Plutocracia.com


Chegou a hora de uma paz abrangente no Oriente Médio

O ataque ao Irã comprova mais uma vez a futilidade e o niilismo da abordagem de Netanyahu. Os ataques israelenses e dos EUA não realizaram nada de positivo

por Jeffrey D. Sachs e Sybil Fares (pt-BR) | Common Dreams

Brasil 247 - 1 de julho, 2025

https://www.brasil247.com/blog/chegou-a-hora-de-uma-paz-abrangente-no-oriente-medio

https://plutocracia.com/imagens/ataques_Israel_Gaza_commom_dreams_9out2023.webp
Um homem lamenta ataques aéreos israelitas na Cidade de Gaza, Gaza, em 9 de outubro de 2023.(Foto: Belal Khaled/Agência Anadolu via Getty Images), Fonte: Common Dreams

O ataque de Israel e dos EUA ao Irã teve dois efeitos significativos. Primeiro, expôs mais uma vez a causa-raiz da turbulência na região: o projeto de Israel de “reconfigurar o Oriente Médio” por meio de mudanças de regime, com o objetivo de manter a sua dominação e bloquear a criação de um Estado palestino. Segundo, destacou a futilidade e a imprudência dessa estratégia. O único caminho para a paz é um acordo abrangente que aborde a criação do Estado da Palestina, a segurança de Israel, o programa nuclear pacífico do Irã e a recuperação econômica da região.

Israel quer derrubar o governo iraniano porque o Irã tem apoiado aliados e atores não-estatais alinhados com os palestinos. Israel também tem sistematicamente sabotado a diplomacia entre EUA e Irã em relação ao programa nuclear iraniano.

Em vez de guerras intermináveis, a segurança de Israel pode ser assegurada por dois passos diplomáticos fundamentais — o fim do conflito armado com o estabelecimento de um Estado palestino com garantias do Conselho de Segurança da ONU, e o fim das sanções contra o Irã em troca de um programa nuclear pacífico e verificável.

A recusa do governo de extrema-direita de Israel em aceitar um Estado palestino é a raiz do problema.

Quando o império britânico prometeu uma pátria judaica na Palestina sob Mandato Britânico em 1917, os árabes palestinos constituíam 90% da população, e os judeus menos de 10%. Em 1947, com intensa pressão dos EUA, a Assembleia Geral da ONU votou para conceder 56% da Palestina a um novo Estado sionista, mesmo os judeus representando apenas 33% da população. Os palestinos rejeitaram isso como uma violação do seu direito à autodeterminação. Após a guerra de 1948, Israel expandiu-se para 78% da Palestina, e em 1967, ocupou os 22% restantes — Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã.

Em vez de devolver os territórios ocupados em troca da paz, os políticos da direita israelense insistiram no controle permanente de 100% das terras, com a carta fundadora do Likud declarando, em 1977, que haveria apenas soberania israelense “entre o Mar e o Jordão”.

Netanyahu representa essa política de dominação — e tem exercido o cargo de primeiro-ministro por um total de 17 anos desde 1996. Quando chegou ao poder, ele e seus aliados neoconservadores nos EUA elaboraram a estratégia “Clean Break” (“Rompimento Limpo”) para bloquear a criação de um Estado palestino. Em vez de buscar terras em troca de paz, Israel passou a visar a reconfiguração do Oriente Médio por meio da derrubada de governos que apoiavam a causa palestina. Os EUA seriam o parceiro executor dessa estratégia.

Foi exatamente isso que aconteceu após o 11 de Setembro, com os EUA liderando ou patrocinando guerras contra o Iraque (invasão em 2003), Líbano (financiando e armando agressões israelenses), Líbia (bombardeios da OTAN em 2011), Síria (operações da CIA nos anos 2010), Sudão (apoio a rebeldes para dividir o país em 2011) e Somália (apoio à invasão da Etiópia em 2006).

Ao contrário das promessas falsas feitas por Netanyahu ao Congresso dos EUA em 2002 — de que a mudança de regime no Iraque traria um novo amanhecer para o Oriente Médio — a guerra de 2003 no Iraque prenunciou os eventos que se seguiriam por toda a região. O Iraque mergulhou no caos, e desde então, cada nova guerra trouxe morte, destruição e desorganização econômica.

Neste mês, Israel atacou o Irã mesmo enquanto estavam em andamento negociações entre Irã e EUA para garantir o uso pacífico do programa nuclear iraniano — repetindo a mesma propaganda sobre armas de destruição em massa que Netanyahu usou para justificar a guerra do Iraque.

Israel vem alegando há mais de 30 anos que o Irã está prestes a adquirir armas nucleares. No entanto, em 18 de junho de 2025, o diretor-geral da AIEA afirmou que “não há prova de um esforço sistemático” por parte do Irã para desenvolver armas nucleares. Mais importante ainda, Irã e EUA estavam engajados ativamente em negociações segundo as quais a AIEA monitoraria e verificaria o caráter pacífico do programa nuclear iraniano.

O ataque ao Irã comprova mais uma vez a futilidade e o niilismo da abordagem de Netanyahu. Os ataques israelenses e dos EUA não realizaram nada de positivo. De acordo com a maioria dos analistas, o urânio enriquecido do Irã permanece intacto, mas agora está em local secreto, fora do monitoramento da AIEA. Enquanto isso, com o genocídio em curso de Israel em Gaza – nem a paz nem a segurança foram alcançadas.

Israel arrastou a região a uma faixa de violência de 4.000 km, do Irã à Líbia, por meio de ações imprudentes, ilegais e belicistas, todas voltadas, em última instância, para impedir a criação de um Estado palestino, “reformando” o Oriente Médio.

A solução é clara: chegou a hora de os Estados Unidos reconhecerem que os seus próprios interesses estratégicos exigem uma ruptura decisiva com a parceria na estratégia destrutiva de Israel.

Priorizar uma paz genuína no Oriente Médio não é apenas um imperativo moral, mas também um interesse fundamental dos EUA — algo que só poderá ser alcançado por meio de um acordo de paz abrangente. O pilar central desse acordo é os EUA abrirem mão do seu veto à criação de um Estado palestino com as fronteiras de 4 de junho de 1967, e fazê-lo desde o início, não em um futuro vago e distante que nunca chega.

Há mais de 20 anos, as nações árabes apoiam um plano prático de paz. O mesmo vale para a Organização de Cooperação Islâmica (OCI), com seus 57 países-membros, e para a Liga dos Estados Árabes (LEA), com seus 22 membros. O mesmo vale para quase todas as nações da Assembleia Geral da ONU. E também para a Corte Internacional de Justiça, que em sua decisão de 2024 declarou ilegal a ocupação israelense. Apenas Israel, com o apoio do veto dos EUA, tem se mantido no caminho.

Eis um plano de paz em sete pontos, no qual todas as partes sairiam ganhando. Israel conquistaria paz e segurança. A Palestina, a sua soberania. O Irã teria o fim das sanções econômicas. Os EUA poriam fim a guerras ilegais e dispendiosas travadas em nome de Israel, além de evitar o risco de proliferação nuclear caso a violência continue. O Oriente Médio ganharia desenvolvimento econômico, segurança e justiça.

– Primeiro, um cessar-fogo imediato entraria em vigor em toda a região – incluindo a libertação imediata de todos os reféns e prisioneiros.

– Segundo, o Conselho de Segurança da ONU votaria desde já para acolher a Palestina como o 194º Estado-Membro das Nações Unidas com as fronteiras de 4 de junho de 1967, e Jerusalém Oriental como a sua capital. Israel e Palestina poderiam, posteriormente, acordar ajustes de fronteira de comum interesse.

– Terceiro, Israel se retiraria de todos os territórios ocupados desde 1967. Forças internacionais mandatadas pela ONU garantiriam uma transição pacífica e ordenada, a transferência dos territórios palestinos às autoridades palestinas, e segurança mútua tanto para Israel quanto para a Palestina.

– Quarto, a integridade territorial e a soberania seriam garantidas para o Líbano, a Síria e todos os Estados da região. Todos os grupos armados não-estatais seriam desmilitarizados, e tropas estrangeiras seriam retiradas.

– Quinto, o Conselho de Segurança da ONU adotaria um novo acordo nuclear com o Irã, incluindo mecanismos obrigatórios de verificação, e com todas as sanções econômicas suspensas mediante a comprovação do uso pacífico do programa nuclear iraniano.

– Sexto, Israel e todos os Estados árabes e islâmicos estabeleceriam plenas relações diplomáticas após a admissão do Estado da Palestina como membro da ONU.

– Sétimo, as nações do Oriente Médio criariam um fundo internacional para reconstrução das regiões devastadas pela guerra no Líbano, Síria e Palestina, com contribuições tanto internas quanto de fontes externas.

Jeffrey D. Sachs é Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

https://www.brasil247.com/blog/chegou-a-hora-de-uma-paz-abrangente-no-oriente-medio


Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias
Regras da Comunidade

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do site.

| Capa | Artigos | Termo de Responsabilidade | Contacto |