Os 130 convidados de escol passaram horas de prazer – teoricamente calmas – no “fórum de discussões informais sobre grandes questões”, categoria “o freguês tem sempre razão” [ing. self-billed]. Como sempre, dois terços, pelo menos, eram executivos europeus; o resto veio da América do Norte.
O fato de que uns poucos grandes atores nesse Valhalla atlanticista sejam intimamente associados ou com capacidade para interferir diretamente com o Banco de Compensações Internacionais [ing. Bank for International Settlements (BIS)] em Basel – o banco central dos bancos centrais – e, claro, detalhe.
A grande questão discutida esse ano foi “Uma Ordem Estratégica Estável”, empreitada grandiosa que se pode interpretar seja como a construção de uma Nova Ordem Mundial, seja como esforço bem-intencionado, por elites generosas, para guiar a humanidade no rumo das luzes e do esclarecimento.
Outros itens de discussão eram muito mais pragmáticos – de “O Futuro do Capitalismo”, até “Rússia”, “China”, “Mídia Sociais usadas como arma”, “Brexit”, “O que acontecerá com a Europa”, “Ética da Inteligência Artificial” e por último, mas não menos importante, “Mudança climática”.
Discípulos Antístenes diria que desses tópicos, precisamente, se faz a Nova Ordem Mundial.
O presidente do comitê que dirige Bilderberg desde 2012, é Henri de Castries, ex-CEO de AXA e diretor do Institut Montaigne, importante think-tank francês.
Um dos convidados chave esse ano foi Clement Beaune, conselheiro do presidente Emmanuel Macron da França, para Europa e G20.
Bilderberg orgulha-se de manter para seus trabalhos a Regra Chatham House, segundo a qual os participantes podem usar como queiram todas as preciosas informações que desejem, porque os participantes do encontro comprometem-se a não revelar a fonte de coisa alguma – informação sensível ou o que tenha sido dito.
Ajuda a cultivar o sigilo lendário de Bilderberg – e fonte de inspiração para infinidades de teorias de conspiração. Mas não significa que o segredo dos segredos não seja revelado.
O eixo Castries/Beaune nos presenteia com o primeiro segredo aberto de 2019. Foi Castries no Institut Montaigne que “inventou” Macron – aquele perfeito espécimen produzido em laboratório, de banqueiro de aquisições e fusões a serviço do establishment, em pose de progressista.
Fonte em Bilderberg fez saber, discretamente, que o resultado das recentes eleições parlamentares na Europa foi interpretado como vitória. Afinal, a derradeira escolha aconteceu entre (i) uma aliança neoliberais & Verdes e (2) um populismo de direita. Absolutamente nada a ver com valores progressistas.
Os Verdes que venceram na Europa – diferentes nisso dos Verdes-EUA – são todos perfeitos imperialistas humanitários, para citar a esplêndida neologia cunhada pelo físico belga Jean Bricmont. E todos rezam no altar do politicamente correto. O que conta, do ponto de vista de Bilderberg, é que o Parlamento Europeu continuará a ser comandado por uma pseudo-esquerda que insiste em defender a destruição do estado-nação.
O tique-taque do relógio dos derivativos não para
O grande segredo Bilderberg para 2019 teve a ver com por que, de repente, o governo Trump resolveu que quer conversar com o Irã “sem pré-condições”.
Tem tudo a ver com o Estreito de Ormuz. Bloquear o Estreito pode interromper o fluxo de petróleo e gás do Iraque, Kuwait, Bahrain, Qatar e Irã – 20% do petróleo do mundo. Houve alguma discussão sobre se pode mesmo acontecer, ou não – sobre se a 5ª Frota dos EUA estacionada ali perto, poderia impedir Teerã de fazer tal coisa; e sobre se o Irã, que tem mísseis antinavios ao longo de toda a fronteira norte do Golfo Persa, chegaria a tal ponto.
Fonte norte-americana disse que chegaram estudos à mesa do presidente Trump, que provocaram pânico em Washington. Mostravam que, no caso de o Estreito de Ormuz ser bloqueado, não importa o motivo, o Irã tem poder para pulverizar o sistema financeiro global, ao fazer voar pelos ares todo o comércio global de derivativos.
O Banco de Compensações Internacionais disse ano passado que “o total possível de todos os contratos derivativos” era $542 trilhões, embora o valor bruto de mercado declarado fosse de apenas $12,7 trilhões. Outros sugerem que esteja em $1,2 quatrilhão ou mais.
Teerã não falou abertamente dessa “opção nuclear”. Mas, sim, o general Qasem Soleimani, comandante da Força Quds do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana e bête noire do Pentágono, já evocou o assunto em discussões internas no Irã. A informação circulou devidamente para França, Grã-Bretanha e Alemanha, os membros de grupo UE-3 para o acordo nuclear iraniano (tecnicamente, Joint Comprehensive Plan of Action), onde também causou pânico.
Especialistas em derivativos de petróleo sabem bem que, se o fluxo de energia no Golfo for bloqueado, pode fazer o preço do barril saltar para $200, e até mais alto, por longo período. Derrubar o mercado de derivativos criaria depressão global sem precedentes. O secretário do Tesouro de Trump, Steve Mnuchin, ex-Goldman Sachs, é especialista nesse assunto.
E o próprio Trump parece ter dado o jogo por perdido. Já está na mídia dizendo que o Irã não tem qualquer valor estratégico para os EUA. Segundo a fonte norte-americana: “Trump só quer encontrar saída honrosa para a arapuca na qual seus conselheiros Bolton e Pompeo o meteram. O Irã não está pedindo conversações. Os EUA, sim, já pediram.”
O que nos leva à viagem do secretário de Estado Mike Pompeo, com demorada parada, não agendada, na Suíça, ali, ao lado de Bilderberg, só porque é “fã de queijo e chocolate”, palavras dele.
Fato é que qualquer cuco de relógio anunciaria o quanto precisava tranquilizar os medos das elites transatlânticas, para nem falar dos encontros a portas fechadas com os suíços, que representam o Irã nos contatos com os EUA. Depois de semanas das mais ferozes ameaças, os EUA disseram que “não haverá pré-condições” em conversas com Teerã, promessa feita em solo suíço.
China demarcou suas linhas no chão
Bilderberg não conseguiria não discutir a China. Por regra de justiça geopolítica, virtualmente no mesmo momento a China disparava vigorosa mensagem para Oriente e Ocidente, – no Diálogo Xangrilá em Singapura.
O diálogo Xangrilá é o principal fórum anual de segurança da Ásia e, diferente de Bilderberg, realiza-se sempre no mesmo hotel, Orchard Road em Singapura. Como Bilderberg, Xangrilá também discute “grandes questões de segurança”.
Pode-se dizer que Bilderberg formata as discussões como se vê em recente matéria de capa de semanário francês que pertence a um oligarca simpatizante de Macron, “Quando a Europa governava o mundo”. Xangrilá, por sua vez, discute o futuro próximo – quando a China poderá realmente estar governando o mundo.
Pequim enviou delegação de primeira linha ao fórum esse ano, liderada pelo Ministro da Defesa General Wei Fenghe. No domingo, o general Wei demarcou claramente as linhas vermelhas intransponíveis da China; alerta explícito contra “forças externas” que sonham com independência para Taiwan; e o “legítimo direito” de Pequim de expandir as ilhas artificiais no Mar do Sul da China.
Pessoal já havia até esquecido o que o secretário interino da Defesa dos EUA Patrick Shanahan dissera um dia antes, quando acusou Huawei de ser próxima demais de Pequim e de representar risco de segurança para a “comunidade internacional”.
O general Wei achou tempo para triturar Shanahan: “Huawei é empresa privada, não é empresa militar (...) O fato de o presidente da Huawei ter prestado serviço militar, não faz da empresa dele item de equipamento militar. O que foi dito não faz sentido algum.”
Xangrilá é, pelo menos, transparente. No caso de Bilderberg, nada vazará do que os Mestres do Universo disseram às elites ocidentais sobre a lucrabilidade de prosseguir a guerra ao terror; o movimento na direção da total digitalização do dinheiro; o reinado absoluto dos organismos geneticamente modificados; e o modo como a mudança climática será usada como arma.
Pelo menos o Pentágono não fez segredo, mesmo antes de Xangrilá, de que Rússia e China têm de ser contidas a qualquer custo – e os vassalos europeus que entrem na linha.
Henry Kissinger participou de Bilderberg 2019. Boatos de que teria passado todo o tempo tentando fazer funcionar o seu “Nixon reverso” – seduzir a Rússia, para conter a China – podem ser muito exagerados.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
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Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..
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http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26209