Ficha Técnica:
Título Original: Pax Americana and the Weaponization of Space
Director: Denis Delestrac
Ano de produção: 2009
País: Canadá, França
Produção: Lucie Tremblay, Jeremy Edwardes, Brice Garnier, ARTE France
Duração: 85 min.
Na história das guerras, quase sempre se busca uma posição mais alta para se ter vantagem sobre o inimigo: no cume de uma montanha, de um penhasco, de alto de um avião e atualmente, da órbita terrestre.
Os EUA possuem mais da metade dos satélites civis e dos militares de todo o mundo. Desde o governo Reagan, sob o pretexto de estarem criando programa de defesa, desenvolvem sistemas ofensivos que podem destruir quaisquer satélites que lhes convierem, afetando com isso todos os sistemas de comunicação e defesa dos países que quiserem atingir.
O objetivo nos documentos oficiais é claro. Os EUA querem dominar o espaço militarmente, não dando a mínima chance aos outros países. O próximo passo é lançar armas diretamente do espaço mirados na Terra. Só um movimento popular evitará isso.
Juntando-se a isso, quando pensamos que a maioria das indústrias do país, exceto a bélica, sofrem uma tremenda recessão, ou vão para outros países, e que metade dos impostos dos estadunidenses vão para os militares, podemos claramente vislumbrar o objetivo imperialista dos EUA.
Nesse momento em que vemos em pleno horário nobre das emissoras o vazamento de documentos da NSA (Agência de Segurança nacional dos EUA) por Edward Snowden dando conta de que a privacidade das comunicações de indivíduos e nações pode ser a qualquer momento devassada por dispositivos eletrônicos, é oportuno assistir ao documentário “Pax Americana e a Militarização do Espaço” (2009) do francês Denis Delestrac. Principalmente porque a descrição que o documentário faz do modus operandi da inteligência militar norte-americana e a noção de “espaço” pensada por ela é bem diferente da tradicional noção orwelliana de “espaço” que os analistas vem pensando o caso Snowden. Se os conteúdos revelados pelos documentos há décadas são conhecidos e divulgados por estudiosos de comunicação e teóricos da conspiração, por que só agora foram “vazados” de forma generalizada por todas as mídias?
Em 12 de junho de 1982 houve uma grande manifestação em Nova York. Quase um milhão protestaram contra as armas nucleares e a corrida armamentista. Era então o auge da Guerra Fria. Na TV falava o tenente-general Daniel Graham que era o chefe da Defesa Estratégica de Ronald Reagan. Perguntaram-lhe se estava preocupado com uma manifestação de um milhão de pessoas nas ruas protestando contra armas nucleares. Disse: “Parece-me fantástico! Estão protestando contra mísseis balísticos intercontinentais, enquanto nós vamos para o espaço. Eles não fazem ideia do que fazemos. Então, que continuem assim”.
Esse episódio descrito por “Pax Americana e a Militarização do Espaço” talvez seja o mais perturbador neste documentário dirigido pelo francês Denis Delestrac. Sugere que todo movimento de protestos, críticas ou denúncias estaria sempre aquém dos poderes que pretendem desmascarar. Como um jogo de “resta um”, parece que sempre falta o conhecimento de uma outra cena, de um outro passo que estaria sempre à frente do alvo das manifestações.
Em tempos de documentos da NSA vazados pelo técnico em redes de computação Edward Snowden sobre fatos que qualquer pesquisador em Comunicação ou até mesmo um teórico da conspiração já conhecem no mínimo há vinte anos (a novidade nesse episódio é que um dissidente ganhou cara e identidade na mídia), esse fato narrado pelo documentário dá o que pensar. Quando acompanhamos a grande mídia como a TV Globo cuja pauta sempre foi conservadora, abraçando e repercutindo informações que há muito tempo são temas de movimentos mais à esquerda do espectro político, imediatamente vêm à mente documentários como “Pax Americana e a Militarização do Espaço”. E se a verdade estiver em “outra cena”?
Talvez a principal coisa a ser discutida nisso tudo seja a noção de “espaço”: será que o conceito de “espaço” (cibernético, cujos conteúdos são monitorados e esquadrinhados) que as denúncias mobilizam contra a NSA é a mesma noção de “espaço” que agências de inteligência dos EUA pensam?
O Documentário
“Pax Americana” detalha os possíveis resultados atuais de uma corrida espacial que começou em 1957 com o lançamento do satélite Sputnik pelos soviéticos, cujas origens estão nos foguetes V-2 de Hitler. O que se seguiu após o fim da Segunda Guerra foi a chamada “Operação Paperclip” que conduziu o cientista idealizador dos V-2 Wernher Von Braun para a NASA, após um processo de “desnazificação” dele junto à opinião pública.
A partir daí os custos em projetos secretos para armar e policiar a alta estratosfera se tornaram crescentes: cinquenta centavos de cada dólar de imposto vão para os crescentes gastos militares nesse setor em projetos como “Guerra nas Estrelas” ou os “Escudos Antimísseis”. Muitos especialistas consultados pelo documentário sustentam que a defesa antimísseis seria a maior fraude na história da defesa dos EUA. Sob o pretexto da defesa dos interesses comerciais, de ser o “árbitro da paz” ou de defesa contra possíveis ataques estrangeiros, na verdade tudo seria um ardil para disfarçar as verdadeiras intenções americanas de conquista da hegemonia espacial como forma de dominação geopolítica – livrar-se dos tratados anti-mísseis balísticos foi uma das primeiras medidas da administração Bush.
A preocupação midiática que a defesa americana demonstra com relação a ameaças por armas químicas, biológicas ou nucleares seria uma mera cortina de fumaça para encobrir o seu real objetivo: o domínio do espaço. Mas para quê? Para disparar raios mortais? Destruição de cidades inteiras a partir de máquinas de guerra em órbita?
Toda a nossa vida depende de satélites. Para controlar tráfego aéreo, marítimo, terrestre e até nosso carro. Transmissões de TV, telefonia, saques em caixas eletrônicos, além de previsões meteorológicas e de catástrofes. Existem aproximadamente 1.000 satélites em órbita que são propriedade de 45 nações. Os EUA detêm 48,9%.
Para além de monitoramento e espionagem dos conteúdos do tráfego de dados e comunicações, a hegemonia espacial corresponderia a um projeto muito mais amplo que consiste na própria reformulação do conceito de “espaço”. Se no passado a tática para controlar o campo de batalha era o de ter uma posição mais elevada para poder ter a visão geral do teatro de operações (desde a conquista de montanhas, torres, utilização de balões e aviões), agora os militares procuram a sinergia terra, mar e ar pela conquista do “tempo real” que anularia distâncias e diferenças geográficas.
O novo conceito de “espaço”
Uma das lições que podemos aprender de “Pax Americana” é a notável capacidade da inteligência norte-americana criar um jogo de simulação, produzindo uma verdadeira cortina de fumaça através das mídias. A hegemonia dos EUA na propriedade de satélites em orbita do planeta e a capacidade de “vazar” informações, vídeos e dados têm uma relação direta, como demonstra, por exemplo, o filme “Mera Coincidência” (Wag the Dog, 1997): em uma estratégia de desvio de atenção de uma grave crise envolvendo um escândalo sexual do presidente às vésperas da reeleição, deixam “vazar” de satélites um vídeo fake de uma suposta frente de batalha dos EUA contra os terroristas albaneses. A mídia engole a isca e repercute destaque exclusivo, despertando um oportuno patriotismo na opinião pública.
Aqui, a noção de “simulação” é no sentido dado pelo pensador francês Jean Baudrillard: a importância das informações atuais é muito mais de logística e de estratégia do que de conteúdo, isto é, o seu poder de ressonância nesse novo espaço em tempo real criado pela hegemonia orbital. Em outras palavras, a informação perdeu sua importância referencial (o seu conteúdo) para adquirir a importância de ressonância. Para a Inteligência norte-americana importaria cada vez menos monitorar o conteúdo do tráfego de informação, mas muito mais dominar a sua infra-estrutura (satélites) de forma militar.
Hipóteses: invertendo o caso Snowden
Analisando o caso do vazamento de documentos secretos da NSA pelo seu ex-funcionário Edward Snowden em confronto com o documentário “Pax Americana” poderíamos levantar as seguintes hipóteses:
(a) Se aceitarmos a premissa baudrillardiana de que toda informação é simulação destinada a repercutir no espaço ressonante em tempo real, deveríamos inverter as análises sobre o caso Snowden: e se, como no episódio narrado por “Pax Americana”, a verdade estiver em “outra cena”? Isto é e se todas as atenções estiverem sendo desviadas para o controle orwelliano aqui na Terra quando o controle decisivo está no espaço?;
(b) Snowden estaria desempenhando a sua última missão para a NSA como o dissidente que irá desaparecer para sempre?
(c) Analistas midiáticos ainda pensam o espaço de forma orwelliana onde o Estado seria um Big Brother que vê tudo e controla tudo de forma centralizada. Sabemos que em sistemas complexos e caóticos como a Internet e redes de comunicação é impossível um controle ou transparência total de conteúdos pela natureza desses ambientes – entrópicos e randômicos. Enquanto pensarmos o Estado de forma orwelliana, estaremos ainda no paradigma da censura, da mentira e da dissimulação. Como demostra “Pax Americana” todos os dispositivos de inteligência funcionam como vazamentos de simulações. Ao invés de esconder, expor.
(d) Isso explicaria o porquê deste “vazamento” estar sendo repercutindo por todas as mídias e por todo espectro político da Direita à Esquerda.
(e) Projeto Echelon, Prism, escritórios da CIA e NSA em Brasília e demais mecanismos algoritmos de vigilância são conhecidos há décadas por estudiosos da comunicação e teóricos da conspiração. São segredos de polichinelo. Agora são revelados bombasticamente como novidades no horário nobre de todas as emissoras.
(f) Esse Estado orwelliano ainda não é fascista, porque controlado e subjugado por grandes conglomerados e empresas. Como apresenta “Pax Americana”, a conquista militar do espaço é uma grande oportunidade de lucros privados. Os “vazamentos” da ação de um suposto estado Big Brother, associado à instabilidade e crises econômicas sucessivas, visariam criar uma atmosfera generalizada de paranoia, insegurança e medo. Historicamente, tal clima é propício para revindicações por governos “puros” e “apartidários”. A partir daí, então, temos o início da implantação de um verdadeiro Estado fascista.