrancar qualquer vantagem das justas reivindicações dos manifestantes.
Cabe a Moqtada e aos outros grupos xiitas que comandam hoje o país, em aliança com minorias curdas e sunitas, responder às exigências populares, sem se esconder por trás dos manifestantes que, nas ruas, pedem o fim da corrupção, mais oportunidades de emprego e melhoria em suas condições de vida.
O primeiro-ministro Abdel Mahdi mão tem varinha de condão; o povo não pode esperar para sempre. Por mais que as demandas populares sejam justificadas, o povo não estava “sozinho nas ruas. A maioria das hashtags nas mídias sociais eram sauditas: é indicação de que as visitas de Abdel Mahdi à Arábia Saudita em sua mediação entre Riad e Teerã não o tornaram imune aos esforços, apoiados pelos sauditas, para derrubar o governo” – disse a fonte.
De fato, os vizinhos do Iraque deram fortes indicações ao primeiro-ministro de que a relação do Iraque com o Irã seria a mais saudável e estável dentre outras, nos países da região. Teerã não conspira contra ele, apesar de a bandeira iraniana ter sido a única a ser queimada por manifestantes nas ruas de Bagdá nesses últimos dias de tumulto.
A situação econômica crítica está tornando o Oriente Médico vulnerável a agitadores. Muitos países sofrem hoje sob as sanções dos EUA contra o Irã, e a quantia monstruosa que se consome na compra de armas dos EUA. O presidente Donald Trump está tentando empenhadamente esvaziar os bolos dos líderes árabes; e mantém o Irã como seu principal espantalho para drenar as finanças do Golfo. A guerra dos sauditas contra o Iêmen é outro fator de desestabilização no Oriente Médio, que abre também grande espaço para tensões e confrontos.
O Iraque parece condenado à instabilidade, como um dos braços da guerra multidimensional que os EUA fazem contra o Irã; os EUA exigem apoio e solidariedade dos países árabes e do Golfo, aos planos dos norte-americanos. Mas o Iraque ainda não se rendeu às demandas dos EUA.
Nada garante que Abdel Mahdi consiga manter estável o Iraque. O que se vê claramente é que as tensões EUA-Irã não estão poupando nenhum país no Oriente Médio.
O Parlamento e os partidos políticos iraquianos representam a maioria da população; não é provável portanto que o golpe contra o governo seja bem-sucedido, mas países vizinhos e os EUA continuarão a explorar as dificuldades do Iraque.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Elijah J. Magnier é correspondente Veterano de Zona de Guerra e Analista de Risco Político Sénior com mais de 35 anos de experiência cobrindo o Oriente Médio tendo adquirindo experiência profunda e conhecimento político no Irão, Iraque, Líbano, Líbia, Sudão e Síria. Especializado em terrorismo e contra-terrorismo, inteligência, avaliações políticas, planeamento estratégico e aprofundamento nas redes políticas da região.
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