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Precisamos de falar antes que os propagandistas entrem em guerra com a China

por John Pilger (PT) | Marxism-Leninism Today

Pelo Socialismo - 10 de julho, 2023

https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/precisamos-de-falar-antes-que-os-258378

"… os Estados Unidos entraram em guerra com o mundo. De acordo com um relatório amplamente ignorado pelos Médicos pela Responsabilidade Social, Médicos pela Sobrevivência Global e Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear, que receberam o Prémio Nobel, o número de mortos na "guerra ao terror" dos Estados Unidos foi de "pelo menos" 1,3 milhões no Afeganistão, Iraque e Paquistão.


Onde estão as vozes que se manifestam contra o fascismo, a guerra e a propaganda?, pergunta o conhecido jornalista John Pilger enquanto analisa a última década de truques sujos perpetrados pelos Estados Unidos e os seus aliados.

Falem alto. Agora.

 

Em 1935, o Congresso de Escritores Americanos foi realizado em Nova York, seguido por outro dois anos depois. Foram convocadas " centenas de poetas, romancistas, dramaturgos, críticos, contistas e jornalistas" para discutir o "rápido desmoronamento do capitalismo" e os sinais de uma nova guerra. Eram acontecimentos elétricos que, segundo um relato, contaram com a presença de 3.500 pessoas e mais de mil  não conseguiram entrar para assistir.

 

Arthur Miller, Myra Page, Lillian Hellman, Dashiell Hammett alertaram para o facto de o fascismo estar a crescer, muitas vezes disfarçado,  e os escritores e jornalistas tinham a responsabilidade de falarem. Foram lidos telegramas de apoio de Thomas Mann, John Steinbeck, Ernest Hemingway, C. Day Lewis, Upton Sinclair e Albert Einstein.

 

A jornalista e romancista Martha Gellhorn defendeu os sem-abrigo e os desempregados, e "todos aqueles que vivem sob a sombra do grande poder violento".

 

Martha, que se tornou uma amiga próxima, contou-me mais tarde, à frente do seu habitual copo de Famous Grouse e refrigerante: "A responsabilidade que senti como jornalista foi imensa. Eu tinha testemunhado as injustiças e o sofrimento causados pela Depressão, e eu sabia, todos sabíamos, o que estava por vir se os silêncios não fossem quebrados."

 

As suas palavras ecoam pelos silêncios de hoje: são silêncios cheios de um consenso de propaganda que contamina quase tudo o que lemos, vemos e ouvimos. Vou dar um exemplo:

 

Em 7 de março, os dois jornais mais antigos da Austrália, o Sydney Morning Herald e o The Age, publicaram várias páginas sobre "a ameaça iminente" da China. Coloriram o Oceano Pacífico de vermelho. Os olhos chineses eram agressivos, belicosos e ameaçadores. O Perigo Amarelo estava prestes a cair como se fosse pela ação da gravidade.

 

Nenhuma razão lógica foi dada para um ataque da China à Austrália. Um "painel de especialistas" não apresentou evidências credíveis: um deles é um ex-diretor do Australian Strategic Policy Institute, uma frente do Departamento de Defesa em Camberra, do Pentágono em Washington, dos governos do Reino Unido, Japão e Taiwan e da indústria bélica do Ocidente.

 

"Pequim pode atacar dentro de três anos", alertaram. "Não estamos prontos."Devemos gastar milhares de milhões de dólares  em submarinos nucleares americanos, mas isso, ao que parece, não é suficiente. "As férias da história da Austrália acabaram": o que quer que isso possa significar.

 

Não há ameaça nenhuma para a Austrália. O longínquo país "sortudo" não tem inimigos, muito menos a China, seu maior parceiro comercial. No entanto, o ataque à China, que se baseia na longa história de racismo da Austrália em relação à Ásia, tornou-se uma espécie de desporto para os auto-classificados"especialistas". O que fazem os sino-australianos com isto? Muitos estão confusos e com medo.

 

Os autores dessa peça grotesca canina e  obsequiosa ao poder americano são Peter Hartcher e Matthew Knott, "repórteres de segurança nacional" ,  acho eu que  é isso que se lhes chama. Lembro-me de Hartcher e dos seus passeios pagos pelo governo israelita. O outro, Knott, é um porta-voz dos peticionários de Camberra. Nenhum dos dois jamais viu uma zona de guerra e os seus extremos de degradação e sofrimento humano.

 

"Como é que se chegou a isto?" diria Martha Gellhorn se estivesse aqui. "Onde estão as vozes dizendo não? Onde está a camaradagem?"

 

As vozes são ouvidas  neste site e noutros. Na literatura, nomes como John Steinbeck, Carson McCullers e George Orwell estão obsoletos. O pós-modernismo está no comando, agora. O liberalismo subiu a sua escada política. Uma outrora sonolenta social-democracia, a Austrália, promulgou uma teia de novas leis protegendo o poder secreto e autoritário e impedindo o direito de saber. Os delatores são bandidos, devem ser julgados em segredo. Uma lei especialmente sinistra proíbe a "interferência estrangeira" a quem trabalha para empresas estrangeiras. O que significa isto?

 

A democracia agora é uma noção; há a elite todo-poderosa das grandes empresas misturadas com o Estado e as exigências da "identidade". Os almirantes americanos recebem milhares de dólares por dia do contribuinte australiano por "conselhos". Em todo o Ocidente, a nossa imaginação política foi pacificada pelas Relações Públicas e distraída pelas intrigas de políticos corruptos e de rendimentos ultrabaixos: um Johnson ou um Trump ou um Sleepy Joe [Jo Biden] ou um Zelensky.

 

Nenhum congresso de escritores em 2023 se preocupa com o "capitalismo em ruínas" e as provocações letais dos "nossos" líderes. O mais infame deles, Blair, um criminoso  logo à primeira vista, segundo o Padrão de Nuremberga, é livre e rico. Julian Assange, que ousou dizer que os jornalistas deviam provar que os seus leitores tinham o direito de saber, está na sua segunda década de encarceramento.

 

A ascensão do fascismo na Europa é incontroversa. Ou "neonazismo" ou "nacionalismo extremo", como se preferir. A Ucrânia como colmeia fascista da Europa moderna viu ressurgir o culto a Stepan Bandera, o apaixonado antissemita e assassino em massa que elogiou a "política judaica" de Hitler, que massacrou  1,5 milhões de judeus ucranianos. "Vamos atirar as suas cabeças aos pés de Hitler", proclamava um panfleto banderista aos judeus ucranianos.

 

Hoje, Bandera é adorado como um herói no oeste da Ucrânia e dezenas de estátuas dele e dos seus amigos fascistas foram pagas pela UE e pelos EUA, substituindo as de gigantes culturais russos e outros que libertaram a Ucrânia dos nazis originais.

 

Em 2014, neonazis desempenharam um papel fundamental num golpe financiado pelos EUA contra o presidente eleito, Viktor Yanukovych, acusado de ser "pró-Moscovo". O regime golpista incluía proeminentes "nacionalistas extremistas" – nazis em tudo menos no nome.

 

A princípio, isto foi amplamente noticiado pela BBC e pela media europeia e americana. Em 2019, a revista Time deu  destaque às "milícias supremacistas brancas" ativas na Ucrânia. A NBC News noticiou: "O problema nazi na Ucrânia é real". A imolação de sindicalistas em Odessa foi filmada e documentada.

 

Liderados pelo regimento Azov, cuja insígnia, o "Wolfsangel", foi tornada infame pelas SS alemãs, os militares da Ucrânia invadiram a região oriental de Donbass, de língua russa. De acordo com as Nações Unidas, 14.000 pessoas no leste foram mortas. Sete anos depois, com as conferências de paz de Minsk sabotadas pelo Ocidente, como confessou Angela Merkel, o Exército Vermelho invadiu a Ucrânia.

 

Esta versão dos acontecimentos não foi relatada no Ocidente.  Fazê-lo é  logo ser considerado como um "apologista de Putin", independentemente de o escritor (como eu) ter condenado a invasão russa. Compreender a provocação extrema que constituiu para Moscovo uma fronteira armada pela NATO, a Ucrânia, a mesma fronteira por onde Hitler entrou,  é um anátema.

 

Jornalistas que viajaram para o Donbass foram silenciados ou mesmo perseguidos no seu próprio país. O jornalista alemão Patrik Baab perdeu o emprego e uma jovem repórter freelancer alemã, Alina Lipp,  viu a sua conta bancária sequestrada.

 

Na Grã-Bretanha, o silêncio da intelligentsia liberal é o silêncio da intimidação. Questões patrocinadas pelo Estado, como Ucrânia e Israel, devem ser evitadas se alguém quiser manter um emprego na universidade ou um lugar de professor. O que aconteceu com Jeremy Corbyn em 2019 repete-se em universidades onde opositores do apartheid de Israel são casualmente difamados como antissemitas.

 

O professor David Miller, ironicamente a principal autoridade do país em propaganda moderna, foi demitido pela Universidade de Bristol por sugerir publicamente que os "valores" de Israel na Grã-Bretanha e o seu lóbi político exerciam uma influência desproporcional em todo o mundo - um facto para o qual as evidências são volumosas.

 

A universidade contratou um chefe de Controlo de Qualidade para investigar o caso de forma independente. O seu relatório inocentou Miller da "importante questão da liberdade de expressão académica" e considerou que "os comentários do professor Miller não constituíam um discurso ilegal". No entanto, Bristol demitiu-o. A mensagem é clara: não importa a indignidade que cometa, Israel tem imunidade e os seus críticos devem ser punidos.

 

Há alguns anos, Terry Eagleton, então professor de literatura inglesa na Universidade de Manchester, avaliou que "pela primeira vez em dois séculos, não há nenhum poeta, dramaturgo ou romancista britânico eminente preparado para questionar os fundamentos do modo de vida ocidental".

 

Nenhum Shelley falou a favor pobres, nenhum Blake falou de sonhos utópicos, nenhum Byron condenou a corrupção da classe dominante, nenhum Thomas Carlyle ou John Ruskin revelou o desastre moral do capitalismo. William Morris, Oscar Wilde, HG Wells, George Bernard Shaw não tinham equivalentes hoje. Harold Pinter estava vivo então, "o último a levantar a voz", escreveu Eagleton.

 

De onde veio o pós-modernismo – a rejeição da política real e da dissidência autêntica? A publicação, em 1970, do best-seller de Charles Reich, The Greening of America, oferece uma pista. Os Estados Unidos estavam então em estado de convulsão; Nixon estava na Casa Branca, uma resistência civil, conhecida como "o movimento", tinha saído das margens da sociedade no meio de uma guerra que tocou quase todos. Em aliança com o movimento pelos direitos civis, representou o mais sério desafio ao poder de Washington num século.

 

Na capa do livro de Reich estavam estas palavras: "Há uma a revolução chegar. Não será como as revoluções do passado. Terá  origem no indivíduo".

 

Na época, eu era correspondente nos EUA e lembro-me  da elevação de Reich, um jovem académico de Yale, à condição de guru. A New Yorker Films tinha feito uma série de televisão sensacionalista do seu livro, cuja mensagem era que a "ação política e o apuramento da verdade" dos anos 1960 tinham fracassado e apenas a "cultura e a introspeção" mudariam o mundo. Parecia que o hippie estava a apelar às classes consumidoras. E em certo sentido estava.

 

Em poucos anos, o culto ao "eu-ismo" praticamente dominou a vontade de muitas pessoas de agirem em conjunto, os desejos de justiça social e internacionalismo. Classe, género e raça foram separados. O indivíduo era o político e a comunicação social era a mensagem. Ganhem dinheiro, dizia essa corrente de ideias.

 

Quanto ao "movimento", à sua esperança e às suas canções, os anos de Ronald Reagan e Bill Clinton puseram fim a tudo isso. A polícia estava agora em guerra aberta com os negros; os famigerados projetos de lei de bem-estar social de Clinton quebraram recordes mundiais no número de negros, na sua maioria, enviados para a cadeia.

 

Quando o 11 de setembro aconteceu, a fabricação de novas "ameaças" na "fronteira da América" (como o Projeto para um Novo Século Americano chamava ao mundo) completou a desorientação política daqueles que, 20 anos antes, teriam formado uma oposição veemente.

 

Nos anos seguintes, os Estados Unidos entraram em guerra com o mundo. De acordo com um relatório amplamente ignorado pelos Médicos pela Responsabilidade Social, Médicos pela Sobrevivência Global e Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear, que receberam o Prémio Nobel, o número de mortos na "guerra ao terror" dos Estados Unidos foi de "pelo menos" 1,3 milhões no Afeganistão, Iraque e Paquistão.

 

Este número não inclui os mortos de guerras lideradas e alimentadas pelos EUA no Iémen, Líbia, Síria, Somália e outras. O número real, segundo o relatório, "pode muito bem ser superior a 2 milhões [ou] aproximadamente 10 vezes maior do que aquele que o público, os especialistas e decisores estão cientes e [é] propagado pela media e pelas principais ONG”.   

 

"Pelo menos" um milhão de pessoas foram mortas no Iraque, dizem os médicos, ou seja, cinco por cento da população.

 

A enormidade dessa violência e sofrimento parece não ter lugar na consciência ocidental. "Ninguém sabe quantos" é o refrão mediático. Blair e George W. Bush — e Straw, Cheney ,Powell e Rumsfeld  e tantos outros — nunca estiveram em perigo de serem processados. O maestro da propaganda de Blair, Alistair Campbell, é celebrado como uma "personalidade da media".

 

Em 2003, filmei uma entrevista em Washington com Charles Lewis, o aclamado jornalista de investigação. Discutimos a invasão do Iraque alguns meses antes. Perguntei-lhe: "E se os meios de comunicação constitucionalmente mais livres do mundo tivessem desafiado seriamente George W. Bush e Donald Rumsfeld e investigado as suas alegações, em vez de espalhar o que acabou por ser propaganda grosseira?"

 

Ele respondeu. "Se nós, jornalistas, tivéssemos feito o nosso trabalho, há uma  hipótese muito, muito boa de não ter havido a guerra no Iraque."

 

Fiz a mesma pergunta a Dan Rather, o famoso pivô da CBS, que me deu a mesma resposta. David Rose, do Observer, que tinha promovido a "ameaça" de Saddam Hussein, e Rageh Omaar, o então correspondente da BBC no Iraque, deram-me a mesma resposta. O admirável arrependimento de Rose por ter sido "enganado" falou por muitos repórteres desprovidos da sua coragem para dizer aquilo.

 

Vale a pena repetir a sua afirmação. Se os jornalistas tivessem feito o seu trabalho, se tivessem questionado e investigado a propaganda em vez de a amplificarem, um milhão de homens, mulheres e crianças iraquianos poderiam estar vivos hoje; milhões poderiam não ter fugido de suas casas; a guerra sectária entre sunitas e xiitas podia não ter começado, e o Estado Islâmico podia não ter existido.

 

Aplique-se essa verdade às guerras vorazes, desde 1945, desencadeadas pelos Estados Unidos e seus "aliados" e a conclusão é de tirar o fôlego. Isto alguma vez foi abordado nas escolas de jornalismo?

 

Hoje, a guerra pela media é uma tarefa fundamental do chamado jornalismo do sistema, lembrando a que foi descrita por um procurador de Nuremberga em 1945: "Antes de cada grande agressão, com algumas poucas exceções baseadas na conveniência, foi iniciada uma campanha de imprensa calculada para enfraquecer as suas vítimas e preparar psicologicamente o povo alemão... No sistema de propaganda... era a imprensa diária e a rádio que eram as armas mais importantes".

 

Uma das vertentes persistentes na vida política dos EUA é um extremismo cultivado que se aproxima do fascismo. Embora Trump tenha recebido os créditos por isso, foi durante os dois mandatos de Obama que a política externa dos EUA namorou seriamente o fascismo. Isso quase nunca foi relatado.

 

"Acredito no excecionalismo americano com todas as fibras do meu ser", disse Obama, que  desenvolveu  um passatempo presidencial favorito -  bombardeamentos e esquadrões da morte conhecidos como "operações especiais", como nenhum outro presidente tinha feito desde a primeira Guerra Fria.

 

De acordo com uma pesquisa do Conselho para as Relações Externas, em 2016, Obama lançou 26.171 bombas. São 72 bombas por dia. Ele bombardeou as pessoas mais pobres e as pessoas de cor: no Afeganistão, na Líbia, no Iémen, na Somália, na Síria, no Iraque, no Paquistão.

 

Todas as terças-feiras – noticiou o New York Times – ele selecionava pessoalmente aqueles que seriam assassinados por mísseis infernais disparados de drones. Casamentos, funerais, pastores foram atacados, juntamente com aqueles que tentavam recolher as partes do corpo que enfeitariam o "alvo terrorista".

 

Um importante senador republicano, Lindsey Graham, calculou, aprovando, que os drones de Obama mataram 4.700 pessoas. "Às vezes bate-se em pessoas inocentes e eu odeio isso", disse ele, mas matámos alguns membros muito experientes da Al Qaeda.

 

Em 2011, Obama disse à media que o presidente líbio Muammar Kadafi estava a planear um "genocídio" contra o seu próprio povo. "Sabíamos...", disse ele, "que se esperássemos mais um dia, Benghazi, uma cidade do tamanho de Charlotte [Carolina do Norte], poderia sofrer um massacre que se repercutiria  em toda a região e mancharia a consciência do mundo".

 

Isso era mentira. A única "ameaça" era a derrota dos islamistas fanáticos pelas forças do governo líbio. Com os seus planos para um renascimento do pan-africanismo independente, um banco africano e uma moeda africana, tudo financiado pelo petróleo líbio, Kadafi foi classificado como um inimigo do colonialismo ocidental no continente em que a Líbia era o segundo Estado mais moderno.

 

Destruir a "ameaça" de Kadhafi e do seu Estado moderno era o objetivo. Apoiada pelos EUA, Reino Unido e França, a NATO lançou 9 700 ataques contra a Líbia. Um terço foi direcionado para alvos civis e infraestruturas, informou a ONU. Foram utilizadas ogivas de urânio; as cidades de Misrata e Sirte foram bombardeadas. A Cruz Vermelha identificou valas comuns e a Unicef informou que "a maioria [das crianças mortas] tinha menos de dez anos".

 

Quando Hillary Clinton, secretária de Estado de Obama, foi informada de que Khadafi tinha sido capturado pelos insurretos e sodomizado com uma faca, riu-se e disse à câmara: "Nós chegámos, vimos, ele morreu!"

 

Em 14 de setembro de 2016, o Comité de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns, em Londres, informou a conclusão de um estudo de um ano sobre o ataque da NATO à Líbia, que descreveu como uma "série de mentiras" - incluindo a história do massacre de Benghazi.

 

Os bombardeamentos da NATO mergulharam a Líbia num desastre humanitário, matando milhares de pessoas e deslocando centenas de milhares de outras, transformando a Líbia do país africano com o mais alto padrão de vida num Estado falido devastado pela guerra.

Com   Obama, os EUA estenderam operações secretas de "forças especiais" a 138 países, ou 70% da população mundial. O primeiro presidente afro-americano lançou o que equivalia a uma invasão em grande escala da África.

 

Lembrando a Corrida pela África no século XIX, o Comando Africano dos EUA (Africom), desde então, construiu uma rede de  lacaios entre regimes africanos colaboracionistas ávidos de subornos e armamentos americanos. A doutrina "soldado para soldado" da Africom incorpora oficiais dos EUA em todos os níveis de comando, de general a subtenente. Faltam apenas  os capacetes coloniais.

 

É como se a orgulhosa história de libertação da África, de Patrice Lumumba a Nelson Mandela, tivesse sido votada ao esquecimento pela elite colonial negra de um novo mestre branco. A "missão histórica" desta elite, advertiu o conhecedor Frantz Fanon, é a promoção de "um capitalismo desenfreado, embora camuflado".

 

No ano em que a NATO invadiu a Líbia, em 2011, Obama anunciou o que ficou conhecido como o "pivô para a Ásia". Quase dois terços das forças navais dos EUA seriam transferidos para a Ásia-Pacífico para "enfrentar a ameaça da China", nas palavras de seu secretário de Defesa.

 

Não havia ameaça da China; havia uma ameaça dos Estados Unidos à China; cerca de 400 bases militares americanas formaram um arco ao longo do contorno do coração industrial da China, que um funcionário do Pentágono descreveu como um "laço".

 

Ao mesmo tempo, Obama colocou mísseis no Leste Europeu visando a Rússia. Foi o beatificado que recebeu o Prémio Nobel da Paz que aumentou os gastos com ogivas nucleares para um nível superior ao de qualquer administração norte-americana desde a Guerra Fria – tendo prometido, num discurso emocionado no centro de Praga em 2009, "ajudar a livrar o mundo das armas nucleares".

 

Obama e o seu governo sabiam muito bem que o golpe,  que a sua secretária de Estado adjunta, Victoria Nuland, foi enviada para supervisionar, contra o governo da Ucrânia em 2014, provocaria uma resposta russa e provavelmente levaria à guerra. E assim foi.

 

Escrevo isto no dia 30 de abril, aniversário do último dia da guerra mais longa do século XX, no Vietname, de que fui repórter. Eu era muito jovem quando cheguei a Saigão e aprendi muito. Aprendi a reconhecer o zumbido característico dos motores dos gigantes B-52, que descarregaram a sua carnificina acima das nuvens e não pouparam nada nem ninguém; aprendi a não me afastar diante de uma árvore carbonizada enfeitada com partes humanas; aprendi a valorizar a bondade como nunca antes soubera; aprendi que Joseph Heller estava certo no seu magistral Catch-22: que a guerra não era adequada para pessoas sãs; e aprendi como se fazia a "nossa" propaganda.

 

Durante toda essa guerra, a propaganda dizia que um Vietname vitorioso espalharia a sua doença comunista para o resto da Ásia, permitindo que o Grande Perigo Amarelo, a norte, a varresse. Os países cairiam como "dominós".

 

O Vietname de Ho Chi Minh saiu vitorioso, e nada daquilo aconteceu. Em vez disso, a civilização vietnamita floresceu, notavelmente, apesar do preço que pagaram: três milhões de mortos. Os mutilados, os deformados, os viciados, os envenenados, os perdidos.

 

Se os atuais propagandistas conseguirem a sua guerra com a China, isso será uma pequena parte  do que está por vir. Falemos alto.

Tradução de TAM

John Pilger nasceu em Bondi na área metropolitana de Sydney, Austrália, 9 de outubro 1939. A carreira de Pilger como repórter começou em 1958; ao longo dos anos tornou-se famoso pelos artigos, livros e documentários que escreveu e/ou produziu. O o seu jornalismo investigativo já mereceu vários galardões, tais como a atribuição, por duas vezes, do prêmio de Britain’s Journalist of the Year Award na área dos Direitos Humanos.

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