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Como os EUA são mestres em derrotas nas negociações

por James Petras | Global Research

Revista Opera - 29 de março, 2019

https://revistaopera.com.br/2019/03/29/como-os-estados-unidos-sao-mestres-em-derrotas-em-negociacoes/

Os Estados Unidos atualmente estão engajados em negociações com, pelo menos, uma dúzia de países; elas envolvem questões políticas, militares e econômicas fundamentais. Os EUA adotaram estratégias diplomáticas em face de sua “incapacidade” de garantir vitórias militares. O propósito de adotar uma abordagem diplomática é assegurar, por meio de negociações, parcial ou totalmente, metas e vantagens inatingíveis por meios militares.

Embora a diplomacia esteja menos sujeita a perdas militares e econômicas, é necessário fazer concessões. As negociações só são bem-sucedidas se houver benefícios recíprocos para ambas as partes. Aqueles regimes que exigem vantagens máximas e concessões mínimas geralmente fracassam ou obtêm sucesso porque se baseiam em relações de poder muito desiguais.

Avaliaremos o sucesso ou o fracasso de Washington em negociações recentes e analisaremos os motivos e as consequências de seus resultados.

Negociações EUA-Coreia do Norte

O presidente Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-Un estão envolvidos em negociações há quase um ano. A Casa Branca priorizou a “desnuclearização” da Península Coreana, o que inclui o desmantelamento de armas nucleares, mísseis, conjuntos de testes e outros objetivos militares estratégicos.

A Coreia do Norte busca o fim das sanções econômicas, a assinatura de um tratado de paz entre EUA e Coreia e seu reconhecimento diplomático. Um encontro decisivo entre os dois aconteceu de 26 a 27 de fevereiro de 2019 em Hanói.

As negociações foram um fracasso total. Washington não conseguiu nenhum ganho, nem avançou no processo de paz; e não há perspectivas futuras. A Coreia do Norte ofereceu três concessões significativas que não foram recíprocas. O presidente Kim Jong-Un propôs: (1) desmantelar locais de testes nucleares; (2) anunciar uma moratória sobre testes nucleares e testes de mísseis balísticos de alcance intercontinental; (3) concordou em desmantelar parcialmente os locais de teste de motores de mísseis. Washington não ofereceu nada em troca – em vez disso, exigiu o desarmamento total; sem levantamento de sanções; nenhuma assinatura do fim da Guerra da Coreia.

As “negociações” assimétricas de Washington foram pré-determinadas ao fracasso. Os EUA subestimaram a capacidade dos norte-coreanos de insistir na reciprocidade; eles acreditavam que as futuras promessas verbais atrairiam os norte-coreanos para se desarmarem. Os coreanos estavam plenamente conscientes do recente recorde americano em renegar acordos assinados com o Irã, a China e seus parceiros na Iniciativa do Cinturão e Rota.

Além disso, a Coreia do Norte conta com poderosos aliados na China e na Rússia e armas nucleares para resistir à pressão adicional dos EUA.

Negociações EUA-Irã

EUA e Irã negociaram um acordo para pôr fim às sanções econômicas em troca do fim do desenvolvimento de armas nucleares. O acordo foi temporariamente bem-sucedido, mas foi rapidamente revertido pelo regime de Trump. A Casa Branca exigiu que o Irã desmantelasse seu programa de defesa antimísseis e ameaçou um ataque militar. Washington não negociou e procurou impor uma “solução” unilateral. O Reino Unido, a França, a Alemanha, a Rússia e a China, co-signatários do acordo, rejeitaram o ditame de Trump, mas várias grandes corporações multinacionais da União Europeia capitularam perante a exigência da Casa Branca de apertar as sanções.

Como consequência, a sabotagem deliberada das negociações dos EUA empurrou o Irã para mais perto da Rússia, da China e de mercados alternativos, enquanto os EUA permaneceram comprometidos com a Arábia Saudita e Israel. A primeira se envolveu em uma guerra perdida com o Iêmen, o último permanece como um pária internacional recebendo bilhões em doações americanas.

Negociações EUA-China

Os EUA se engajaram em negociações com a China com o objetivo de reduzir o poder de sua economia e preservar a supremacia global americana. Pequim concordou em aumentar suas importações vindas de Washington e apertar seu controle sobre o uso chinês de tecnologia americana, mas os EUA não ofereceram nenhuma concessão. Em vez disso, Washington exigiu que a China ponha fim no protagonismo do Estado chinês em financiar sua tecnologia de ponta, inteligência artificial e inovações na área de comunicação. Em outras palavras, espera-se que a China ceda suas vantagens estruturais para evitar duras tarifas por parte da Casa Branca, o que reduziria as exportações chinesas.

Não há reciprocidade. O regime de Trump opera por ameaças à China, o que, todavia, terá efeitos negativos sobre os agricultores americanos, dependentes dos mercados chineses; os importadores dos EUA, especialmente no setor de varejo, que compram produtos chineses; os consumidores, que sofrerão com preços mais altos por bens comprados da China. Além disso, a China aprofundará seus laços com mercados alternativos na Ásia, África, Rússia, América Latina e outros países.

Em 2018, a balança comercial positiva da China com os EUA subiu para US$ 419 bilhões, enquanto os EUA foram forçados a aumentar seus subsídios aos agroexportadores americanos para compensar a perda de vendas para a China. Depois de vários meses de negociações, os representantes dos EUA garantiram concessões comerciais, mas não conseguiram impor qualquer tipo de desarranjo no modelo econômico chinês.

Em meados de 2019, enquanto as negociações continuam, a probabilidade de uma “grande barganha” é desanimadora. Em grande parte, isso ocorre porque Washington não reconhece que sua enfraquecida posição global exige que os EUA se envolvam em “mudanças estruturais”, o que significa que o Tesouro invista em tecnologia; atualização de mão de obra e educação. Os EUA devem praticar relações recíprocas com parceiros comerciais dinâmicos; para isso, Washington precisa investir bilhões para atualizar sua infraestrutura doméstica e realocar os gastos federais do setor militar e guerras para prioridades domésticas e acordos produtivos no exterior. Relações diplomáticas com a China baseadas em ameaças e tarifas estão fracassando, e as negociações econômicas estão se deteriorando.

EUA-Venezuela: a não-negociação é uma fórmula para a derrota

Durante a última meia década (2015-2019), Washington conseguiu restaurar seus regimes-clientes na América Latina, por meio de golpes militares, intervenção política e pressão econômica. Como consequência, a Casa Branca conseguiu “negociar” resultados políticos, econômicos, sociais e diplomáticos unilaterais na região, com exceção de Cuba e da Venezuela.

O presidente Trump rompeu, sem quaisquer vantagens, os acordos negociados com Cuba; as ameaças norte-americanas levaram Cuba a manter um vínculo maior com a Europa, a China, a Rússia e outros lugares, sem afetar o setor turístico de Cuba.

O regime de Trump aumentou sua propaganda política e econômica e a guerra social contra a Venezuela. Múltiplos esforços de golpe foram revertidos desde abril de 2002 até fevereiro de 2019.

Enquanto os EUA foram bem-sucedidos no restante da América Latina na consolidação da hegemonia hemisférica, no caso venezuelano Washington sofreu derrotas diplomáticas e o crescimento de uma maior resistência popular. Políticas intervencionistas e sanções dos EUA reduziram drasticamente a presença de seus apoiadores de classe média e baixa classe média, que fugiram para o exterior. A propaganda americana não conseguiu garantir o apoio dos militares venezuelanos, que se tornaram mais “nacionalistas”, com muito poucas deserções.

A nomeação da Casa Branca do criminoso condenado Elliott Abrams, conhecido como “açougueiro da América Central”, certamente enfraqueceu qualquer perspectiva de um acordo diplomático favorável.

As sanções de líderes políticos e militares venezuelanos impedem os esforços de cooptar e recrutar líderes. Os EUA nomearam como seu “governante interino”, um tal Juan Guaidó, que tem pouco apoio doméstico – amplamente visto internamente como um fantoche imperial.

Os sucessos não negociados dos EUA na América Latina cegaram Washington para as diferentes condições existentes na Venezuela, onde reformas socioeconômicas estruturais e o treinamento militar nacionalista consolidaram o apoio político a Maduro. No caso venezuelano, a recusa dos EUA em entrar em negociações levou a uma maior polarização e a múltiplas derrotas, incluindo o fracassado golpe de 23/24 de fevereiro de 2019.

EUA-Rússia: colidindo com uma diplomacia fracassada

Washington “negociou com sucesso” a rendição e ruptura da União Soviética e a subsequente pilhagem da Rússia. Foram as “negociações” mais bem-sucedidas do século XX pelos EUA. As “negociações” dos EUA permitiram expandir a OTAN para a fronteira russa, incorporaram a maioria dos europeus orientais à União Europeia e à OTAN e levaram os americanos a se gabarem de terem criado um “mundo unipolar”. O excesso de arrogância os levou a lançarem guerras prolongadas (e perdedoras) no Afeganistão, Líbia, Iraque, Somália, Síria e em outros lugares.

Com a eleição do presidente Putin, a Rússia deu uma volta que levou o Kremlin a reconstituir seu poder militar, econômico e geopolítico. A Casa Branca reagiu tentando “negociar” o cerco militar da Rússia e minar o crescimento econômico de Moscou. Quando a Rússia se recusou a se submeter aos ditames americanos, Washington recorreu a sanções econômicas e a tomadas de poder na Ucrânia, Ásia Central e Oriente Médio (Iraque e Síria).

Washington rejeitou uma abordagem diplomática em favor da intimidação econômica, especialmente porque alguns oligarcas apoiados pelos EUA foram presos ou fugiram com sua riqueza para o Reino Unido e Israel. Os EUA se recusaram a reconhecer as oportunidades que ainda existiam na Rússia – uma elite econômica neoliberal, uma economia de exportação principalmente mineral e a abordagem conciliatória de Moscou em relação ao envolvimento militar dos EUA na Líbia, Somália, Iêmen e Irã.

As “negociações” dos EUA eram inaceitáveis. A Casa Branca definiu a Rússia como um inimigo a ser minado. As sanções se tornaram a arma para lidar com a tentativa da Rússia de recuperar sua posição no mundo. A postura agressiva de Washington incluiu sua recusa em reconhecer que o mundo se tornou multipolar; que os russos tinham aliados na China, parceiros na Alemanha, bases militares na Síria e uma elite científica ainda avançada e leal. Os EUA, operando a partir de uma imagem passada da Rússia da era Yeltsin, não conseguiu se adaptar às novas realidades – uma Rússia ressurgente, disposta a negociar e garantir vantagens recíprocas.

Os EUA não conseguiram reconhecer potenciais aliados e vantagens econômicas em negociações abertas. Muitos economistas russos próximos ao Kremlin eram neoliberais, prontos e dispostos a abrir a economia à penetração americana. A Rússia estava disposta a conceder aos EUA um papel importante no Oriente Médio e se ofereceu para negociar suas políticas de exportação de petróleo.

Em vez disso, os EUA se opuseram a negociar o compartilhamento do poder. As sanções dos EUA forçaram a Rússia a abraçar a China; o esforço de Washington pelo domínio global encorajou os russos a construírem laços com a Venezuela, Cuba, Irã, Síria e outras nações independentes. As políticas unipolares de Washington transformaram uma relação estratégica potencialmente lucrativa e de longo prazo em confrontos caros e uma diplomacia fracassada.

EUA e União Europeia: ofertas sem fim

Incomodar a Europa tem sido um empreendimento de sucesso, que os EUA colocaram em exibição em inúmeras ocasiões nos últimos tempos. Washington negociou acordos com franceses, ingleses e alemães para dar término às sanções econômicas ao Irã e, logo em seguida, os renegou e aplicou sanções a empresas europeias para que elas obedeçam aos EUA e desobedeçam a seus próprios governos.

Os EUA negociam com a Europa políticas comerciais e ameaçam abruptamente impor sanções às suas principais exportadoras de automóveis. A Europa negocia com Washington questões de segurança da OTAN e, em seguida, a Casa Branca a ameaça para que seus países aumentem seus gastos militares. Os EUA alegam que a União Europeia é um aliado estratégico, mas a trata como um parceiro menor.

Negociações entre ambos tem sido uma parceria unilateral: os EUA vendem armas e nomeiam adversários, enquanto a Europa argumenta, discorda e se submete, enviando tropas para combater as guerras americanas na Síria, Afeganistão, Iraque, Líbia e outros lugares. Os EUA ditam sanções contra a Rússia, aumentando o preço das importações de gás e petróleo para a União Europeia. A Alemanha debate, discute, testa e hesita e evita uma rejeição total.

Os EUA têm constantemente invadido as prerrogativas da União Europeia até o ponto em que afirmam que se a União Europeia não cumprir a agenda “América Primeiro” da Casa Branca, isso faria com que os EUA se retirassem da OTAN.

Apesar de uma aliança de longa data, a Casa Branca não negocia mais as políticas – ela ameaça e espera conformidade. Apesar de uma história de submissão da UE e debates pro forma, como Washington endureceu sua oposição à Rússia, China e Irã, não considera mais as relações comerciais europeias um ponto de negociação. Embora a Europa considere os EUA como um aliado, não poderá ser tratada como tal, pois é vista como um adversário comercial.

Conclusão

Washington conseguiu assegurar acordos não recíprocos com países fracos. Esse foi o caso na Europa do pós-guerra, a Rússia pós-Gorbachev e entre os atuais regimes colonizados da América Latina.

Em contraste, a rejeição de Washington a acordos recíprocos com a Rússia, China, Irã, Cuba e Venezuela foi um fiasco. As guerras comerciais dos EUA com a China levaram à perda de mercados e permitiram que a China buscasse acordos globais por meio de seus enormes projetos bilionários de infraestrutura por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota.

As políticas hostis unilaterais dos EUA em relação à Rússia aumentaram os laços entre o Kremlin e Pequim. Washington perdeu oportunidades de trabalhar com oligarcas neoliberais na Rússia para minar o presidente Putin. Washington não conseguiu negociar laços recíprocos com a Coreia do Norte para que “desnuclearizasse” a península em troca da suspensão das sanções econômicas e da abertura de portas para uma restauração capitalista.

Exigir concessão unilateral e submissão levou a fracassos uniformes, considerando que os compromissos negociados poderiam conduzir a maiores oportunidades de mercado e a avanços políticos a longo prazo. O presidente Trump e seus principais policy makers e negociadores não conseguiram assegurar nenhum acordo.

O Congresso democrata tem sido tão ineficaz e ainda mais belicoso – exigindo maiores ameaças militares à Rússia, a ampliação das guerras comerciais com a China e menos negociações com a Coreia do Norte, Irã e Venezuela.

Em suma, as negociações fracassadas e a diplomacia não recíproca se tornaram a marca registrada da política externa americana.

Tradução de Gabriel Deslandes para a Revista Opera

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James Petras é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque. É autor de 64 livros publicados em 29 línguas, e mais de 560 artigos em jornais da especialidade, incluindo o American Sociological Review, British Journal of Sociology, Social Research, Journal of Contemporary Asia, e o Journal of Peasant Studies. Já publicou mais de 2000 artigos. O seu último livro é War Crimes in Gaza and the Zionist Fifth Column in America.

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