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Nós somos a OTAN

Pedaço epilético de madeira norueguesa prestes a deixar o cargo, que ainda posa de Secretário-Geral, deu seu showzinho particular

por Pepe Escobar (pt-BR) | Strategic Culture Foundation

Brasil 247 - 12 de julho, 2024

https://www.brasil247.com/blog/nos-somos-a-otan-e-vamos-pegar-voces

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Cúpula da Otan, Washington, EUA, 2024 (Foto: Yves Herman/REUTERS)

Nós somos o mundo. Nós somos o povo. Nós somos a OTAN. E estamos vindo pegar vocês – onde quer que vocês estejam, quer queiram ou não.  

Podem chamar a isso de a repetição pop mais recente da "ordem mundial baseada em regras" – devidamente batizada no 75º aniversário da OTAN em Washington D.C.

Bem, a Maioria Global já foi avisada – mas o tecnofeudalismo tende a transformar cérebros em mingau. 

Cabe, portanto, um sutil lembrete. Isso já foi colocado no primeiro parágrafo da Declaração Conjunta sobre Cooperação União Europeia-OTAN, de 9 de janeiro de 2023: 

"Nós iremos, também, mobilizar o conjunto de instrumentos que temos a nosso dispor, sejam eles políticos, econômicos ou militares (itálicos meus) para perseguir nossos objetivos comuns em prol de nosso um bilhão de cidadãos". 

Correção: menos de um milhão, parte do 0,1% que representa a plutocracia. Certamente nem perto de um bilhão.

Muda a cena para a Declaração da Cúpula da OTAN de 2024 – obviamente redigida, com insuperável mediocridade, pelos americanos, com a devida concordância de um sortimento de 31 membros vassalos. 

Aqui, portanto, vai a aposta tripla da "estratégia" da OTAN 2024:

  1. Dezenas de bilhões de dólares adicionais em "ajuda" para o pouco que terá sobrado da Ucrânia, o grosso dessas verbas indo para o caixa dois de lavagem de dinheiro do complexo industrial-militar.
  2. Imposição de mais gastos militares a todos os membros.
  3. Um tsunami de propaganda enganosa sobre a "ameaça chinesa".  

Quanto ao tema musical do espetáculo do 75º aniversário da OTAN, na verdade são dois. Um é "Ameaça Chinesa" (nos créditos de fim), e o outro (créditos de abertura) é "Ucrânia Livre". A letra é mais ou menos assim: parece que estamos em guerra contra a Rússia na Ucrânia, mas não se engane: a OTAN não participa da guerra. 

Bem, eles já estão até montando um escritório da OTAN em Kiev, mas é só para coordenar a produção de uma série de guerra da Netflix. 

Esses autoritários malignos

O pedaço epilético de madeira norueguesa prestes a deixar o cargo, que ainda posa de Secretário-Geral da OTAN – até a chegada do gouda holandês que o substituirá - deu seu showzinho particular. Entre os pontos altos está sua ferrenha denúncia da "crescente aliança entre a Rússia e seus amigos autoritários da Ásia", querendo dizer os  "líderes autoritários do Irã, da Coreia do Norte e da China". Todas essas entidades malignas querem o fracasso da OTAN. Por essa razão, há muito trabalho pela frente "com nossos amigos do Indo-Pacífico". 

"Indo-Pacífico" é uma invenção tosca da "ordem internacional baseada em regras". Ninguém na Ásia usa esse termos, todos dizem Ásia-Pacífico.

A declaração conjunta culpa diretamente a China por alimentar a "agressão" russa na Ucrânia: Pequim é descrita como uma "facilitadora de importância decisiva" para o "esforço de guerra" do Kremlin. Os roteiristas da OTAN chegam a ameaçar diretamente a China: a China "não poderá facilitar a maior guerra no continente europeu da história recente sem exercer impacto negativo em seus interesses e sua reputação". 

Para se contrapor a tamanha malignidade, a OTAN irá ampliar suas "parcerias" com estados do "Indo-Pacífico".

Mesmo antes da divulgação da declaração da cúpula, o Global Times já estava perdendo a paciência com essas inanidades: "Segundo a propaganda dos Estados Unidos/OTAN, parece que a China se tornou o "fator-chave" para a sobrevivência da Europa, controlando o destino do conflito Rússia-Ucrânia como uma "potência decisiva". 

O espalhafatoso festival retórico de Washington não vai funcionar com Pequim: o Hegêmona só quis penetrar ainda mais na Ásia, tentando criar uma OTAN 'Ásia-Pacífico' como meio de alcançar a "Estratégia Indo-Pacífico dos Estados Unidos". 

O Sudeste Asiático, por meio de canais diplomáticos, concorda em termos gerais: com a exceção dos desorientados e vendidos filipinos, ninguém quer turbulências graves na Ásia-Pacífico, como as que a OTAN desencadeou na Europa.

Zhou Bo, professor sênior do Centro Internacional de Segurança e Estratégia da Universidade de Tsinghua e oficial reformado do Exército de Libertação Popular também fez pouco das bobagens do Indo-Pacífico mesmo antes da cúpula: tivemos uma excelente conversa sobre ela em fins do ano passado, no Fórum de Astana, no Cazaquistão. 

Aconteça o que acontecer, o Excepcionalistão continuará à toda. A OTAN e o Japão concordaram em criar uma linha de "informações de segurança de alta confidencialidade", que funcione ininterruptamente. Podemos, portanto, contar com o obediente Primeiro-Ministro japonês Fumio Kishida para reforçar o "papel central" do Japão na construção de uma OTAN asiática. 

Na Ásia, qualquer pessoa dotada de cérebro, de Urumqi a Bangalore, sabe que o lema dos Excepcionalistas é "Hoje Ucrânia, amanhã Taiwan". A maioria absoluta da ASEAN e, esperamos, também a Índia, não cairá nessa conversa.

O que está claro é que o circo dos 75 anos da OTAN não faz a mínima ideia, e nem quer saber, do que ocorreu na recente  cúpula da Organização de Cooperação de Xangai em Astana. Principalmente quando se trata do atual posicionamento da OCX como um nó importante para a criação de um novo acordo coletivo de segurança para toda a Eurásia. 

Quanto à Ucrânia, mais uma vez, Medvedev, de improviso, em seu inimitável estilo, colocou a posição russa:

"A Declaração da Cúpula de Washington de 10 de julho menciona "o irreversível caminho da Ucrânia rumo à OTAN". Para a Rússia, duas soluções para o fim desse caminho são aceitáveis: ou a Ucrânia desaparece ou a OTAN desaparece. Ou ainda melhor, ambas".  

Paralelamente, a China vem conduzindo exercícios militares em Belarus, que tiveram início apenas alguns poucos dias depois de Minsk ter, oficialmente, se tornado membro da OCX. Tradução: esqueçam-se de a OTAN "se expandir" para a Ásia quando Pequim vem deixando bem claro que está presente no suposto "quintal" da OTAN. 

Uma declaração de guerra contra a Eurásia

Michael Hudson, mais uma vez, lembrou a todos que tenham um mínimo de capacidade cerebral que o show belicista da OTAN, atualmente em cartaz, não tem nada a ver com um internacionalismo pacífico. Trata-se, isso sim, de uma "aliança militar unipolar dos Estados Unidos, que leva a agressões militares e sanções econômicas com o objetivo de isolar a Rússia e a China. Ou, mais precisamente, para fazer com que a Europa e outros aliados rompam seus antigos laços de comércio e investimentos com a Rússia e a China, tornando esses aliados mais dependentes dos Estados Unidos". 

A declaração da OTAN de 2024 é, na verdade, uma declaração de guerra, híbrida e de outros tipos, contra a Eurásia e também contra a Afro-Eurásia (sim, há promessas de "parcerias" avançando por toda a parte, da África ao Oriente Médio). 

O processo de integração da Eurásia trata da integração geoeconômica – incluindo o importante ponto de corredores de transporte conectando, entre outras latitudes, o Norte da Europa com o Oeste Asiático. 

Para o Hegêmona, esse é o pesadelo supremo: a integração da Eurásia levando a Europa Ocidental a se afastar dos Estados Unidos, e impossibilitando aquele perene sonho molhado, a colonização da Rússia. 

Então, só o Plano A se aplicaria, com a mais absoluta crueldade: Washington – literalmente – bombardeou a integração Rússia-Alemanha (Nord Stream 1 e 2, e ainda mais), e transformou as terras dos vassalos europeus amedrontados e confusos em lugares potencialmente muito perigosos, logo a lado de uma Guerra Quente já em andamento. 

Então, mais uma vez, que todos retornem àquele primeiro parágrafo do comunicado conjunto União Europeia-OTAN de janeiro de 2023. É isso que enfrentamos nos dias de hoje, e que se reflete no título de meu livro mais recente, Eurasia v. NATOstan: a OTAN – em tese – totalmente mobilizada em termos militares, políticos e econômicos, para lutar contra qualquer força da Maioria Global que ameace desestabilizar a Hegemonia Imperial. 

Tradução de Patricia Zimbres

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan.

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