"Os oito anos da 'primavera' na Líbia"
por Ana Laura Palomino García
Nova Cultura - 5 de abril, 2019
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Em 2011, o Oriente Médio sofreu uma reconfiguração de seu mapa político por meio de protestos estimulados a partir do exterior e intervenções disfarçadas de ajuda. Esta série de eventos ficou na história como «Primavera Árabe». No entanto, a semelhança com a palavra que se refere a um dos momentos mais festivos do ano é apenas na nomenclatura, porque esta região geográfica tem sido atingida, desde então, por contínua crises internas, resultando em um clima de permanente instabilidade.
Nessa situação vive a Líbia, uma nação que por quatro décadas percorreu caminhos de estabilidade e progresso nas mãos do presidente Muammar Gaddafi, líder que promoveu o desenvolvimento social e econômico neste país norte-africano.
O que aconteceu? Uma fórmula precisa de manipulação, mentiras e «intervenção humanitária» projetada pelo governo dos Estados Unidos e apoiada pela União Européia (UE) foi aplicada contra a Líbia, o que parece suspeitamente familiar com a situação enfrentada pelo povo venezuelano hoje.
As forças da oposição receberam armas para combater o exército da Líbia, com a ajuda da mídia foi construído um conflito que, como era conhecido, teve como palco real de desenvolvimento alguns estúdios de cinema e televisão, extras contratados, figuras de enchimento, onde foram filmados combates, massacres, bombardeios, no estilo do cinema de Hollywood, conseguindo assim o pretexto necessário que «justificasse» a intervenção do par EUA-OTAN, sob o manto de «preservar as vidas humanas».
Surgiram blogueiros inventados, os que escreviam supostamente a partir de Trípoli, sobre os eventos em tempo real, mas meses após a conclusão da encenação sabia-se que a grande maioria desse «jornalismo cidadão» era feito a milhares de quilômetros de distância da terra líbia, a partir de salões confortáveis em Londres, Nova York ou Berlim.
Para semear o caos, os grandes meios de comunicação em nível internacional realizaram uma «mitificação» do presidente líbio, espalhando-se que ele governou através da chantagem e a humilhação.
Essa imagem distorcida, iniciada com notícias falsas sobre a execução de civis no confronto entre o exército de Gaddafi e as milícias, foi amplificada por grandes jornais e publicações de direita, o que fez com que a validação fosse maior.
Todas essas fraudes responderam à simples razão de que neste país estão as maiores reservas de petróleo leve na África e as companhias petrolíferas ocidentais queriam aproveitá-las. Também há alguns meses, Gaddafi havia instado os países africanos e muçulmanos a adotar uma moeda única: o dinar de ouro. Dessa forma, o dólar teria sido excluído, ameaçando as moedas do império.
Mas a verdade não tem nada a ver com essa história. A montagem da mídia, juntada à ação do bombardeio norte-americano e da OTAN não apenas acabou com a vida do líder líbio, como também transformou a nação no estado fracassado que ainda é hoje.
QUARENTA ANOS DE PAZ
A Líbia foi uma colônia italiana até a Segunda Guerra Mundial, na qual, por acordo de potências como a Grã-Bretanha e França, e as Nações Unidas, foi administrada por ambos os países. Os britânicos governaram os destinos das regiões da Cirenaica e da Tripolitânia, e os franceses ocuparam a área de El Pezzan, até 1951, quando a nação conseguiu sua independência.
No entanto, até que em 1969 Gaddafi derrubou a monarquia do rei Idris, o povo daquele país viveu em condições difíceis, com baixos índices de desenvolvimento, como bem explica um artigo intitulado «Líbia segundo a ONU e a dura realidade», de Thierry Meyssan, jornalista e ativista político francês, onde argumenta, entre outros elementos, que apenas 250.000 habitantes do total de 4 milhões sabiam ler e escrever.
Com a independência e subsequente construção de um Estado caracterizado por suas conquistas sociais, a Líbia alcançou uma das mais altas taxas de desenvolvimento humano e o maior PIB nominal per capita da África.
Várias fontes referem que Gaddafi levou o seu país a ser um exemplo para a África e o mundo árabe, unificando a nação e criando instituições e ministérios para fortalecer a ordem institucional.
O movimento promovido pelo presidente ficou conhecido como «A Revolução Verde» e teve entre suas realizações o início de uma reforma agrária, a promoção de um sistema previdenciário, tornando a saúde acessível a todos e que os benefícios de recursos como o petróleo pudessem ser realmente aproveitados pelo povo.
Para atingir esse objetivo, o governo líbio nacionalizou a chamada indústria do «ouro negro», utilizando essas grandes receitas para subsidiar direitos humanos mínimos, como acesso à água potável ou a educação, que antigamente eram considerados verdadeiros luxos.
O líder líbio permitiu que os camponeses que queriam cultivar sua própria terra o fizessem, e o Estado também os ajudou a alcançá-lo. Da mesma forma, promoveu a habitação como um direito de todos, assim como o acesso à eletricidade.
De acordo com a Telesul, empréstimos de qualquer espécie tinham taxas de juros de zero por cento e o Banco Central da Líbia era uma instituição soberana a serviço dos cidadãos.
Gaddafi trabalhou pela cooperação dos países africanos através da União Africana (UA), fundada em maio de 2001, com o objetivo de encontrar uma maneira de fortalecer esses países, sem a intervenção das potências ocidentais.
ADEUS À DEMOCRACIA
El País, um conhecido jornal espanhol, incluiu em muitos artigos a visão de um Gaddafi obcecado por poder e sexo. No entanto, em 2016, cinco anos após seu desaparecimento físico, eles tiveram que aceitar e publicar que a Líbia está vivendo um verdadeiro pesadelo, onde o povo era o menos importante.
Um exemplo disso é a instabilidade política. Atualmente, a Líbia tem até três governos, dois na capital, competindo pela liderança no oeste do país, e outro em Tobruk, que domina as regiões orientais e controla os principais recursos petrolíferos.
Por outro lado, o especialista no tópico Usef Shakir comenta para a Sputnik que «a Líbia costumava ser segura e estável: o Estado funcionava bem, o país estava se desenvolvendo. Anos depois, o país está submerso no caos e no terror. Algumas de suas cidades permanecem sob o controle de grupos armados. Podemos deduzir que a Líbia degenerou de um país soberano para uma mistura de agrupamentos fragmentados».
Deve-se notar que desde 2011 mais de 5.000 pessoas perderam a vida e quase um milhão fugiu de suas casas por medo e insegurança. Além disso, as exportações de petróleo bruto caíram 90% e as perdas de seu PIB estão registradas em cerca de 200 bilhões de euros, nos últimos oito anos, segundo dados coletados pela Middle East Monitory.
Os direitos das mulheres, respeitados durante o governo do ex-presidente, são ultrajados sem o menor remorso. Segundo o site oficial da Anistia Internacional, «o conflito em curso é especialmente prejudicial para as mulheres, afetando desproporcionalmente seu direito à liberdade de movimento e a participação na vida política e pública».
A Líbia é um exemplo muito claro do que deixou ao mundo a intervenção militar dos Estados Unidos: o caos, a instabilidade política, a apropriação de recursos pelas transnacionais ocidentais e um «oásis» onde grupos terroristas, milícias locais e outros convergem, além de ser expoente do tráfico de seres humanos e extorsão para aqueles que chegam lá em busca de um caminho fácil para a Europa, através do mar Mediterrâneo.
NO CONTEXTO:
Em janeiro de 2011, vários países do Oriente Médio foram abalados por tumultos, revoltas, protestos e intervenções encobertas que resultaram na reconfiguração do mapa da região. Esses eventos foram chamados pelo Ocidente como «Primavera Árabe».
Começou com a chamada revolução tunisiana, cuja data de início é normalmente contada a partir da imolação de Mohamed Bouazizi, um menino de 26 anos que protestou contra a polícia, em 4 de janeiro de 2011.
Por trás de todas essas revoltas, logo se tornou visível a mão das potências ocidentais, como sempre, com os EUA e a França, entre outros países, à frente.
Um relatório de inteligência estrangeira, citado pelo jornalista e intelectual francês Thierry Meyssan, disse que em 4 de fevereiro de 2011 a OTAN organizou uma reunião no Cairo para iniciar a "Primavera Árabe" na Líbia e na Síria. Segundo o relatório, John McCain presidiu a reunião.
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