O Mecanismo Europeu de Estabilização, ou como a Goldman Sachs capturou a Europa
Por Ellen Brown | Global Research
Resistir.info - 19 de Abril, 2012
http://resistir.info/europa/mee_brown_19abr12.html
O golpe da Goldman Sachs que falhou na América está quase a ter êxito na Europa – um salvamento permanente, irrevogável e incontestável para os bancos que é financiado pelos contribuintes.
Em Setembro de 2008 Henry Paulson, antigo presidente da Goldman Sachs,
conseguiu extorquir do Congresso um salvamento bancário de US$700 mil
milhões. Mas para ter êxito nisso ele precisou cair de joelhos e
ameaçar de colapso todo o sistema financeiro global e ainda a
imposição de lei marcial. E o salvamento era um caso pontual a
ser efectuado só uma vez. O pedido de Paulson de um
fundo de salvamento permanente
Troubled Asset Relief Program ou TARP teve a
oposição do Congresso e acabou por ser rejeitado.
Em Dezembro de 2011, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi,
antigo vice-presidente da Goldman Sachs Europe, conseguiu aprovar um
salvamento de 500 mil milhões de euros
para bancos europeus sem pedir permissão a ninguém. E em Janeiro
de 2012, um programa de financiamento permanente de resgates, chamado Mecanismo
de Estabilidade Europeia (MEE), foi
aprovado na calada da noite
mal sendo mencionado pela
imprensa. O MEE impõe uma dívida ilimitada a governos membros da
UE, colocando os contribuintes no anzol para seja o que for que venha a ser
exigido pelos eurocratas supervisores do MEE.
O golpe dos banqueiros triunfou na Europa aparentemente sem um combate. O MEE
é encorajado pelos governos da eurozona, pelos seus credores e
igualmente pelo "mercado", porque significa que investidores
continuarão a comprar dívida soberana. Tudo é sacrificado
aos pedidos dos credores, porque de que outro lugar o dinheiro pode ser obtido
para manter a flutuar as dividas paralisantes dos governos da eurozona?
Há uma outra alternativa à escravidão da dívida
para com os bancos. Mas, em primeiro lugar, um olhar mais atento ao ventre
abominável do MEE e à silenciosa tomada do BCE pelo Goldman.
O lado escuro do MEE
O MEE
é um organismo de resgate permanente destinado a substituir tanto
o European Financial Stability Facility como o European Financial Stabilization
Mechanism, ambos temporários, assim que Estados Membros representando
90% dos compromissos de capital o houverem ratificado, o que se espera
acontecer em Julho de 2012. Num vídeo do YouTube de Dezembro de 2011
intitulado
"A chocante verdade do iminente colapso da UE"
, apresentado originalmente em alemão, faz revelações sobre
o MEE que vale a pena aqui citar extensamente. O vídeo afirma:
A UE está a planear um novo tratado chamado Mecanismo Europeu de
Estabilidade, ou MEE: um tratado de dívida. ... O stock de capital
autorizado será de 700 mil milhões de euros. Pergunta: por que
700 mil milhões? [Provável resposta: ele simplesmente imitou os
US$700 mil milhões que o Congresso dos EUA comprou em 2009].
[Artigo 9º] "... Membros do MEE por este instrumento irrevogavelmente
e incondicionalmente comprometem-se a pagar a pedido qualquer chamada de
capital que se lhes faça ... dentro de sete dias após a
recepção do pedido". ... Se o MEE precisar dinheiro, temos
sete dias para pagar. ... Mas o que significa "irrevogavelmente e
incondicionalmente"? O que acontece se tivermos um novo parlamento que
não queira transferir dinheiro para o MEE? ...
[Artigo 10º] "O Conselho de Governadores pode decidir mudar o capital
autorizado e emendar o Artigo 8 ... correspondentemente". Pergunta: ...
700 mil milhões é só o começo? O MEE pode aumentar
o fundo tanto quanto quiser, em qualquer momento que quiser? E a nós
então seria exigido sob o Artigo 9 que pagássemos
irrevogavelmente e incondicionalmente?
[Artigo 27, linhas 2-3]: "O MEE, sua propriedade, recursos financeiros e
activos ... desfrutará de imunidade em relação a toda
forma de processo judicial ..." Pergunta: Então o programa MEE pode
processar-nos, mas nós não podemos contestá-lo em tribunal?
[Artigo 27, linha 4]: "A propriedade, recursos financeiros e activos do
MEE ... será imune a investigação,
requisição, confisco, expropriação ou qualquer
outra forma de captura, tomada ou arresto por acção executiva,
judicial, administrativa ou legislativa". Pergunta: Isto significa que nem
os nossos governos nem os nossos legisladores, nem qualquer das nossas leis
democráticas têm qualquer efeito sobre a organização
do MEE? Isto é um tratado bastante poderoso!
[Artigo 30]: "Governadores, governadores suplentes, directores, directores
suplentes, o director administrativo e os membros da equipe serão imunes
a processos legais em relação a actos por eles desempenhados ...
e desfrutarão de inviolabilidade em relação aos seus
papéis e documentos oficiais". Pergunta: Então alguém
envolvido no MEE está fora do anzol? Eles não podem ser
responsabilizados por qualquer coisa? ... O tratado estabelece uma nova
organização intergovernamental para a qual nos é exigido
transferir activos ilimitados dentro de sete dias a simples pedido, a uma
organização que pode processar-nos mas é imune a todas as
formas de processo e cujos administradores desfrutam da mesma imunidade.
Não há revisores independentes e não existem leis a
aplicar? Os governos não podem efectuar acções contra ele?
Orçamentos nacionais nas mãos de uma única
organização inter-governamental não eleita? Será
isso o futuro da Europa? Será isso a nova UE uma Europa
destituída de democracias soberanas?
O polvo Goldman captura o BCE
Em Novembro último, sem fanfarras e mal notado pela imprensa, Mario
Draghi, o antigo executivo da Goldman, substituiu Jean-Claude Trichet como
governador do BCE. Draghi não perdeu tempo a fazer para os bancos o que
o BCE se havia recusado a fazer para os seus governos membros despejar
dinheiro sobre eles a taxas muito baratas. O bloguista francês Simon
Thorpe informa:
Em 21 de Dezembro, o BCE "emprestou" 489 mil milhões de euros
a bancos europeus à taxa extremamente generosa de apenas 1% em
três anos. Digo "emprestou", mas na realidade eles apenas
puseram as impressoras a funcionar. O BCE não tem esse dinheiro para
emprestar. É
Quantitative Easing
mais uma vez.
O dinheiro foi devorado de forma virtualmente instantânea por um total de
523 bancos. É a loucura completa. O BCE espera que os bancos venham a
fazer algo útil com ele como emprestar o dinheiro aos gregos, os
quais estão actualmente a pagar 18% nos mercados de títulos para
obterem dinheiro. Mas não há absolutamente nenhumas
condições adstritas. Se os bancos decidirem pagar bónus
com o dinheiro, tudo bem. Ou podem simplesmente transferir todo o dinheiro para
paraísos fiscais.
A juros de 18%, a
dívida duplica
em apenas quatro anos. É este
oneroso fardo de juros, não a própria dívida, que
está a paralisar a Grécia e outros países devedores.
Thorpe propõe a solução óbvia:
Por que não emprestar o dinheiro directamente para o governo grego? Ou
para o governo português, actualmente tendo de contrai empréstimos
a 11,9%? Ou ao governo húngaro, actualmente a pagar 8,53%? Ou ao governo
irlandês agora a pagar 8,51%? Ou ao governo italiano, o qual está
a pagar 7,06%?
A objecção de reserva àquela alternativa é que o
Artigo 123 do Tratado de Lisboa impede o BCE de emprestar a governos. Mas
Thorpe raciocina:
O meu entendimento é que o Artigo 123 está ali para impedir
governos eleitos de abusarem de Bancos Centrais ordenando-lhes que imprimam
dinheiro para financiar gastos excessivos. Essa, dizem-nos, é a
razão porque o BCE tem de ser independente de governos. OK. Mas o que
temos agora é um milhão de vezes pior. O BCE está agora
totalmente nas mãos do sector bancário. "Queremos 500
milhões de dinheiro realmente barato!!" dizem eles. OK, não
há problema. Mário está aqui para acertar isso. E
não é preciso consultar ninguém. No momento em que o BCE
fez o anúncio, o dinheiro já havia desaparecido.
Se o BCE estivesse a trabalhar pelo menos sob a supervisão de governos
eleitos teríamos alguma influência quando elegemos aqueles
governos. Mas o grupo que agora tem as suas mãos encardidas nos
instrumentos de poder agora está totalmente fora de controle.
A Goldman Sachs e os tecnocratas financeiros apossaram-se do navio europeu. A
democracia saiu pela janela, tudo em nome da manutenção do banco
central independente de "abusos" de governos. Mas o governo é
o povo ou deveria ser. Um governo eleito democraticamente representa o
povo. Os europeus estão a ser ludibriados para abrir mão da sua
querida democracia em favor de um perigoso banco de piratas financeiros, e o
resto do mundo não fica muito atrás.
Ao invés de ratificar o draconiano tratado MEE
[1]
, os europeus seriam mais
avisados se revertessem o artigo 123 do tratado de Lisboa. Então o BCE
poderia emitir crédito directamente para os seus governos membros.
Alternativamente, governos da eurozona poderia restabelecer sua soberania
económica pela ressurreição dos seus bancos centrais de
propriedade pública e utilizá-los para emitir o crédito do
país em benefício do país, efectivamente isento de juro.
Isto não é uma ideia nova mas historicamente tem sido utilizada
com muito bom efeito, na
Austrália por exemplo através do Commonwealth Bank of Australia
e no
Canadá através do Bank of Canada
.
Hoje a emissão de dinheiro e crédito tornou-se direito privado
de rentistas vampiros, os quais estão a utilizá-lo para extrair o
sangue vital de economias. Este direito precisa ser devolvido a governos
soberanos. O crédito deveria ser um serviço público
(public utility),
distribuído e administrado para o benefício do povo.
19/Abril/2012
[1] O parlamento português ratificou o Tratado do MEE em 13/Abril/2012, com os votos favoráveis do PS, PSD e CDS.
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Ellen Brown é presidente do Public Banking Institute e autora de doze livros, incluindo o best-seller Web of Debt. Em The Public Bank Solution, seu livro mais recente, ela examina historicamente e globalmente modelos de banca pública. Seus artigos estão no blog ellenbrown.com.
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