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As novas rotas da seda em ação na fronteira China-Cazaquistão

A Ásia Central, entre a China e a Europa, está fervilhando

por Pepe Escobar | Asia Times

Brasil 247 - 8 de dezembro, 2019

https://www.brasil247.com/blog/as-novas-rotas-da-seda-em-acao-na-fronteira-china-cazaquistao


(Foto: Pepe Escobar/Asia Times)

Estamos rodando em uma impecável super-rodovia de quatro pistas, de 380 quilômetros de comprimento, que liga Almaty a Korgos – concluída em 2016 ao custo de 1,25 bilhões de dólares, 85% dos quais cobertos por um empréstimo do Banco Mundial. E de repente, correndo paralela a nós, surge a verdadeira superstar da conectividade das Novas Rotas da Seda.

Aqui está Yuxinou, o trem porta-contêineres que faz o trajeto de ida e volta ao longo do corredor ferroviário de 11.000 quilômetros que liga Chongqin, na província de Sichuan, passando por Xinjiang e pelo Cazaquistão, à Rússia, Belarus, Polônia e chegando por fim a Duisberg, no vale do Ruhr. E tudo isso em apenas treze dias.

No caminho, o Yuxinou faz escala, entre outros lugares, em Almaty, Bishkek, Tashkent, Teerã, Istambul, Moscou e Roterdã: um quem é quem das grandes cidades eurasianas. Ele leva laptops, BMWs, peças de reposição, vestuário, maquinário, pacotes de postagem internacional, produtos químicos, medicamentos e instrumentos médicos - mercadorias de todo o tipo, fabricadas na China e na Europa. E tudo isso por apenas 20% do custo do transporte via aérea.

Essa plataforma de operações é chamada Companhia Yuxinou (Chongqing) de Logística, Ltda., uma joint venture entre as ferrovias da China, Rússia, Cazaquistão, Alemanha e também do governo municipal Chongqin, que sente grande orgulho de sua "integração ininterrupta de logística ferroviária multinacional" - que conta com um procedimento de liberação alfandegária rápida denominado "declaração e inspeção únicas no trajeto".

A principal intersecção da ferrovia localiza-se entre Alashankou, no lado chinês da fronteira cazaque, e Korgos, uma zona econômica especial no Cazaquistão. O projeto talvez ainda esteja engatinhando. Afinal, toda a Iniciativa do Cinturão e Rota, segundo um detalhado cronograma de Pequim, ainda se encontra em estágio de planejamento.

Korgos, portanto, pode ainda estar longe de se metastizar em uma nova Dubai, como foi propagandeado alguns anos atrás. Mas ver Korgos em ação é uma experiência fascinante, útil como nenhuma outra para avaliar o potencial da Cinturão e Rota. Tanto quanto o Corredor Econômico China-Paquistão, cuja parte norte visitei há um ano, esta é uma das jóias da Coroa da Cinturão e Rota.

Partindo para os shoppings
Há, na verdade, três locais que tratam de questões de cruzamento da fronteira em Korgos. Cheguei, pela super-rodovia, ao cruzamento exclusivo para caminhões porta-contêineres. Em seguida, visitei o cruzamento de fronteira usado pelos cazaques e por gente de muitas outras partes da Ásia Central, que leva a um conjunto de mega-shoppings duty-free, chamado oficialmente de Centro Internacional para a Cooperação de Fronteira (ICBC). Há também a estação ferroviária de Altynkol, onde o Yoxinou faz escala, e também os trens Urumqi-Almaty de carga e passageiros. O verdadeiro SEZ - muitos prédios ainda em construção - fica na periferia de Korgos.

O ICBC – 5,3 quilômetros quadrados abrigando cinco shopping-centers de vários andares com mais de duas mil lojas - é uma espécie de terra-de-ninguém neutra. Se você for cazaque ou chinês, não há necessidade de visto. Mas gente de toda a Ásia Central também vem - de ônibus, todos ansiosos para aproveitar as ilimitadas pechinchas Made in China.

O procedimento é bastante simples. Os clientes geralmente chegam de manhã bem cedo em uma imensa área de estacionamento. Eles caminham uma curta distância até o moderníssimo prédio da Alfândega cazaque (que, no dia de minha visita, devido ao frio cortante, estava praticamente vazio). Eles então tomam um ônibus circular até a fronteira chinesa, atravessam com pouca ou nenhuma burocracia (embora pessoas da Ásia Central que não sejam cazaques necessitem de vistos) e partem para os shoppings.

Eles voltam no fim da tarde completamente carregados - o que é excelente negócio para o exército de embaladores e de carregadores. Eles, então, embarcam em seus ônibus e voltam para muitos locais do Cazaquistão e de outros "istões". Em um dia movimentado, principalmente no verão, o número de compradores pode chegar a oito mil no ICBC.

O principal acesso de conectividade aos mercados da Asia Central e Ocidental e, mais adiante, aos mercados europeus, é através do Cazaquistão, que tem na China seu segundo maior parceiro comercial. Ao mesmo tempo, é de importância essencial levar em conta que Korgos fica exatamente na fronteira de Xinjiang, o que implica um alerta de segurança máximo por parte dos chineses.

No entanto, não há nada de orwelliano em Korgos. O aparato do Partido Comunista Chinês, na longínqua Urumqi, parece entender de forma bem pragmática que se trata apenas de um shopping-center gigantesco, que não tende a provocar estrepolias de separatismo ighur. E, acima de tudo, negócios realmente pesados transitam pelo Yuxinou. Em um futuro próximo, é fatal que ele evolua para se converter em um trem de alta velocidade.

Em termos de tráfico rodoviário, os caminhões porta-contêineres fazem negócios robustos em Korgos - certamente mais substanciais que em outros cruzamentos de fronteira que visitei no Quirguistão e no Tajiquistão.

Há dois cruzamentos de fronteira entre a China e o Quirguistão. O mais estabelecido, localizado em Torugart, leva diretamente à capital Bishkek, e em seguida a Tashkent, no Uzbequistão. A estrada foi repavimentada com empréstimos do Banco de Exportação-Importação da China e do Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB).

O ADB também financiou uma rota alternativa indo de Bishquec a Os, que também contou com um empréstimo de 850 milhões de dólares do Banco EXIM. Essa rodovia é bem impressionante, cortando através das montanhas e desfiladeiros do Quirquistão e eliminando pelo menos 220 quilômetros de viagem em comparação à estrada antiga. A China Road e a Bridge Cooperation foram responsáveis pela construção, que incluiu um túnel de 3,3 quilômetros de comprimento.

Mas a estrada ainda é traiçoeira: no último desfiladeiro antes do trecho final rumo a Bishkek, meu motorista Alex e eu levamos horas tentando passar por uma cornucópia de caminhões tombados na neve e por uma multidão de motoristas inexperientes atolados por falta de correntes de pneu.

China e os 'istãos'
O outro cruzamento de fronteira entre a China e o Quirguistão é o passo de Irkeshtam, que era o principal ramal sul da antiga Rota da Seda, vindo direto de Kashgar. A estrada foi repavimentada em 2013, somando-se à rede de integração e conectividade que liga o Quirguistão, Xinjiang e a Rodovia Karakoram, no Paquistão. Passei por um longo comboio de caminhões porta-contêineres vindo de Irkeshtam.

Há apenas um único cruzamento de fronteira entre a China e o Tajiquistão, no alto do passo de Kulma, a 4.363 metros de altitude. A verdadeira fronteira chinesa fica a catorze quilômetros da fronteira tajique, muito próxima à Rodovia Karakoram: um outro caso de estreita conectividade. Essa estrada foi aberta em 2004, e também segue a antiga Rota da Seda.

Toda a estrada entre o Passo de Kulma e Dushanbe, a capital tajique, que inclui a lendária Rodovia Pamir (assunto de um especial de duas partes que trarei a seguir) ainda é um trabalho em andamento (lento). Ela é financiada por um empréstimo de 254 milhões de dólares do Banco EXIM, da China, e construída pela China Road and Bridge Cooperation.

Logo na saída de Dushanbe, quando eu seguia em direção à Rodovia Pamir, vi uma intersecção rodoviária de múltiplos níveis construída com um empréstimo do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, e outro do Banco Asiático de Investimento em infraestrutura (AIIB).

O que vi, na verdade, foi a história sendo feita. Esse foi o primeiro empréstimo do AIIB para um projeto de desenvolvimento. Haverá muitos outros, à medida que a conectividade entre a China e seus vizinhos 'istão' vá se tornando cada vez mais intensa.

Tradução de Patricia Zimbres

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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