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Chove em Caracas

É preciso que a memória não seja curta, ou a amnésia selectiva: os que hoje golpeiam ou apoiam o golpe contra o povo venezuelano são os mesmos que em 1973 apoiaram o golpe fascista de Pinochet.

Por Agostinho Lopes

AbrilAbril - 5 de fevereiro, 2019

https://www.abrilabril.pt/internacional/chove-em-caracas


Retrato de graffiti com mulher. Caracas, Venezuela, 9 de Março de 2015. Os EUA tinham acabado de emitir sanções contra a Venezuela, a pretexto de que o país seria uma «ameaça à sua Segurança Nacional". CréditosJorge Silva / Reuters

Ou o Chile outra vez. É preciso que a memória não seja curta, ou a amnésia selectiva: os que hoje golpeiam ou apoiam o golpe de Estado contra o povo venezuelano são os mesmos que em 1973 apoiaram o golpe fascista de Pinochet no Chile de Allende, de Neruda e da Unidade Popular.

E não julguem alguns que podem ficar oportunisticamente, face ao rolo compressor da onda mediática golpista, sentados em cima da ponte, no dilema Revolução Bolivariana versus Império do Norte. Que é o que significa afirmar não escolher entre Maduro e Trump. Que se lembrem se poderiam não ter optado por Allende. Ou, mais lá para trás, optar pela «neutralidade» da França e Inglaterra no avanço do fascismo contra a República Espanhola. Ou, em dias próximos, dizer como alguns disseram, «Nem Dilma nem Temer, eleições!»

Há diferenças. O imperialismo norte-americano não conseguiu, até hoje, convocar as forças armadas bolivarianas para afogar em sangue e repressão o povo da Venezuela, como fez no Chile. Mas não foi por falta de tentativas, a começar pelo golpe militar contra Chávez de 2002.

Mas tudo o resto é um filme bem conhecido, encenado e desenvolvido pela CIA & Cia. E é absolutamente espantosa a credibilidade ou a hipocrisia com que tanta boa gente repete chavões e refrões de letras e músicas do disco rachado de todos os golpes e subversões do imperialismo norte-americano, incluindo na história da América Latina do século XX.

Faltam alimentos, e os que choram lágrimas de crocodilo com a fome dos venezuelanos, são os mesmos que aplaudem o cerco e bloqueio económico e financeiro, a confiscação ilegal de bens e recursos financeiros da Venezuela pelo imperialismo e comparsas, com sabotagem da importação de bens de primeira necessidade pelo Estado Venezuelano. Faltam medicamentos, e os que invocam a urgência de uma intervenção humanitária, são os mesmos que nada dizem sobre o boicote da compra pela República Bolivariana, inclusive pela chantagem sobre empresas farmacêuticas, dos fármacos destinados a doentes oncológicos, diabéticos ou necessitados de diálise.

Falam de democracia e mentem. Mentem com quantos dentes têm, sempre confiantes na máxima de Goebbels de que a mentira repetida se faça verdade, sobre as muitas eleições realizadas com Chávez e Maduro, sobre o sistema eleitoral e a liberdade de imprensa na Venezuela. Mentiras sobre a última eleição presidencial, antecipada para 20 de Maio de 2018 por exigência da oposição e seguida por mais de 150 observadores internacionais, confirmando que «as eleições foram muito transparentes e conformes às normas internacionais e à legislação nacional». Mentiras quando transfiguram a subversão terrorista interna, apoiada e paga pelos EUA, em forças da democracia e da liberdade.

As dificuldades, contradições, problemas da Revolução Bolivariana, em grande medida fomentados pelo imperialismo e por forças internas que nunca se conformaram com a vitória de Chávez e da Revolução, não podem ser transformados em razões para a destruir, nem para transformar em aliados os que, de fora e de dentro, sabotam a República Bolivariana. Os interesses soberanos do povo da Venezuela exigem, pelo contrário, a defesa da sua Revolução.

Pretendem continuar a rasgar as «veias abertas» das terras de Bolívar e Sucre, de Sandino e Zapata e Pancho Villa, de Luís Carlos Prestes e Fidel, de Guevara e tantos outros combatentes pela soberania e liberdade dos seus povos.

Depois da viragem à direita na Argentina e no Chile, depois do golpe no Brasil que destituiu Dilma e impediu Lula, pela prisão, de se candidatar, abrindo portas para o golpe maior da eleição de Bolsonaro, o imperialismo achou azado o momento. Reconstituído o arco de governos da Operação Condor (agora baptizados de Grupo de Lima), o imperialismo decidiu avançar. E a toque de caixa lá vai a sucursal da Europa, a União Europeia, dirigida por Merkel, Macron e May. Nada os ensina, porque é da sua natureza imperialista. Assim foi com a Jugoslávia, o Iraque, a Líbia, a Síria e tantos outros crimes!

Lá vão, cantando e rindo, com Trump e Bolsonaro para defender a democracia na Venezuela. Na Arábia Saudita, a defesa da democracia passa pela venda de armas e visitas de amizade eterna de Trump e Merkel, de Sánchez e Macron.

E o que faz, para vergonha nossa, Portugal nessa caterva de salteadores da soberania dos povos?

Vale tudo? Vale pois, como diz, o ex-marxista-leninista-maoista, e fundamentalmente anticomunista, Vicente Jorge da Silva, «Por vezes, não há soluções quimicamente puras para ultrapassar becos sem saída» (Público, 3 de Fevereiro de 2019) e logo, o golpe de Estado, a invasão militar, o apelo à subversão das forças armadas, podem ser necessários como foram no Chile! Mesmo se o sangue jorrar do coração aberto de um povo. Mesmo se for para montar uma tenebrosa ditadura! Tudo em nome da democracia… e, naturalmente, do petróleo!

E de cambulhada com essa tropa alinhada, mas fandanga, contra a Constituição Portuguesa, contra o Direito Internacional, contra a ordem internacional da Carta da ONU, lá vão António Costa disfarçado de Durão Barroso e Augusto Santos Silva de Martins da Cruz. Lá vão, para vergonha nossa!

Se amanhã «Chover em Caracas» saberemos a quem pedir contas!

Agostinho Lopes - Deputado na VI, VIII, X, XI e XII Legislaturas. Membro das Comissões Parlamentares da Economia e da Agricultura e Pescas

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