Sheldon
Wolin, o mais importante teórico contemporâneo no campo da
ciência política nos Estados Unidos, morreu há
pouco mais de quatro anos, aos 93. Em seus
livros Democracia Incorporada: democracia
administrada e o espectro do totalitarismo invertido1
e Política e visão2
– uma vasta pesquisa sobre o pensamento político ocidental que o
seu ex-aluno, Cornel West, considera “magistral” –, Wolin expõe
a realidade da democracia falida dos Estados Unidos, as causas por
trás do declínio do império americano e a ascensão de uma nova e
aterrorizante configuração política, formada pelo poder das
corporações, que ele chama de “totalitarismo invertido”.
Wendy Brown, professora de ciência política na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ex-aluna também de Wolin, disse-me num correio eletrônico: “resistindo aos monopólios do marxismo, na esquerda, e da teoria democrática, pelo liberalismo, Wolin desenvolveu uma análise distinta – distintamente americana – da atualidade política e das possibilidades da democracia radical. Ele foi especialmente presciente ao teorizar sobre o forte estatismo do que hoje chamamos de neoliberalismo; eis que revelou a existência de uma nova fusão do poder econômico com o poder político, a qual considerou que envenena a democracia em sua raiz.”
Wolin,
ao longo de sua vida acadêmica, mapeou a involução da democracia
e, em seu último livro, Democracia
incorporada, detalhou a forma peculiar que
o totalitarismo corporativo assumia nos Estados Unidos. “Não é
possível apontar para qualquer instituição nacional que possa ser
descrita com precisão como democrática” – escreveu ele nesse
livro – “certamente não nas eleições altamente gerenciadas e
saturadas de dinheiro, no Congresso infestado por lobistas, na
presidência imperial, no sistema judicial e penal classista e, muito
menos, na mídia.”
O
totalitarismo invertido é diferente das formas clássicas de
totalitarismo. Ele não encontra a sua expressão em um demagogo ou
líder carismático, mas no anonimato sem rosto do Estado
corporativo. Esse totalitarismo invertido mantém uma fidelidade
aparente à política eleitoral, à Constituição, às liberdades
civis, à liberdade de imprensa, à independência do judiciário e à
iconografia das tradições e da linguagem do patriotismo americano,
mas aproveita em efetivo todos os mecanismos de poder existentes para
tornar o cidadão impotente.
“Ao
contrário dos nazistas, que tornaram a vida incerta para os ricos e
privilegiados, que proporcionaram programas sociais para a classe
trabalhadora e os pobres, o totalitarismo invertido explora os
pobres, reduzindo ou enfraquecendo os programas de saúde e os
serviços sociais, regrando a educação para formar uma força de
trabalho insegura, sempre ameaçada pela importação de
trabalhadores de baixa remuneração” – escreveu Wolin. “O
emprego em uma economia de alta tecnologia, volátil e globalizada,
afigura-se normalmente tão precário quanto durante uma depressão à
moda antiga. O resultado é que a cidadania, ou o que resta dela, é
praticada sob um estado contínuo de preocupação. Hobbes tinha,
pois, razão: quando os cidadãos se sentem inseguros e, ao mesmo
tempo, se veem impulsionados por aspirações competitivas, eles
passam a desejar a estabilidade política e não o envolvimento
cívico, a proteção e não o envolvimento político.”
O
totalitarismo invertido, disse Wolin (…) numa entrevista,
constantemente “projeta o poder para cima.” É, pois, “a
antítese do poder constitucional”. É construído para criar
instabilidade, para manter passiva e em desequilíbrio a cidadania.
Ele
também escreveu: “A redução e a reorganização das empresas, o
estouro de bolhas, os sindicatos desestruturados, as habilidades que
rapidamente são ultrapassadas, a transferência de empregos para o
exterior, tudo isso cria não apenas medo, mas uma economia de medo,
um sistema de controle cujo poder se alimenta da incerteza. Porém,
segundo os seus defensores, trata-se de um sistema eminentemente
racional.”
O
totalitarismo invertido “alimenta, sim, a política o tempo todo”,
disse Wolin, “mas uma política que não é política”. Os ciclos
eleitorais intermináveis e extravagantes, disse ele, são um exemplo
de política sem política.
“Em
vez de participar do poder”, escreve ele, “o cidadão
virtual é convidado a ter “opiniões”, isto é, a fornecer
respostas mensuráveis a perguntas premeditadas que suscitam
respostas determinadas”.
As
campanhas políticas raramente discutem questões substantivas.
Centram-se em personalidades políticas manufaturadas, em retórica
vazia, em relações públicas sofisticadas, em anúncios
artificiais, em propaganda, no uso constante de grupos de teste, de
pesquisas de opinião que visam laçar os eleitores e dizer o que
eles querem ouvir. O dinheiro substituiu efetivamente a votação.
Cada candidato presidencial atual – incluindo Bernie Sanders –
sabe bem, para usar as palavras de Wolin, que “o tema “império”
é tabu nos debates eleitorais.” O cidadão é irrelevante. Ele ou
ela não é nada mais do que um espectador, autorizados a votar, mas,
esquecido tão logo o carnaval eleitoral termina e as corporações e
os seus lobistas voltam ao negócio de influir na legislação.
“Se
o principal objetivo das eleições é fornecer legisladores
flexíveis para que os lobistas os direcionem, tal prática merece
ser chamada de “deturpada ou clientelística” – escreve Wolin.
Trata-se de um poderoso sistema produtor de despolitização e de
redução da cidadania. Com essa feição, ele apenas pode ser
caracterizado como antidemocrático.”
O
resultado, escreve ele, é que “o uso do poder do Estado é negado
ao cidadão comum”. Wolin deplora a banalização do discurso
político, uma tática usada para confundir e fragmentar o público,
deixando-o perplexo, para que o poder corporativo e o próprio
império permaneçam incontestados.
“As
guerras culturais parecem indicar que estão em curso fortes batalhas
políticas” – escreve ele. “Na verdade, não passam de
distração. A atenção que recebem da mídia, assim como dos
políticos ansiosos para firmar posição sobre questões não
substantivas, serve apenas para distrair a atenção e para
contribuir para uma política inconsequente.”
“As
facções agora no poder podem operar na suposição de que não
precisam mais do chamado público no sentido amplo de um todo
coerente – uma noção tradicional”, disse ele. “Agora, eles
têm as ferramentas para lidar com as disparidades e as diferenças
que eles mesmos ajudaram a criar. É um jogo em que conseguem minar a
coesão necessária para que o público não possa ser politicamente
eficaz. E, ao mesmo tempo, criam diferentes e distintas facções, as
quais se põe inevitavelmente em tensão, ou em desacordo, ou mesmo
em concorrência umas com as outras. Deste modo, o processo político
parece mais uma briga do que uma forma de formar maiorias.”
Em
regimes totalitários clássicos, como os do fascismo nazista ou do
comunismo soviético, a economia era subordinada à política. Mas no
totalitarismo invertido, o inverso é verdadeiro – escreve Wolin.
“A economia domina a política e com essa dominação surgem
formas diferentes de crueldade.” E, assim, continua: “Os
Estados Unidos tornaram-se a vitrine de como a democracia pode ser
gerenciada sem parecer que foi suprimida.”
O
Estado corporativo, disse Wolin, é “legitimado pelas eleições
que controla.” Para extinguir a democracia, reescreve e distorce
as leis e a legislação que outrora protegiam a democracia. Os
direitos básicos são, em essência, revogados por meio de decretos
judiciais e legislativos. Os tribunais e os órgãos legislativos, a
serviço do poder corporativo, reinterpretam as leis para despojá-los
de seu significado original, a fim de fortalecer o controle
corporativo e suprimir a supervisão sobre as corporações.
Ele
escreve: “por que negar a Constituição, como os nazistas o
fizeram, se é possível explorar simultaneamente a porosidade e o
poder legítimo por meio de interpretações judiciais. Pois,
protege-se agora as enormes contribuições das campanhas eleitoras
por meio da “Primeira Emenda”; trata-se os lobbies
fortemente financiados e organizados pelas grandes corporações como
simples aplicação do direito do povo de peticionar ao seu governo!”
O
sistema norte-americano de totalitarismo invertido evitará medidas
duras e violentas de controle “enquanto… a dissidência permanece
ineficaz” – disse ele. “O governo não precisa acabar com a
dissidência. A uniformidade da opinião pública imposta através da
mídia corporativa faz um trabalho muito eficaz.”
As
elites, especialmente a classe intelectual, foram compradas. “Por
meio de uma combinação de contratos governamentais, fundos
corporativos e fundações, projetos conjuntos envolvendo
pesquisadores universitários e corporativos, doações de indivíduos
muito ricos, universidades (especialmente as chamadas universidades
de pesquisa), os intelectuais, os estudiosos e os pesquisadores foram
perfeitamente integrados ao sistema” – escreve Wolin. “Nenhum
livro é queimado, nenhum Einstein permanece na condição de
refugiado”.
Mas
– adverte – se a população – constantemente despojada de seus
direitos mais básicos, incluindo o direito à privacidade, cada vez
mais empobrecida e desprovida de esperança – tornar-se inquieta, o
totalitarismo invertido se tornará tão brutal e violento quanto os
Estados totalitários do passado. “A guerra contra o terrorismo,
com sua ênfase na segurança interna, presume que o poder do Estado,
agora inflado pelas doutrinas de guerra preventiva e liberado das
obrigações constitucionais e das restrições judiciais, pode se
voltar para dentro” – escreve ele. “Confiante de que, em sua
busca doméstica de terroristas, os poderes agora reclamados, tal
como os poderes projetados no exterior, seriam medidos, não pelos
padrões constitucionais comuns, mas pelo caráter sombrio e
onipresente do terrorismo tal como foi oficialmente definido.”
A
violência policial indiscriminada em comunidades pobres de negros e
de hispânicos é um exemplo da capacidade do Estado corporativo
“legalmente” assediar e matar cidadãos de modo impune. As formas
mais cruas de controle – da polícia militarizada e da vigilância
por atacado, bem como a polícia funcionando como juiz, júri e
carrasco – é agora uma realidade para a classe baixa e vai se
tornando uma realidade para todos. É preciso começar a resistir à
canalização continuada de poder e de riqueza para os de cima. Somos
tolerados como cidadãos, adverte Wolin, apenas enquanto participamos
da ilusão de que vivemos numa democracia participativa. No momento
em que nos rebelamos e nos recusamos a participar dessa ilusão, o
rosto do totalitarismo invertido parecerá o rosto dos sistemas
totalitários do passado.
“O
significado da enorme população carcerária afro-americana é
político” – escreve. “O que é mais notável sobre essa
população é que, em geral, ela é altamente sofisticada
politicamente. De longe, é o único grupo social que, ao longo do
século XX, manteve vivo um espírito de resistência e de rebeldia.
Nesse contexto, a justiça criminal é tanto estratégia de
neutralização política quanto um canal de racismo instintivo.”
Em
seus escritos, Wolin expressa consternação pelo fato de que toda
uma população foi excluída do mundo das ideias e das publicações
sutis. Ele vê o cinema, assim como a televisão, como “tirânicos”.
Eis que têm a capacidade de “bloquear, eliminar muito do que pode
introduzir qualificação, ambiguidade ou diálogo”. Ele protesta
contra o que chama de “mídia monocromática”, formada por
especialistas aprovados pelas empresas e usados para identificar “os
problemas e os seus parâmetros, criando, assim, uma parede contra a
qual os dissidentes lutam em vão. O crítico que insiste em mudar o
contexto é descartado como irrelevante, extremista, como de
“esquerda” – sendo, assim, ignorado completamente.”
A
disseminação constante de ilusões permite que mito em vez de
realidade domine as decisões das elites poderosas. E quando o mito
domina, os desastres caem sobre o império, tal como ocorreu nos
quatorze anos de guerra fútil no Oriente Médio. A incapacidade dos
Estados Unidos de reagir às mudanças climáticas ilustram isso. Eis
o que Wolin escreve:
Quando o mito começa a governar os tomadores de decisão em um mundo onde a ambiguidade e os fatos teimosos abundam, o resultado é uma desconexão entre os atores e a realidade. Estão convencidos de que as forças das trevas possuem armas de destruição em massa e capacidades nucleares, que a sua própria nação é privilegiada, que um deus inspirou os “pais fundadores” e que eles escreveram a Constituição da nação; e que, ademais, inexiste uma estrutura de classe de grandes e teimosas desigualdades. Uns poucos, sombrios, mas aparentemente alegres, veem sempre presságios de que o seu mundo que está vivendo “os seus últimos dias.”
Wolin
atuou, no passado, como piloto e navegador de avião bombardeiro
pesado, o B-24, no Pacífico Sul, na II Guerra Mundial. Ele
participou de 51 missões de combate. Os aviões em que viajou
tinham tripulações de até 10 soldados. De Guadalcanal, ele avançou
com as forças norte-americanas que capturaram ilhas no Pacífico.
Durante a campanha, o alto comando militar decidiu dirigir os
bombardeiros B-24, os quais eram enormes e difíceis de voar, além
de ter pouca manobrabilidade, contra os navios japoneses, uma tática
que produziu enormes perdas de aviões e de vidas americanas. O uso
do B-24, apelidado de “caixão voador”, para atacar navios de
guerra munidos com armas antiaéreas, mostrou para Wolin a
insensibilidade dos comandantes militares. Eles, alegremente,
sacrificaram as tripulações aéreas e as máquinas de guerra em
missões que tinham pouca chance de sucesso.
“Foi
terrível” – disse ele a respeito das ordens para bombardear os
navios japoneses. “Tivemos perdas terríveis, porque essas
aeronaves eram grandes e pesadas e, particularmente, porque tinham de
voar baixo para tentar atingir a marinha japonesa – nós perdemos
inúmeras pessoas assim, inúmeras.”
“Tivemos
também algumas vítimas psicológicas… homens, meninos, que
simplesmente não aguentavam mais” – disse ele – “simplesmente
não suportavam a tensão de se levantar às 5 da manhã para
continuar a entrar nesses aviões, tomar tiros e depois voltar para
descansar por mais um dia.” Wolin percebeu que os militaristas e os
corporativistas formavam uma coalizão profana para orquestrar a
ascensão de um império americano global no pós-guerra, assim como
para extinguir a democracia americana. Para ele, o totalitarismo
invertido era “a verdadeira face da superpotência”. Aqueles
que ganham com a guerra e os militaristas, advogando a doutrina da
guerra total durante o período da Guerra Fria, sangraram o País de
seus recursos. Trabalharam, também, em conjunto para desmantelar as
instituições e as organizações populares, como sindicatos, para
descapacitar politicamente e empobrecer os trabalhadores. Eles
“normalizaram” a guerra. Wolin adverte que, como em todos
os impérios, eles eventualmente serão “eviscerados por seu
próprio expansionismo”. Nunca haverá um retorno à democracia,
adverte, até que o poder descontrolado dos militaristas e
corporativistas seja drasticamente reduzido. Um Estado guerreiro não
pode ser um Estado democrático.
Wolin
escreve:
A defesa nacional foi declarada inseparável de uma economia forte. A fixação na mobilização e no rearmamento inspirou o desaparecimento gradual da agenda política nacional voltada à regulação e controle das corporações. O defensor do mundo livre precisava do poder da globalização, expansão das corporações, não uma economia que promovesse a confiança. Além disso, uma vez que o inimigo era raivosamente anticapitalista, cada medida que fortalecia o capitalismo era um golpe contra o inimigo. Uma vez que as linhas de batalha entre o comunismo e a “sociedade livre” foram desenhadas, a economia tornou-se intocável para outros fins que não um capitalismo “forte”. Pensa-se, pois, numa fusão entre o capitalismo e a democracia. Porém, uma vez que a identidade e a segurança da democracia foram identificadas com sucesso na Guerra Fria e com os métodos para a empreender, o palco estava pronto para promover a intimidação da maioria no campo da política, à esquerda e à direita.
O
resultado é uma nação dedicada quase exclusivamente a travar a
guerra.
“Quando
um governo constitucionalmente limitado utiliza armas de poder
destrutivo horrendo, subsidia o seu desenvolvimento e se torna o
maior traficante de armas do mundo” – escreve Wolin –, “a
Constituição só pode ser usada para servir a esse poder, em vez de
servir à consciência.”
Mas
ele continua:
Como o cidadão patriótico apoia incansavelmente os militares, assim como o seu enorme orçamento dedicado à guerra, isto significa que os conservadores conseguiram persuadir o público de que tais gastos merecem um tratamento diferenciado. Assim, o elemento mais substancial do poder do Estado é removido do debate público. Da mesma forma, o cidadão norte-americano em seu status de cidadão imperial, sempre desdenhoso da burocracia, não hesita em obedecer às diretrizes emitidas pelo Departamento de Segurança Interna, o maior e mais intrusivo departamento governamental da história da nação. A identificação com o militarismo e o patriotismo, juntamente com as imagens do poder americano projetadas pela mídia, serve para fazer o cidadão individual se sentir mais forte, compensando assim os sentimentos de fraqueza que decorrem de uma economia baseada em excesso de trabalho, força de trabalho exausta e insegura. O totalitarismo invertido, que é antipolítico, requer crentes, patriotas e trabalhadores não sindicalizados.
Sheldon
Wolin foi muitas vezes considerado como um pária entre os teóricos
políticos contemporâneos. Pois eles se concentravam na análise
quantitativa e no estudo do comportamento, evitando, assim, o exame
amplo das teorias e das ideias políticas. Wolin insistiu que a
filosofia, mesmo aquela escrita pelos gregos antigos, não era uma
relíquia morta, mas uma ferramenta vital para examinar e desafiar os
pressupostos e as ideologias dos sistemas contemporâneos de poder e
de pensamento político. Trabalhar com a teoria política,
argumentou, constituía-se “primeiro numa atividade cívica e,
apenas em segundo lugar, acadêmica”. Eis que ela tem um papel
“não apenas como disciplina histórica que lida com o exame
crítico dos sistemas de ideias” – disse – mas também é uma
força que “ajuda a moldar as políticas públicas e as diretrizes
governamentais, contribuindo acima de tudo para a educação cívica
e para alcançar os objetivos de uma sociedade mais democrática,
mais igualitária e mais educada.” Em seu ensaio de 1969, Teoria
política como vocação, defendeu esse
imperativo, castigando os seus colegas acadêmicos que concentraram
seu trabalho na coleta de dados, assim como em minúcias acadêmicas.
Nesse ensaio, ele escreveu, com sua lucidez habitual e floreios
literários, o seguinte:
Em um sentido fundamental, o mundo atual é um produto da deliberação como talvez nenhum mundo anteriormente; um produto de teorias sobre as estruturas humanas deliberadamente criadas, ao invés de historicamente articuladas. Porém, em outro sentido, a concretização das teorias no mundo resultou em um mundo impermeável às próprias teorias. As estruturas gigantes e perpassadas por rotinas desafiam as mudanças fundamentais e, ao mesmo tempo, apresentam uma legitimidade incontestável, pois os princípios racionais, científicos e tecnológicos em que se baseiam parecem perfeitamente de acordo com uma era comprometida com a ciência, o racionalismo e a tecnologia. Acima de tudo, afigura-se como um mundo que parece ter tornado a teoria épica supérflua. A teoria, como Hegel havia previsto, assume a forma de “explicação”. Na verdade, parece que chegou o tempo em que coruja de Minerva já voou.
A
obra-prima de Wolin, Política e visão,
de 1960, tem como subtítulo “A continuidade e a inovação no
pensamento político ocidental”, baseou-se num vasto estudo de
teóricos políticos e de filósofos, incluindo Platão, Aristóteles,
Agostinho, Immanuel Kant, John Locke, John Calvin, Martinho Lutero,
Thomas Hobbes, Friedrich Nietzsche, Karl Marx, Max Weber, John Dewey
e Hannah Arendt. O seu objetivo foi o de refletir, a partir deles,
sobre a realidade política e cultural contemporânea. A sua tarefa,
como afirmou no final do livro, era a de “nutrir a consciência
cívica da sociedade” na “era da superpotência”. O imperativo
de amplificar e de proteger as tradições democráticas das forças
contemporâneas que tentam destruí-las permeou todo o seu trabalho,
incluindo seus livros Hobbes e a tradição
épica na teoria política3
e Tocqueville entre dois mundos: a
realização de uma vida política e teórica4
Notas:
1
Tradução de Democracy
Incorporated: Managed Democracy and the Specter of Inverted
Totalitarianism.
2
Tradução de Politics and Vision.
3
Em inglês: Hobbes
and the Epic Tradition of Political Theory.
4
Em inglês: Tocqueville between two words: the making of a
political and theoretical life.
Tradução: Eleutério F. S. Prado
Chris Hedges, repórter laureado com Prêmio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Formou-se na Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente no exterior do The New York Times. Hedges é autor de 12 livros, entre os quais War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on America o best-seller (New York Times), Days of Destruction, Days of Revolt (2012), do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle.
https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/o-peculiar-totalitarismo-do-seculo-xxi/