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O que significam as sanções contra Rússia e China

Por Pepe Escobar | Asia Times

Blog do Alok - 18 de Outubro, 2018

http://blogdoalok.blogspot.com/2018/10/o-que-significam-as-sancoes-contra.html

Um relatório crucial do Pentágono sobre a base industrial e a "resiliência da cadeia de suprimentos" da Defesa dos EUA acusa a China de "expansão militar" e de conduzir "uma estratégia de agressão econômica", principalmente porque Pequim é a única fonte de "vários produtos químicos usados em munições" e mísseis.

A Rússia é mencionada apenas uma vez, mas em um parágrafo crucial: como o país que mais “ameaça”, ao lado da China, a indústria de defesa dos EUA.

O Pentágono, nesse relatório, pode não estar advogando guerra total contra ambas, Rússia e China – como se interpretou em algumas áreas. O que o Pentágono faz é configurar a guerra comercial contra a China como ainda mais incandescente, ao mesmo tempo em que expõe os reais motivos por trás das sanções contra a Rússia.

O Departamento de Comércio dos EUA impôs sanções” a 12 empresas russas, acusadas de “agir contra interesses da segurança nacional ou da política exterior dos EUA”. Na prática, significa que as empresas norte-americanas não podem exportar produtos

“dual-use” [lit. “de uso duplo”, civil e militar][1] para qualquer das empresas russas sancionadas.

Há razões muito claras por trás dessas sanções – e nada têm a ver com segurança nacional. Trata-se, aí, de mera competição em “livre mercado”.

No olho dessa tempestade está o jato para passageiros Irkut MC-21 – o primeiro no mundo, com capacidade para mais de 130 passageiros, a ter asas construídas de materiais compósitos.

AeroComposit é responsável pelo desenvolvimento dessas asas de materiais compósitos. A parte estimada dos compósitos usados no projeto total chega a 40%.

O motor PD-14 do MS-21 – que não tem potência suficiente para ser empregado em jatos de combate – será fabricado pela Aviadvigatel. Até agora, os MC-21 usavam motores Pratt & Whitney. O PD-14 é o primeiro motor do novo tipo 100% fabricado na Rússia, desde que a URSS desfez-se.

Especialistas em aviação não têm dúvidas de que o MC-21 equipado com motor PD-14 superará facilmente os modelos que lhe fazem concorrência: o Airbus A320 e o Boeing-737.

Há também o motor PD-35 – que está sendo desenvolvido pela empresa Aviadvigatel, especificamente para um modelo de jato de grande porte, produção russo-chinesa, já anunciado, a ser construído em regime de joint venture pela empresa China-Rússia Commercial Aircraft International Corp Ltd (CRAIC), constituída em maio de 2017, em Xangai.

Especialistas em todo o mundo estão convencidos de que esse é o único projeto capaz de abalar o monopólio, que já dura décadas, das empresas Boeing e Airbus.

É possível que as sanções impeçam a Rússia de aperfeiçoar o MC-21 e de investir no novo avião de passageiros? Muito pouco provável. Para Andrei Martyanov, conhecido analista militar russo, essas sanções são, na melhor das hipóteses, “risíveis” – dado que “fabricantes de aviônica e peças” para os ultra sofisticados jatos de combate Su-35 e Su-57 podem facilmente suprir substitutos para os itens ocidentais nos jatos de passageiros

Oh China, como você é ‘maligna’!

Mesmo antes do relatório do Pentágono, já era claro que o objetivo número um do governo Trump em relação à China era, no limite, cortar as longas cadeias de itens produzidos por empresas norte-americanas que operam na Rússia, para suprir projetos russos, e reimplantá-las de volta nos EUA - com todas as suas dezenas de milhares de empregos.

Essa reorganização radical do capitalismo global pode não parecer muito sedutora para as multinacionais norte-americanas, porque perderiam todas as vantagens de custo-benefício que, de início, as levaram para a China. E as vantagens perdidas não serão compensadas com redução de impostos para as empresas.

Piora - do ponto de vista do comércio global: para os falcões da administração Trump, a reindustrialização dos EUA pressupõe a estagnação industrial chinesa. Isso explica, em grande medida, a demonização sem limites, em todos os seus aspectos, do movimento no campo da alta tecnologia chamado "Made in China 2025."

E tudo isso flui em paralelo para hiper demonizar também a Rússia. Assim temos o secretário do Interior dos EUA, Ryan Zinke, que ameaçou nada menos do que implantar um bloqueio nos fluxos de energia russa: “Os EUA podem fazer isso, com nossa Marinha, para assegurar que as rotas marítimas permaneçam livres. Se necessário, bloquear (...) para assegurar que a energia deles não chegue ao mercado.”


Ryan Zinke / Fonte: Spin

A demonização comercial e industrial da China chegou a um paroxismo, com o vice-presidente Mike Pence acusando a China de "assédio imprudente", tentando "difamar" e abalar a credibilidade de Trump e, até, de ser o principal culpado de se imiscuir nas eleições nos EUA, tirando do trono a Rússia. É coisa que não parece sintonizada com alguma estratégia que tenha, por objetivo principal, criar empregos nos EUA.

O Presidente Xi Jinping e seus assessores não são necessariamente avessos a fazer algumas concessões comerciais. Mas isso se torna impossível, do ponto de vista de Pequim, quando os EUA impõem sanções à China ‘porque’ compra sistemas de armas russos.

Pequim pode facilmente prever, escrita no muro das relações comerciais, uma consequência inevitável das acusações de Pence: sanções ao estilo da Lei Magnitsky, que sancionaram indivíduos e empresas russas, podem ser em breve estendidas também aos chineses.

Afinal, Pence disse que a alegada interferência da Rússia nos assuntos dos EUA sumia, em importância, se comparada às ações "malignas" da China.

O embaixador da China nos Estados Unidos, Cui Tiankai, em entrevista à Fox News, fez de tudo para se manter diplomático em alto estilo: “Seria difícil imaginar que um quinto da população mundial pudesse desenvolver-se e prosperar, confiando principalmente não nos próprios esforços, mas dependendo de tecnologia roubada, ou transferida de outros, à força (...) Não é possível. O povo chinês é tão trabalhador e diligente como qualquer outro na face da Terra”.

São posições a serem validadas mais uma vez em Bruxelas nesta semana, na cúpula bienal ASEM - Ásia Europa –, realizada pela primeira vez em 1996. Esse ano, o tema é "Europa e Ásia: parceiros globais e desafios globais". No topo da agenda estão comércio, investimento e conectividade - pelo menos entre a Europa e a Ásia.

A ofensiva de Washington contra a China não deve ser interpretada sob a ótica de algum “comércio justo”, mas, sim, como estratégia para conter a China no campo tecnológico, o que toca no tema absolutamente crucial: impedir que a China desenvolva a conectividade que sustenta as cadeias de suprimentos estendidas, que estão no coração da iniciativa Cinturão e Estrada (ICE).

Não precisamos de concorrentes

Sinal muito claro de que essas sanções que coincidem sobre Rússia e China têm tudo a ver como o bom velho medo de Brzezinski, de que a Eurásia seja dominada por “concorrentes equivalentes” emergentes, apareceu recentemente, vindo de Wess Mitchell, secretária-assistente de Estado no Gabinete de Negócios Europeus e Asiáticos – cargo que já pertenceu a Victoria “Foda-se a União Europeia” Nuland.

Aqui se lê o depoimento original de Mitchell, à Comissão de Relações Exteriores do Senado. E aqui a versão já saneada pelo Departamento de Estado.

Um trecho crucial, no meio do segundo parágrafo, simplesmente desapareceu: “Permanece entre os principais interesses de segurança nacional dos Estados Unidos impedir que potências hostis dominem a massa de terra eurasiana”.

Não que já não soubessem, mas aí está toda a geopolítica de que Pequim e Moscou precisavam saber.*******

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

[1] Ver também, para mais detalhes: 29/9/2018, Arkady Savitsky, Strategic Culture Foundation (NTs).

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Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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