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O processo de extradição de Julian Assange é ‘uma charada’ - Entrevista

Em entrevista a The Real News Network, John Pilger comenta a forma como vem sendo conduzido no Reino Unido o processo de extradição para os EUA de Julian Assange, e a forma vergonhosa como grandes media – que se aproveitaram de forma muito lucrativa do seu trabalho jornalístico – agora ignoram este processo inteiramente arbitrário e o atacam.

por John Pilger | The Real News Network

ODiario.info - 9 de novembro, 2019

https://www.odiario.info/john-pilger-o-processo-de-extradicao/

Greg Wilpert: Bem-vindo a The Real News Network. Eu sou Greg Wilpert em Arlington, Virgínia.

Julian Assange perdeu recentemente uma tentativa judicial de adiar a próxima audiência de extradição em Fevereiro de 2020. A audiência sobre o adiamento ocorreu em 21 de Outubro e, de acordo com observadores presentes, ele mal conseguia enunciar frases coerentes. Reagindo à audiência o relator de Direitos Humanos da ONU, Nils Melzer, alertou na sexta-feira passada que Assange continua a mostrar sintomas de tortura psicológica. Melzer visitou Assange em Maio quando realizou uma extensa revisão da sua condição física e psicológica. Na sua declaração de sexta-feira, Melzer disse: “Apesar da urgência médica do meu primeiro recurso e da gravidade das supostas violações, o Reino Unido não adoptou quaisquer medidas de investigação, prevenção e reparação exigidas pela lei internacional”.

Para além das preocupações como Assange é tratado na prisão de Belmarsh nos arredores de Londres, muitos levantaram também preocupações sobre a imparcialidade dos processos contra ele. Assange foi preso em Abril passado, quando a Embaixada do Equador, onde lhe fora concedido asilo político, permitiu que a polícia o prendesse. Ele recebeu então uma pena de 50 semanas por ter escapado à prisão em 2012. Desde então o governo Trump solicitou a extradição de Assange por 17 acusações de espionagem pelas quais poderia caber-lhe uma sentença de 170 anos de prisão nos Estados Unidos.

Juntando-se a mim agora para discutir os últimos desenvolvimentos no caso de Julian Assange está John Pilger. Ele tem observado de muito perto o caso Assange e esteve presente na audiência de 21 de Outubro. É um jornalista premiado e documentarista. O seu filme mais recente é The Coming War on China. Obrigado por se juntar a nós novamente, John.

John Pilger: Com muito gosto

Greg Wilpert: Vamos começar pela a condição de Assange. Como foi dito, esteve presente na última audiência. Qual foi a sua percepção do estado dele e como se apresentou ele?

John Pilger: Sim, estive na última audiência e vi Julian cerca de uma semana antes disso, portanto vi-o de perto recentemente em várias ocasiões. Penso que posso concordar com a avaliação de Nils Melzer. É muito difícil dizer. A sua condição física mudou dramaticamente. Perdeu cerca de 15 quilos de peso. Vê-lo no tribunal esforçando-se para dizer o seu nome e a sua data de nascimento foi realmente muito tocante. Vi-o quando visitei Julian na prisão de Belmarsh, quando ele fica primeiro muito perturbado e depois se controla. Fico sempre impressionado pela a pura resiliência deste homem, porque, como diz Melzer, absolutamente nada foi feito para mudar as condições que lhe são impostas pelo regime prisional. Nada foi feito pelas autoridades britânicas.

Isso quase foi sublinhado pela forma desdenhosa como esta audiência recentemente foi conduzida por esse juiz, por esse magistrado. Havia entre todos nós que estávamos lá a sensação de que toda a charada, e parecia uma charada, fora pré estabelecida. Tinha, sentados à nossa frente, numa mesa comprida, quatro norte-americanos que eram da embaixada dos EUA aqui em Londres, e um dos promotores corria para trás e para a frente para receber instruções deles. A juíza viu isso, e permitiu-o. Era absolutamente ultrajante.

Quando Julian tentou falar e dizer que, basicamente, lhe estavam sendo negadas os meios necessários para preparar seu caso, foi-lhe negado o direito de chamar o seu advogado norte-americano. Foi-lhe negado o direito de ter qualquer tipo de processador de texto ou laptop. Foram-lhe negados certos documentos. Como ele disse, “até me foram negados os meus próprios escritos”, como lhes chamou. Ou seja, as suas próprias anotações e manuscritos. Isto não mudou de forma nenhuma, e é claro que o efeito disso na sua moral, para dizer o mínimo, tem sido muito significativo, e isso foi visível no tribunal.

Greg Wilpert: Sim. Quero aprofundar um pouco mais essa questão sobre a imparcialidade deste julgamento. Craig Murray, que é blogueiro e esteve também na última audiência, escreveu sobre várias questões, que também mencionou. Ele menciona especificamente a juíza distrital, Vanessa Baraitser, e uma das coisas que ela fez foi rejeitar completamente o pedido de Assange para determinar se o processo de extradição é mesmo legal. Ou seja, ele cita de acordo com a lei do Reino Unido: “A extradição não será concedida se a ofensa pela qual a extradição é solicitada for uma ofensa política”. Agora, o que acha dessa questão? A ofensa de Assange é política, e o que diz sobre a reacção do juiz a essa solicitação?

John Pilger: Conheço muito bem o advogado dele, Gareth Peirce, e ela não é uma pessoa que realmente se irrita assim. Mas vi-a antes e depois da audiência, e ela estava bastante irritada com o facto de, como ela disse: “Aqui temos uma audiência de extradição, baseada num tratado entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, e há uma seção nesse tratado que diz, tal como você mencionou, que “ninguém pode ser extraditado se”, e parafraseio, se a dita ofensa for de algum modo política. Está na lei, não é uma questão de opinião. São políticas. Todas excepto uma das acusações inventadas na Virgínia, são baseadas na Lei de Espionagem de 1917, que era uma peça política de legislação usada para expulsar os objectores de consciência durante a Primeira Guerra Mundial.

É político. Não há acusação. Não há base nem fundamento para permitir que estes procedimentos de extradição avancem, e quase perversamente o juiz pareceu reconhecê-lo no seu desprezo pelos trâmites. Sempre que Julian Assange falava, ela fingia um desinteresse, um tédio e, sempre que os seus advogados falavam a mesma coisa. Sempre que o promotor falava, estava atenta. Os aspectos teatrais desta audiência foram bastante notáveis. Nunca vi nada parecido. Então, muito apressadamente, quando o advogado de Julian Assange solicitou um adiamento quando o processo começar realmente em Fevereiro, eles disseram: “Não estaremos preparados em Fevereiro”, e ela descartou-o de imediato.

Não só isso, ela disse que o processo de extradição seria realizado num tribunal que é de facto adjacente à prisão de Belmarsh. É quase parte da prisão. Está muito longe de Londres. Portanto ter-se-á, se não um julgamento secreto, um julgamento em que, ou uma audiência de extradição em que muito poucos lugares estão disponíveis ao público. É muito difícil chegar a esse local. Portanto foram colocados todos os obstáculos para que Assange tenha uma audiência justa. E apenas posso repetir: é um editor e um jornalista que de nada foi condenado, acusado de nada na Grã-Bretanha, cujo único crime é o jornalismo. Pode parecer um slogan, mas é verdade. Eles querem condená-lo por expor o tipo de ultrajantes crimes de guerra, Iraque, Afeganistão, aquilo que se supõe que os jornalistas deveriam fazer.

Greg Wilpert: Certo. Por fim, quero perguntar-lhe também sobre o apoio que Assange parece ou não ter recebido. Parece que as organizações de media que beneficiaram tremendamente com o trabalho de Assange praticamente não mencionam o seu caso, e muito menos o apoiam. Além disso, grupos de direitos humanos como a Amnistia Internacional instaram o Reino Unido a não extraditar Julian, mas não insistiram no caso. Acabei de o verificar. Não o elevaram ao estatuto de uma campanha, como normalmente fazem para presos políticos. Como explica essa ausência de interesse pela situação de Assange entre os media e os grupos de direitos humanos?

John Pilger: Porque muitos grupos de direitos humanos são profundamente políticos, a Amnistia Internacional nunca atribuiu a Chelsea Manning a condição de prisioneiro de consciência. Uma coisa realmente vergonhosa. Chelsea Manning, que foi efectivamente torturada na prisão e, como você diz, não elevaram o caso de Julian. Por quê? Bem, eles são uma extensão. Eles são uma extensão de um estabelecimento que agora está quase sistematicamente caindo sobre qualquer forma de dissidência real. Nos últimos cinco, seis anos, as últimas abertas, as últimas fissuras, os últimos espaços dos media dominantes para jornalistas, de jornalistas comuns aos do tipo de Assange, e não apenas de Assange, para pessoas como eu e outros, esses espaços fecharam.

Os media dominantes, e certamente na Grã-Bretanha, sempre mantiveram abertos esses espaços. Fecharam, e penso que geralmente há um medo, em todos os media, de se opor ao Estado em algo como o caso Assange. Vê-se a forma como toda a obsessão com a Rússia tem consumido os media com tantas histórias disparatadas. A hostilidade, a animosidade em relação a Julian. A minha própria teoria é que o seu trabalho envergonhava muitos jornalistas. Ele faz o que os jornalistas deveriam ter feito e deixaram de fazer. Fez o trabalho de um jornalista. Apenas isso o pode explicar. Quero dizer, quando se pega num jornal como The Guardian, que publicou originalmente as revelações do WikiLeaks sobre o Iraque e o Afeganistão, e se voltou contra Julian Assange da forma mais cruel possível.

Eles exploraram-no por uma coisa. Vários jornalistas saíram-se extremamente bem com os seus livros, argumentos em Hollywood e assim por diante, mas voltaram-se pessoalmente contra ele. Foi um dos espectáculos menos edificantes que eu já vi no jornalismo. O mesmo aconteceu no New York Times. Mais uma vez, só posso supor a razão disso. É que ele os envergonha. Temos neste momento um deserto de jornalismo. Existem alguns que ainda fazem o seu trabalho; que ainda se levantam contra o poder do establishment; que ainda não estão atemorizados. Mas há tão poucos agora, e Julian Assange é totalmente destemido nisso. Ele sabia que iria ter muitos problemas com o Estado na Grã-Bretanha, o Estado nos Estados Unidos - mas foi em frente de qualquer maneira. Esse é um verdadeiro jornalista.

Greg Wilpert: Bem, teremos que deixá-lo por enquanto, mas é claro que continuaremos acompanhando o seu caso dele, como temos feito desde o início. Estiva conversando com John Pilger, jornalista premiado e documentarista. Obrigado novamente, John, por se ter juntado a nós hoje.

John Pilger: Muito obrigado, Greg.

Greg Wilpert: Obrigado por se juntarem à The Real News Network.

John Pilger nasceu em Bondi na área metropolitana de Sydney, Austrália, 9 de outubro 1939. A carreira de Pilger como repórter começou em 1958; ao longo dos anos tornou-se famoso pelos artigos, livros e documentários que escreveu e/ou produziu. O o seu jornalismo investigativo já mereceu vários galardões, tais como a atribuição, por duas vezes, do prêmio de Britain’s Journalist of the Year Award na área dos Direitos Humanos. No Reino Unido é mais conhecido pelos seus documentários, particularmente os que foram rodados no Camboja e no Timor-Leste. Trabalhou ainda como correspondente de guerra em vários conflitos, como na Guerra do Vietnam, no Camboja, no Egito, na Índia, em Bangladesh e em Biafra. Atualmente reside em Londres.

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Veja também:
-> DOSSIÊ: Julian Assange


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