Plutocracia.com

Bookmark and Share

A questão nuclear iraniana em ponto de inflexão

por M. K. Bhadrakumar | Indian Punchline

Resistir.info - 30 de setembro, 2019

https://www.resistir.info/irao/bhadrakumar_30set19.html


O Combined Air and Space Operations Centre (CAOC) é responsável pelo comando e controle do poder aéreo dos EUA em todo o Iraque, Síria, Afeganistão e 17 outros países

O inesperado movimento do Pentágono de retirar o Combined Air and Space Operations Center (CAOC) da Base Aérea al-Udeid no Qatar, mudando-o para a Base Aérea Shaw na Carolina do Sul, a 11 mil quilómetros do Médio Oriente, verificou-se contra o pano de fundo das tempestades que se acumulam no ambiente regional. Isto injecta uma atmosfera de crise na política regional.

Para colocar o movimento do Pentágono em perspectiva, além de abrigar forças qataris a base também abriga a 379th Air Expeditionary Wing da US Air Force. Outros militares dos EUA também têm estado activos no país, incluindo os SEALS da US Navy. A instalação é igualmente utilizada pela Royal Air Force britânica. A base al-Udeid é uma das poucas bases aéreas além mar em que bombardeiros B-52, o maior avião de guerra dos EUA, podem aterrar devido a pistas longas.

Não é a primeira vez que os EUA relocalizam temporariamente o CAOC. A última vez que isto aconteceu foi há 13 anos atrás. Quando irromperam tensões entre o Qatar e a Arábia Saudita, houve mesmo conversas acerca da relocalização do Comando Central fora do Qatar.

Contudo, no cenário actual, o movimento do Pentágono está sem dúvida relacionado à subida de tensões com o Irão. Se surgisse uma pressão e um conflito pleno entre os EUA e o Irão, o CAOC seria um dos alvos prioritários do Irão. O CAOC é tão crítico para fornecer poder de fogo às forças americanas que operam na região que o Pentágono não pode assumir riscos. O comandante estado-unidense do 609º Centro de Operações Aéreas e Espaciais foi citado a dizer: "O Irão indicou múltiplas vezes, através de várias fontes, sua intenção de atacar as forças dos EUA".

Quão graves são as perspectivas de um conflito militar EUA-Irão? O presidente Hassan Rouhani revelou, após o seu retorno a Teerão vindo de Nova York, que os dois lados estiveram incrivelmente perto de uma reunião cimeira à margem da Assembleia Geral da ONU em Nova York na semana passada. Rouhani disse:

"Eles (os americanos) enviaram mensagens a quase todos os líderes europeus e não europeus de que desejavam negociações um-a-um entre os dois presidentes, mas nós rejeitámos isto dizendo que as negociações tinham de ser feitas no quadro do P5+1, e eles aceitaram".

"É claro que 3 dos 6 países, ou seja, a chanceler da Alemanha, o primeiro ministro da Grã-Bretanha e o presidente da França, todos insistiram na realização da reunião, dizendo que os EUA levantariam todas as sanções. Mas o problema aqui é que, sob sanções e pressão máxima, mesmo que desejemos negociar com os americanos no âmbito do P5+1, ninguém pode prever o fim e o resultado da negociação".

Significativamente, na última quinta-feira, durante a AG da ONU em Nova York, o príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman (MbS), também falou com visível comedimento numa rara entrevista ao "60 Minutos" da CBS. Mbs advertiu: "Se o mundo não tomar uma acção forte e firme para deter o Irão, veremos novas escaladas que ameaçarão os interesses mundiais. Abastecimentos de petróleo serão interrompidos e os preços do barril saltarão para alturas inimagináveis que nunca vimos". E ele prosseguiu a dizer que uma "solução política e pacífica é muito melhor do que uma militar".

Significativamente, ele foi categórico em que deveria haver uma reunião cimeira estado-unidense-iraniana e acrescentou "isto é o que todos nós pedimos". A sabedoria convencional é de que a Arábia Saudita está petrificada a fim de que os EUA possam se envolver directamente com o Irão. Mas aparentemente isso não é o caso.

Sem dúvida, a visita do presidente russo, Vladimir Putin, à Arábia Saudita em Outubro será intensamente observada. Antes da visita saudita, Putin estará a reunir-se com Rouhani à margem da cimeira da União Económica Euro-asiática (EAEU) em Iereván, dia 1 de Outubro, quando a situação regional e o acordo nuclear do Irão certamente estarão na agenda de discussão.

Isto também é um momento definidor nas relações russo-iranianas, pois o Irão está prestes a assinar o acordo formal para aderir à zona de livre comércio com a EAEU, o qual naturalmente é um projecto prestigioso do Kremlin.

Moscovo está cautelosamente optimista em que "Possivelmente alcançaremos alguma solução positiva (sobre o acordo nuclear de 2015) ao longo do vários meses pela frente, ou do contrário a situação continuará a piorar", para citar o representante da Rússia em organizações internacionais em Viena, Mikhail Ulyanov, durante uma conferência de imprensa na sexta-feira para destacar que a questão nuclear do Irão está a aproximar-se de um ponto de inflexão.

Mas o Irão está potencialmente a mover-se gradualmente no seu caminho de regresso no negócios das armas nucleares, com um quarto passo que deve ser tomada no início de Novembro para reduzir seus compromissos sob o acordo de 2015. Uma notícia do Guardian na semana passada dizia que a União Europeia “advertiu o Irão em privado que será forçada a começar a se retirar do acordo nuclear em Novembro, se Teerão avançar com sua ameaça de dar novos passos para distanciar-se do acordo… A UE disse ao Irão que colocaria a questão do não cumprimento iraniano no mecanismo formal de disputa do acordo se o próximo afastamento iraniano do acordo for significativo... Uma vez accionado o mecanismo de disputa do acordo, os dois lados terão 30 dias para provar o não cumprimento significativo e, se necessário, ocorrerá um rápido reajuste mundial das sanções".

A notícia do Guardian esclareceu o dilema europeu nas seguintes linhas: "A dificuldade é que o Irão diz que as medidas são reversíveis, mas se eles aprenderem acerca da construção de uma bomba nuclear, isso é irreversível".

O Irão não encontra mais o apoio que esperava na Europa e poderia ser susceptível a ampla censura. Inversamente, os EUA estão a ter a oportunidade de restaurar um pouco de credibilidade com seus aliados e a comunidade internacional, o que ampliaria a pressão sobre o Irão.

Por outro lado, uma mudança de opinião de Trump está a tornar-se mais difícil no crescente tumulto dos processos de impeachment. Mas, embora ele pareça ter-se barricado, ainda lhe cabe propor ao Irão que a retomada do cumprimento do acordo de 2015 seria recebida com benefícios concretos, como o pacote de resgate de US$15 mil milhões proposto pelo presidente da França, Emmanuel Macron.

Não é de excluir esta mudança de eventos entre este momento e Novembro. Após a AG da ONU, Trump deu a entender a vontade de negociar. Ele disse na sexta-feira: "Não quero conflito militar. Nós nos oferecemos para conversar, nos oferecemos para discutir coisas... Mostrei grande contenção e espero que o Irão também escolha a paz".

É dentro destes vastos parâmetros que os eventos podem desdobrar-se nos próximos meses. Enquanto isso, o Pentágono está a fazer planeamento antecipado ao mudar o CAOC para longe da zona de conflito.

Melkulangara Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Deccan Herald e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante comunista do Kerala.

https://www.resistir.info/irao/bhadrakumar_30set19.html


Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias
Regras da Comunidade

Lista de artigos

e-mail: info@plutocracia.com
http://plutocracia.com/

| Termo de Responsabilidade |