Plutocracia.com

Bookmark and Share

O ponto de não retorno será repentino

por Michael Hudson | entrevistado por The Saker

Resistir.info - 1 de maio, 2020

https://www.resistir.info/crise/hudson_01mai20.html

Sempre tive por Michael Hudson a maior estima. Não apenas o considero como o meu economista favorito nos EUA, mas também sei que ele é um ser humano generoso. Ele manifestou essa generosidade novamente quando concordou em responder a algumas perguntas muito básicas que um não-economista como eu faria. Estou profundamente grato a Michael por ter tempo para me responder!
The Saker

The Saker: Suponho que, como qualquer outro sistema, a economia e o sistema financeiro dos EUA e, em geral, do Ocidente venham a ser penalizados, mas deve haver um "ponto de não retorno", após o qual todo o sistema se desmorona como um castelo de cartas. Minha primeira pergunta é dupla: a) o que seria esse "ponto de não retorno" e se acha que já (ou em breve) o atingimos? b) Quais seriam os sinais de que esse "ponto de não retorno" foi alcançado (ou está prestes a ser alcançado)?

Michael Hudson: O "ponto de não retorno" chegaria quando a Reserva Federal e o governo deixassem de resgatar (bailing out) os banqueiros e os mercados de acções e títulos e deixassem o preço real dos activos entrar em colapso no "mercado livre", para reflectir a contracção da economia "real". Nessa altura haveria uma liquidação ao desbarato sem a promessa de a Reserva Federal ser o comprador de último recurso.

O problema é que a economia nunca conseguiu recuperar da Depressão de Obama (resultante da sua recusa em cancelar as dívidas das hipotecas-lixo para com as principais instituições financeiras), na medida em que elas mantêm nos registos os encargos das dívidas actuais. Mas o comentário de Sheila Bair ainda se aplica: "É tudo sobre os possuidores de títulos".

Assim, não espero para breve um "ponto de não retorno". Mas quando finalmente ocorrer ele será repentino – tal como em todas as bancarrotas. Isso pode ser desencadeado por um banco ou por um especulador que fez uma má aquisição e é incapaz de pagá-la, tal como aconteceu com a agência da AIG em Londres em 2008.

Dito isto, quem acreditaria que o mercado de acções continuaria a subir enquanto a economia "real" subjacente estava a contrair-se drasticamente? Obviamente, houve uma dissociação entre os dois sectores da economia: o sector financeiro, de seguros e imobiliário (FIRE) e o sector da economia da produção e do consumo.

Penso que a Reserva Federal permitirá que os grandes iniciados dentro do sistema vendam tudo (e até que façam uma fortuna com a venda de acções e títulos a descoberto) antes de fechar o negócio (pull the plug). O segredo está em que o colapso da economia deve ser gerido como uma oportunidade de ganhos para os grandes bancos e especuladores financeiros.

The Saker: Há por aí muita conversa sobre as grandes corporações, mas quero perguntar-lhe acerca dos "pequenos" (como eu e a maioria de nossos leitores): o que podemos fazer para nos prepararmos para um possível colapso económico e financeiro? Por exemplo, considera que o nosso dinheiro está seguro nos bancos de depósitos garantido pelo Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC)? Ou teremos umas "férias bancárias" ou até uma "corrida aos bancos" em grande escala como aconteceu na Argentina? Deveríamos retirar as nossas poupanças e guardar o papel-moeda? Ou até obter ouro/prata? O que recomenda para os "pequenos"?

Michael Hudson: Depósitos garantidos pelo FDIC são seguros. Eles não os vão deixar cair, porque isso acabaria com o sistema bancário. Não haverá uma corrida ao estilo argentino, porque a dívida externa argentina é denominada em dólares, que eles não podem imprimir. Mas a dívida dos EUA é denominada na sua própria divisa, que a Reserva Federal e o Tesouro podem criar à vontade.

O mercado de acções irá ziguezagueando aproximadamente na faixa actual, até que o mergulho seja permitido. O investimento mais seguro é em títulos do Tesouro dos EUA. O ouro também é bom, mas o problema é como mantê-lo livre de roubo. Tal como a moeda, ele pode ser roubada.

Para os pequenos investidores, o melhor objectivo para se protegerem e ficarem (e permanecerem) sem dívidas, garantir a sua casa e o seu sustento daquilo que pode ser um plano de austeridade do tipo o Terceiro Mundo, estilo FMI, resultante de bancarrotas estatais e locais. (Evitar comprar títulos estatais e locais isentos de impostos.)

The Saker: Quão má é, na sua opinião, a actual crise em termos financeiros/económicos? Alguns dizem que será (ou já é) pior do que a de 2008, 11/Set ou mesmo a Grande Depressão. Concorda e, se não, por quê?

Michael Hudson: A depressão actual é a pior desde a década de 1930. Haverá uma nova onda de execuções de hipotecas, tanto em imóveis comerciais quanto residenciais. O problema não será meramente as hipotecas lixo sobre activos desvalorizados, mas a perda de rendimento de lojas, outros espaços comerciais e residências que pagam rendas.

Estamos no final da alta de 75 anos começada em 1945, quando a guerra terminou com poucas dívidas no sector privado e abundantes poupanças. Agora, a situação foi revertida: uma pesada sobrecarga de dívida, com poucas poupanças da maior parte da população. O crescimento do excedente económico agora é gasto quase inteiramente no serviço da dívida, em outros encargos financeiros e em pagamentos rentistas ao sector FIRE. O capitalismo rentista substituiu o capitalismo industrial.

The Saker: Muitas pessoas (e corporações) estão a perder milhões e até milhares de milhões. Mas outras estão a ter grande êxito (Amazon?). Na sua opinião, quem mais beneficia com esta crise e como?

Michael Hudson: Financeiros e políticos do sistema serão beneficiados pela crise, juntamente com os monopolistas. O resto da economia perderá – mas as fortunas mais rápidas muitas vezes são obtidas numa crise. Como observou Adam Smith, os lucros geralmente são mais altos nos países que se arruínam mais rapidamente. Mas desta vez não são os lucros que são a chave dessas riquezas, mas os "ganhos de capital" de activos financeiros inflacionados.

Em suma, o jogo financeiro tem sido manipulado pelos iniciados políticos do sistema e pelos seus financiadores. A sua escala de tempo é o curto prazo.

Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College. Ele é ex-analista de Wall Street, consultor político, comentarista e jornalista, além de colaborador do The Hudson Report, um podcast semanal de notícias econômicas e financeiras produzido pela Left Out. Na opinião de Paul Craig Roberts, Hudson é o melhor economista da atualidade.

https://www.resistir.info/crise/hudson_01mai20.html


Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias
Regras da Comunidade

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do site.

| Capa | Pesquisar | Artigos | Termo de Responsabilidade | Contacto |