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Israel reabre a válvula de gás

Destruir o que resta no norte de Gaza. Dizimar o sul. Tornar a pequena faixa inabitável. Forçar seus 2,3 milhões de habitantes contra o Egito. Tais são os planos. Mas nem Tel Aviv escapará das consequências de um massacre nessa escala

por Chris Hedges (pt-BR) | Information Clearing House

Outras Palavras - 5 de dezembro, 2023

https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/israel-reabre-a-valvula-de-gas/

Após uma trégua de sete dias, os céus de Gaza estão repletos dos projéteis da morte. Aviões de guerra. Helicópteros de ataque. Drones. Bombas de canhão e de tanque. Granadas. Mísseis. Gaza é uma cacofonia de explosões e gritos perdidos de ajuda, sob edifícios desabados. Os tentáculos do medo, outra vez, estão avançando sobre os corações, no campo de concentração de Gaza.

Só na sexta-feira à noite, 184 palestinos — incluindo três jornalistas e dois médicos — foram mortos por ataques aéreos israelenses no norte, sul e centro de Gaza, e pelo menos 589 ficaram feridos, de acordo com o Ministério da Saúde. Em maioria, são mulheres e crianças.

Israel não será dissuadido. Planeja concluir o trabalho, destruir o que resta no norte de Gaza e dizimar o que permanece no sul. Tornar Gaza inabitável. Ver seus 2,3 milhões de habitantes expulsos em uma campanha maciça de limpeza étnica por meio de fome, terror, massacre e doenças infecciosas. Os comboios de ajuda, que levaram quantidades simbólicas de alimentos e remédios — o primeiro lote era de mortalhas e testes de coronavírus, segundo o diretor do hospital al-Najjar — foram interrompidos. Ninguém, principalmente o presidente Joe Biden, planeja intervir para impedir o genocídio.

O secretário de Estado Antony Blinken visitou Israel na semana passada e, ao pedir que Tel Aviv protegesse civis, recusou-se a estabelecer condições que pudessem interromper os 3,8 bilhões de dólares que o país recebe dos EUA em assistência militar anual, ou o pacote adicional de US$14,3 bilhões. O mundo assistirá passivamente, murmurando lugares-comuns inúteis sobre mais ataques cirúrgicos, enquanto Israel gira sua roleta da morte.

Quando terminar, a Nakba de 1948, quando os palestinos foram massacrados em dezenas de aldeias e 750 mil foram expulsos etnicamente por milícias sionistas, parecerá um relicário pitoresco de uma era mais civilizada. Nada está fora dos limites. Hospitais. Mesquitas. Igrejas. Residências. Edifícios de apartamentos. Campos de refugiados. Escolas. Universidades. Escritórios de mídia. Bancos. Sistemas de esgoto. Infraestrutura de telecomunicações. Estações de tratamento de água. Bibliotecas. Moinhos de trigo. Padarias. Mercados. Bairros inteiros. A intenção de Israel é destruir a infraestrutura de Gaza e matar ou ferir diariamente centenas de palestinos. Gaza está destinada a se tornar uma terra devastada, uma zona morta incapaz de sustentar a vida.

Não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra os palestinos. Israel começou a bombardear de novo Khan Younis na sexta-feira (1º/12), depois de lançar folhetos advertindo civis para correr mais ao sul, para Rafah, localizada na fronteira com o Egito. Centenas de milhares de palestinos deslocados buscaram refúgio em Khan Younis. Uma vez que os palestinos forem empurrados para Rafah, restará apenas um lugar para fugir — o Egito. O Ministério de Inteligência de Israel, em um relatório vazado, pede a transferência forçada da população de Gaza para a Península do Sinai, no Egito. Um plano detalhado para deslocar intencionalmente os palestinos em Gaza e empurrá-los para o Egito está incorporado na doutrina israelense há cinco décadas. Dos palestinos em Gaza, 1,8 milhão já foram expulsos de suas casas. Uma vez que os cruzarem a fronteira para o Egito — algo que o governo egípcio e os líderes árabes estão tentando evitar, apesar da pressão dos EUA —, eles nunca mais voltarão.

Os ataques israelenses são gerados a uma taxa vertiginosa, muitos deles a partir de um sistema chamado “Habsora” — O Evangelho —, construído em inteligência artificial que seleciona 100 alvos por dia. O sistema de IA é descrito por sete oficiais de inteligência israelenses atuais e antigos em um artigo de Yuval Abraham nos sites israelenses +972 Magazine e Local Call, como facilitador de uma “fábrica de assassinatos em massa”.

Uma vez que Israel localiza o que presume ser um operativo do Hamas — a partir de um telefone celular, por exemplo –, bombardeia e atinge uma ampla área ao redor do alvo, matando e ferindo dezenas, e às vezes centenas de palestinos, afirma o artigo. “De acordo com fontes de inteligência”, diz a matériaa, “o Habsora gera, entre outras coisas, recomendações automáticas para atacar residências particulares onde vivem pessoas suspeitas de serem operativos do Hamas ou da Jihad Islâmica. Israel, então, realiza operações de assassinato em larga escala através do intenso bombardeio dessas casas”.

Cerca de 15 mil palestinos, incluindo 6 mil crianças e 4 mil mulheres, foram mortos desde 7 de outubro. Mais de 30 mil ficaram feridos. Mais de seis mil estão desaparecidos, muitos enterrados sob os escombros. Mais de 300 famílias perderam 10 ou mais membros. Mais de 250 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde 7 de outubro, e mais de 3 mil ficaram feridos, embora a área não seja controlada pelo Hamas. O exército israelense afirma ter matado entre mil e 3 mil dos cerca de 30 mil combatentes do Hamas — um número relativamente pequeno, dada a escala do ataque.

A maioria dos combatentes da resistência se abriga em seu vasto sistema de túneis. O manual de Israel é a “Doutrina Dahiya”. A doutrina foi formulada pelo ex-chefe do Estado-Maior do exército de Israel (IDF), Gadi Eizenkot, que é membro do gabinete de guerra, após a guerra de 2006 entre Israel e o Hezbollah no Líbano.

Dahiya é um subúrbio ao sul de Beirute e uma fortaleza do Hezbollah. Foi bombardeado por jatos israelenses depois de dois soldados israelenses terem sido feitos prisioneiros. A doutrina postula que Israel deve empregar uma força maciça e desproporcional, destruindo infraestrutura e residências civis, para garantir a dissuasão.

Está apenas começando

Daniel Hagari, porta-voz das IDF, admitiu no início do ataque mais recente de Israel a Gaza que o “ênfase” seria “nos danos e não na precisão”. Israel abandonou sua tática de “bater no telhado”, onde um foguete sem carga explosiva pousava em um telhado para alertar aqueles dentro para que a deixassem. Israel também encerrou suas ligações telefônicas alertando sobre um ataque iminente.

Agora, dezenas de famílias em um prédio de apartamentos ou bairro são mortas sem aviso prévio. As imagens de destruição em massa alimentam a sede de vingança dentro de Israel após a humilhante incursão de combatentes do Hamas em 7 de outubro e o assassinato de 1.200 israelenses, incluindo 395 soldados e 59 policiais.

Há um prazer sádico verbalizado por muitos israelenses, quando falam sobre o genocídio e um aumento nos apelos pelo assassinato ou expulsão de palestinos – incluindo os que vivem na Cisjordânia ocupada e os que possuem cidadania israelense. A selvageria dos ataques aéreos e dos ataques indiscriminados, o corte de alimentos, água e medicamentos, a retórica genocida do governo israelense, tornam isso uma guerra cujo único objetivo é a vingança.

Nada disso será bom para Israel ou para os palestinos. Tudo alimentará uma conflagração geral no Oriente Médio. [O presidente francês Emmanuel Macron alertou no sábado que o objetivo de Israel de eliminar o Hamas podia desencadear uma década de guerra.] O ataque de Israel é a última medida desesperada de um projeto colonial que, tola e arrogantemente, pensa que pode esmagar a resistência de uma população indígena com genocídio.

Mas mesmo Israel não escapará das consequências de massacre nessa escala. Uma geração de palestinos, muitos dos quais viram a maioria (ou todos) dos membros de suas famílias serem mortas e suas casas e bairros destruídos, carregará consigo sede de justiça e retaliação ao longo da vida. Esta guerra não acabou. Ela nem sequer começou.

Chris Hedges é jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prémio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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